Segundo recente pesquisa, a candidatura do peronista Sergio Massa ultrapassa a da extrema direita de Javier Milei, poucos dias antes do primeiro turno
Por Bruno Falci, de Buenos Aires, para O Cafezinho
Faltando uma semana para o primeiro turno das eleições presidências na Argentina, que serão realizadas no domingo, 22 de outubro, movimentos sociais e a sociedade civil saíram às ruas em todo o país, nos últimos dias, em massivas manifestações de apoio ao ministro da Economia e candidato peronista Sergio Massa. Sindicatos, trabalhadores, estudantes e feministas lotaram ruas e praças, que foram tomadas pelo povo. Por toda parte em Buenos Aires, bancas de campanha foram montadas pela militância visando esclarecer a população as propostas da candidatura de esquerda e elucidar as falsas verdades pregadas pelo candidato de extrema-direita Javier Milei.
A vice-presidente Cristina Kirchner, apesar das perseguições políticas e jurídicas que está sofrendo, e após ser vítima de tentativa de assassinato em via pública, saiu às ruas para defender a candidatura de Massa. Nessa ocasião, ela destacou o perigo que representa Milei para povo argentino. As paredes e muros das cidades foram tomados por mensagens, fotos, cartazes e faixas expondo os projetos políticos peronistas. É importante enfatizar que todas as entidades sindicais e diversas correntes e partidos políticos que não estão alinhados a esquerda, demonstraram unidade contra a candidatura ultraconservadora.
Essas mobilizações alcançaram resultados. Há poucos dias, a empresa de pesquisa brasileira Atlas Intel publicou seu mais recente trabalho que propõe um cenário disruptivo , que rompeu com o curso do resultado das prévias eleitorais, ao colocar Sergio Massa como vencedor por cinco pontos, com 30,6% dos votos sobre Javier Milei e a candidata de direita Patricia Bullrich, que estão empatados em segundo lugar com 25% dos votos. Milei aparece logo acima da Bullrich com 25%, dois pontos a menos que a pesquisa anterior. Esse cenário deixa em aberto quem entraria no segundo turno contra Massa.
Nessa conjuntura, o candidato peronista manifestou, em entrevista à TV Pública (TVP), que quer um governo de “unidade nacional” que inclua “pessoas que pensem diferente e possam coexistir”. E explicou: “Sempre crescemos quando abrimos os braços”. Massa acrescentou que um governo de “unidade nacional”, no caso de vencer as eleições, implica incluir “pessoas que pensam diferente e podem coexistir” na mesma administração, inclusive “competindo em diferentes forças políticas numa província”. Massa esteve na cidade de San Rafael, na região de Mendoza, onde visitou as obras do novo gasoduto e se reuniu com produtores e empresários. industriais e pessoas ligadas ao sector do turismo.
Na contracorrente dessa proposta de “unidade nacional”, que procura superar todas as diferenças, Milei propõe dividir o país com seu projeto de dolarização e de ataque às instituições estatais com sua visão privatista, que gera insegurança e preocupação na população, o que pode, de certa forma, esclarecer a sua queda nas pesquisas nos últimos dias. A reação negativa ao nome de Milei está ligada às suas ideias econômicas: ele defende a dolarização da economia, o fim do Banco Central e tem um forte discurso contra as medidas de cunho social. A Argentina possui uma inflação que passa dos 100% neste ano e o candidato afirma que dolarizar o país será suficiente para domar a alta dos preços — o que economistas rechaçam. Outro grande perigo da candidatura de Milei é sua postura negacionista. Assim como Bolsonaro, seu equivalente ideológico no Brasil, ele afirma não existir o aquecimento global, exalta a ditadura militar e nega os 30 mil desparecidos em campos de tortura e extermínio, como a Escola de Mecânica da Armada (ESMA), que atualmente, na condição de museu da memoria, foi reconhecida no mês passado como Patrimônio Mundial da UNESCO.
A campanha eleitoral está cada vez mais intensa e, no campo progressista, todos os atores políticos procuram seguir com rigor a proposta de unidade na diversidade. É o caso da deputada Ofelia Fernández, de 23 anos, ativista, ex-dirigente estudantil, que desde 2019 atua como legisladora da Cidade de Buenos Aires pela coalizão União pela Pátria (UP), que apoia a candidatura de Sergio Massa.
Ofelia Fernández organizou diversas manifestações e plenárias em praças publicas de Buenos Aires, mobilizando milhares de jovens para defender nas ruas a candidatura de esquerda e barrar a ascensão fascista. Em um encontro em Avellaneda com jovens menores de 20 anos convidou-os a “não recomeçar do zero”, para defender os direitos conquistados durante os governos peronistas e kirchneristas. Neste sentido, alertou que “o projeto de Milei vai nos fazer começar do zero em quatro anos”. em referência às propostas apresentadas por Libertad Avanza (LLA), que eliminariam o conceito de justiça social. Avellaneda é uma cidade localizada na região metropolitana da Grande Buenos Aires. Fazendo referência à imagem predatória de Milei, Ofelia disse: “Não podemos ser governados por alguém que não se orgulha deste país”.
Ela lembrou as ampliações dos direitos das maiorias ocorridas durante os governos progressistas. “Não quero que sejamos os Estados Unidos, quero que sejamos a Argentina”, afirmou. Ofélia apelou ao voto em Massa, apesar dos erros dos últimos quatro anos da coligação governante, e garantiu: “Devemos pedir perdão, mas devemos também pedir uma nova oportunidade”.
“A nossa força política, obviamente, tem que se preocupar em reafirmar o seu compromisso com a ampliação dos direitos das gerações vindouras”, afirmou Fernández no encontro. Ela apelou aos jovens para serem protagonistas nos próximos anos.
Ofelia foi honesta com os jovens e refletiu: A política merece este resultado? Sim. Mas o que acontece comigo é que não posso pensar no voto nem na minha militância apenas nos últimos quatro anos, porque o peronismo tem uma longa história. “Esta é a Argentina dos direitos trabalhistas e tem de ser o país que reconhece melhores rendimentos e mais direitos laborais para aqueles que hoje estão no setor informal e não que se resignem à precariedade e à flexibilidade”, declarou.
Nesta campanha eleitoral está presente outra personagem, que vagueia por territórios que provocam medo e intolerância: Victoria Villarruel, a candidata a vice-presidente de Javier Milei. A representante de La Libertad Avanza disse que há uma “história amputada” da década de 1970 – que ela não chama de ditadura ou terrorismo de Estado. Villaruel é filha e sobrinha de oficiais do Exército e neta de um contra-almirante da Marinha, que foram agentes da repressão.
Ela está percorrendo as províncias. Recentemente esteve em Córdoba, onde concedeu uma extensa entrevista à Cadena 3, na qual falou sobre a sua exigência de “memória completa” e os seus planos em segurança e defesa, caso Milei ganhe as eleições. “Vivemos numa eterna década de 70”, queixou-se Villarruel na entrevista que concedeu ao jornalista Sergio Suppo. A afirmação é curiosa para quem fez carreira justamente reivindicando o que foi feito naqueles anos pelas Forças Armadas.
Villaruel passou mais de metade da sua vida ativa em organizações pró-militares. Iniciou sua trajetória na Associação da Unidade Argentina (Aunar), criada em 1993 por Fernando Exequiel Verplaetsen – ex-chefe de inteligência do Comando dos Institutos Militares sediado em Campo de Mayo e último chefe da Polícia de Buenos Aires durante a ditadura. Nessa época, organizou encontros com o ditador Jorge Rafael Videla. Num hipotético governo Milei, Villarruel terá sob sua órbita as áreas de segurança, defesa e inteligência, que prenunciam uma administração turbulenta e repressiva.
No domingo, 22 de outubro, estarão em campos opostos, pela primeira vez desde a redemocratização, na Argentina, em 1983, essas duas visões de mundo, representadas de um lado pela jovem deputada Ofelia Fernández, e de outro, por Victoria Villarruel a herdeira do sinistro passado ditatorial da Argentina, que atingiu mais de 30 mil desaparecidos.
abaixo os vídeos dos atos descritos na matéria