Moro conduziu pessoalmente interrogatório sobre ministros do STJ e de outras autoridades com foro
Depoimentos de Tony Garcia entregues ao STF detalham ação do ex-juiz sobre autoridades com foro em 2004; Moro diz que nenhuma autoridade com foro foi investigada.
Documentos obtidos pelo g1 e pela GloboNews revelam que, em 2004, o ex-juiz Sergio Moro conduziu pessoalmente uma série de interrogatórios que tinham como alvo ministros do Superior Tribunal de Justiça, integrantes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e do Tribunal de Contas do Paraná. Todas essas autoridades, legalmente, não poderiam ter sido alvo de apuração na primeira instância, onde Moro atuava.
Procurado, o ex-juiz diz que “nenhuma autoridade com foro foi investigada” e que as suspeitas eram de tráfico de influência de terceiros, advogados que vendiam facilidade sem que houvesse participação dos ministros. Veja íntegra da nota mais abaixo.
Ao todo, o blog da Daniela Lima no G1 teve acesso a 234 páginas de depoimentos prestados pelo ex-deputado estadual Tony Garcia, que foi ao Supremo acusar Moro de tê-lo usado para levantar provas contra autoridades que, em tese, não poderiam estar sob a mira da Justiça Federal, mas sim de cortes superiores. Os depoimentos fazem parte do material entregue pelo ex-deputado e colaborador da Justiça de Curitiba ao ministro Dias Toffoli, do STF. Garcia quer anular o acordo que fez com Moro. Ele diz ter sido usado pelo ex-juiz para cometer ilegalidades.
O primeiro depoimento de Garcia ocorre no dia 16 de dezembro de 2004, um dia depois de ter assinado o acordo de colaboração. Tony, ao fechar o acordo, recebeu, como revelou o g1, por escrito, “30 tarefas”, que incluíam inclusive o uso de escutas ambientais em encontros com políticos e juristas. Esse material, também registra o processo, era entregue “em mãos” a Moro, que ainda chegava a debater o andamento do caso pelo telefone com seu réu.
Dentro das 30 tarefas descritas no acordo já havia uma descrição detalhada de suposto esquema de venda de sentenças no Superior Tribunal de Justiça, o que não se confirmou posteriormente. Já ciente do material, pois signatário do acordo, Moro abre a sequência de depoimentos, no dia seguinte, mirando o STJ. “Sr. Antônio, [diante] do adiantado da hora, vou colher apenas o depoimento de um ponto específico. Em outra data, nós o ouvimos novamente”, inicia Moro.
“O sr impetrou um habeas corpus no STJ para impedir o andamento ou para obter decisão favorável no caso do Consórcio Garibaldi. O sr. pode me relatar a história desse habeas corpus?” Em resposta, Tony afirma que um advogado amigo pediu a ele R$ 600 mil para obter uma decisão favorável no STJ. No ano seguinte, a PGR apresentou denúncia apenas contra esse advogado, que teria vendido uma influência que não tinha sobre a corte.
Moro segue: pergunta se houve relato de que o destinatário era um ministro, como a quantia foi paga, se Tony chegou a encontrar o ministro ou a falar com ele… Ao todo, são sete páginas de questionamentos sobre o STJ. Neste primeiro depoimento, Moro também aborda um segundo assunto: um suposto grampo ilegal que teria sido feito contra ele mesmo.
Nos depoimentos seguintes, Moro indaga o colaborador sobre o presidente do Tribunal de Justiça do Paraná à época, sobre a cúpula do Tribunal de Contas do Estado, sobre o governador do Estado (que também tem foro no STJ), sobre desembargadores do TRF-4 e sobre deputados federais, como o já falecido José Janene.
O ex-juiz também voltou a inquirir pessoalmente Tony sobre o STJ semanas depois do primeiro depoimento. Pela lei, apenas integrantes do Supremo poderiam avançar sobre ministros da segunda mais alta corte do país. Na época, a jurisprudência previa que, uma vez que o juiz de primeira instância tivesse acesso a um relato consistente sobre eventual crime de autoridade com foro, esse relato precisaria ser remetido à autoridade competente. E não mais manejado pela primeira instância, sobre risco de nulidade.
Os dados mostram que Moro não fez isso. O primeiro relato sobre eventual crime dos magistrados que estavam fora do alcance de Moro está na colaboração premiada, assinada dia 15/12/2004. O segundo, no caso do STJ, em depoimento tomado pelo próprio ex-juiz, dia 16/10/2004. Dias depois, ele repete a inquirição sobre o STJ.
Segundo pessoas familiarizadas com o caso, só cinco meses depois uma procuradora com autoridade para tratar do tema aparece em Curitiba. Era a hoje ex-braço direito de Augusto Aras, Lindôra Araújo.
Procurado, Moro reafirmou que Tony Garcia “é um criminoso condenado”. Moro explica ainda que as “suspeitas eram principalmente de tráfico de influência, de terceiros que haviam pedido dinheiro a pretexto de entregá-los a autoridades sem que essas participassem dos ilícitos”.
“Uma das pessoas investigadas, aliás, foi condenada exatamente por este crime [o advogado que pediu dinheiro a Tony]. Nenhuma autoridade com foro foi investigada. É oportuno lembrar que os depoimentos foram colhidos perante a autoridade judiciária com a presença de representante do Ministério Público e de defesa. Vale ressaltar que esses fatos ocorreram em 2004 e 2005, portanto, há mais de 17 anos.”
Moro usou agente da PF infiltrado no escritório de Tony
Em uma decisão datada de 15 de dezembro de 2004, o ex-magistrado Sergio Moro determinou, após a formalização do acordo de colaboração com o ex-deputado estadual do Paraná, Tony Garcia, que escutas fossem instaladas no escritório do empresário. Além disso, um policial federal deveria atuar infiltrado no local, assumindo o papel de secretário de Tony.
Segundo informações que Tony Garcia forneceu ao Supremo Tribunal Federal, essa estrutura permitiu que ele interceptasse comunicações de autoridades com foro, como o presidente do Tribunal de Contas do Estado em 2005. Tony também afirmou que o esquema foi utilizado por Moro para coletar informações sobre ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ), conselheiros do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4).
Para o avanço das investigações que começariam em 1º de fevereiro de 2005, Moro detalhou na mesma decisão que seria necessário: “a) a instalação de dispositivos de escuta ambiental, preferencialmente áudio e vídeo, com capacidade para gravação por longos períodos, em duas salas e em locais diferentes”. E também: “b) A possível utilização, por um período de cerca de seis meses, de um agente policial infiltrado como secretário em um escritório de prestação de serviços”.
Moro esclareceu que o objetivo dessas medidas era investigar crimes de colarinho branco, possivelmente cometidos por agentes políticos e servidores públicos. Em depoimentos recentes, enquanto enfrenta uma disputa judicial contra Moro no Supremo, Tony afirmou que esse aparato lhe permitiu monitorar, por exemplo, o então presidente do Tribunal de Contas do Estado por mais de uma hora. Ele também disse aos investigadores que trabalham com o ministro Dias Toffoli que o conteúdo das interceptações era entregue “em mãos” a Moro, sem passar previamente pelo Ministério Público.
Presidentes de Tribunais de Contas têm foro por prerrogativa de função no Superior Tribunal de Justiça. e não podem ser investigados por magistrados de primeira instância, como Moro.