Depois de quase uma década de agitação política, era óbvio que o governante eleito pós-bolsonarismo, independente de quem fosse, dificilmente conseguiria implementar uma série de mudanças inovadoras e romper com velhos paradigmas da política no Brasil.
Por isso, não é surpresa para ninguém que Lula, ao assumir o governo, trabalharia pela reconstrução do Brasil e a volta da normalidade. Isso vale tanto para o bem quanto para o mal.
Guiado pelos sucessos de seus dois primeiros mandatos, o presidente decidiu que o melhor caminho para a reconstrução do Brasil seria repetir as mesmas fórmulas antigas, mesmo que em outro Brasil, mesmo que isso significasse repetir os mesmos erros.
Para tentar resolver a questão da segurança pública, o governo mais uma vez estuda usar militares para tal função. Para a política, segue a tentativa de formação de base com a distribuição de cargos. O PAC seguirá distribuindo cargos e verbas para prefeitos, moderados ou extremistas, de forma indiscriminada, e certamente irá reeleger e eleger mais uma centena de políticos do centrão.
Algo muito parecido com os evangélicos, onde o governo segue com a política falida de despejar milhões em isenções e incentivos fiscais para igrejas evangélicas. Com isso, elas crescem, se multiplicam e, na primeira oportunidade, embarcam na candidatura do próximo fundamentalista de extrema-direita da ocasião.
E a comunicação? Ainda torce para que blogueiros e afins façam alguma coisa.
Infelizmente, o Brasil de 2023 não é o mesmo de 2003 ou mesmo de 2013. O orçamento secreto tornou ainda mais difícil de controlar o centrão, e o vácuo político dos últimos 10 anos empoderou o Congresso muito mais do que deveria. Se em 2002 Lula era eleito envolto de uma onda de positivismo, em 2022 ele foi eleito numa onda de desespero de quem, acima de tudo, gostaria apenas de ver o país voltar ao normal, sem grandes expectativas.
Se há 20 anos as Polícias Militares matavam e torturavam indiscriminadamente pelas periferias do Brasil, hoje seguem fazendo isso com a adição de um elemento perigoso: a politização da violência como instrumento de radicalização, tal qual fazem o Talibã e o Estado Islâmico. Se antes Lula não sabia lidar com isso, hoje sabe menos ainda.
A Bahia, governada pelo PT desde 2007, virou a capital nacional da violência policial, desbancando Rio de Janeiro e até mesmo São Paulo. Diante deste descalabro na segurança pública, o secretário-executivo do Ministério da Justiça e Segurança Pública se resume a bloquear uma penca de jornalistas negros no Twitter e insistir no discurso batido sobre “maçãs podres nos órgãos de segurança”.
Não por menos, ainda hoje os movimentos que combatem o racismo, defensores dos direitos da população negra e especialistas em segurança pública, acertadamente, acusam o PT de ter aprofundado desigualdades através de políticas de encarceramento em massa.
Há um problema institucional nas PMs de todo o país. Seguir nesse discurso é evitar enfrentar o problema de forma correta, inteligente e efetiva. É preciso aceitar que temos um problema de descontrole institucional. Algo que o PT sempre foi muito ruim em aceitar e enfrentar.
Seguridade social, combate à fome, aumento da renda e dar dignidade às pessoas são bases de sustentação de uma democracia. Isso é fato, mas essas conquistas não podem ser tão efêmeras que até mesmo um presidente fraco como Michel Temer possa derrubá-las. De nada adianta levar dez anos para tirar um país do mapa da fome se Bolsonaro levou apenas dois para devolvê-lo.
O Brasil, o PT, a sociedade e a imprensa precisam fazer uma autocrítica imensa sobre sua relação abusiva com as instituições que gozam de pouquíssimos controles e poderes e direitos em demasia. Ou então viveremos num ciclo infindável de governos que constroem e governos que destroem, avançando dois passos e retrocedendo outros dois passos.
Talvez fosse interessante aproveitar as águas ainda agitadas pelos últimos 10 anos e romper com certos ciclos e, principalmente, com o compromisso com alguns erros.