Jeferson Miola //
Ilustração: João Montonaro //
É notório e inocultável o envolvimento central de altos oficiais da ativa e da reserva, assim como das cúpulas das Forças Armadas, no processo golpista tentado nos últimos anos no Brasil.
À luz do que se conhece hoje a partir de documentação comprovada, sabe-se que o projeto secreto dos militares com Bolsonaro na Presidência da República foi concebido, preparado e iniciado bem antes da eleição presidencial de 2018.
A candidatura presidencial de Bolsonaro foi lançada ainda em 29 de novembro de 2014 no pátio da AMAN, a Academia Militar das Agulhas Negras, então comandada pelo atual Comandante do Exército, o agora neo-legalista general Tomás Paiva.
A partir daí, e como parte do planejamento estratégico da conspiração militar organizada clandestinamente ao longo de vários anos, os eventos foram se encadeando numa articulação lógica com o objetivo de “voltarem ao poder pela via eleitoral”, não na forma de um golpe militar clássico como o de 1964.
Uma sucessão de fatos ilustra esse encadeamento lógico: [i] a conspiração dos generais traidores Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen com o usurpador Michel Temer para derrubar a presidente Dilma; [ii] a intervenção federal no Rio para blindar Bolsonaro e seus laços milicianos na eleição de 2018; [iii] o tweet do Alto Comando do Exército obrigando o STF a manter a prisão ilegal de Lula; e [iv] a designação do general Fernando Azevedo e Silva para ficar no cangote do presidente do STF Dias Toffoli durante o período eleitoral.
Vencida a eleição pela chapa militar Bolsonaro/Mourão, generais do Exército ocuparam postos centrais de poder no governo militar que esgarçou a institucionalidade e de modo permanente ameaçou com rupturas e ataques à Constituição e ao Estado de Direito.
Após a derrota da chapa militar Bolsonaro/Braga Netto na eleição de 2022, os militares atacaram o resultado eleitoral e tramaram a virada de mesa, ao ponto de circularem para discussão uma minuta do golpe que só não prosperou porque as Forças Armadas estadunidenses e o governo Biden não permitiram que eles consumassem o plano golpista. Estivesse Trump no poder, o desfecho seria tragicamente outro.
As áreas de quartéis em todo país albergaram acampamentos de integrantes da “família militar” com outros criminosos, de onde saíram os terroristas para perpetrarem atentados à bomba em Brasília em 12 e 24 de dezembro e a intentona golpista de 8 de janeiro.
Tudo com o absoluto consentimento e apoio de comandantes militares – senão, também, com o conhecimento prévio do GSI, então comandado pelo general Augusto Heleno.
Findo o governo fascista-militar, não param de surgir descobertas sobre inúmeras e graves tramóias, ilícitos e desvios envolvendo militares, sobretudo do alto oficialato, principalmente do Exército brasileiro.
Tornou-se uma regra infalível: onde houve crime, corrupção, ilegalidade, fraude e desvios, raramente não são encontradas digitais de generais, coronéis, almirantes, brigadeiros, tenentes etc.
Passou a ser rotina oficiais prestando depoimentos em CPI’s como investigados ou testemunhas; assim como respondendo a inquéritos policiais e a processos judiciais.
Apesar disso tudo, no entanto, as cúpulas militares estão sendo exitosas na empreitada de passar pano e livrar os delinquentes fardados de um encontro de contas com a polícia, com a justiça e com a democracia. Embusteiros profissionais, empregam técnicas sofisticadas de chantagem, mentiras, ameaças, dissimulação e desinformação para alcançar este objetivo.
O descarte do Bolsonaro e a transferência de todas responsabilidades ao capitão que já perdeu utilidade para o plano deles tem sido uma estratégia exitosa. De brinde, até entregam alguns bodes expiatórios de menor importância castrense para preservar o essencial.
O acordão que envolve governo, oposição, instituições e a CPMI dos atos golpistas para safar os militares e deixá-los impunes é mais um grande erro do poder político civil. Corresponde a uma nova anistia concedida aos militares que, impunes, se sentirão à vontade para voltar a delinquir e atentar contra a democracia.
Nenhuma outra conjuntura da história brasileira foi tão favorável para se promover as mudanças urgentes na caserna que preparem adequadamente as Forças Armadas para a defesa nacional e a dissuasão de potenciais agressores estrangeiros.
Desperdiçar esta janela de oportunidade que a história oferece poderá custar a sobrevivência da democracia, pois os militares não desistiram do seu projeto próprio de poder, que é incompatível com a democracia e o Estado de Direito.
A nova anistia concedida aos militares equivale, neste sentido, a uma bomba-relógio que em contextos futuros de debilidade do governo civil ou de instabilidade política poderá explodir a democracia.