Surpresas positivas no PIB, mas nem tudo que reluz é ouro

Armando Castelar e Silvia Matos. Credito: FGV.


Por Armando Castelar e Silvia Matos, para o IBRE – FGV

22 set 2023

Revisamos crescimento este ano de 1,8% para 2,5%. Em torno de 60% desse valor (1,5pp) provém do excelente desempenho da agropecuária e da indústria extrativa. A contribuição das atividades cíclicas será de 1pp, bem aquém de 2022.

O PIB do segundo trimestre surpreendeu, novamente, ficando acima de todas as previsões divulgadas. De fato, desde o ano passado temos observado, no Brasil, assim como nos EUA e em vários outros países da América Latina, surpresas positivas na atividade econômica. De forma geral, a despeito de uma política monetária mais apertada, a desaceleração dessas economias tem sido bem moderada.

Observa-se, porém, elevada heterogeneidade no desempenho dos setores. A desaceleração da produção e da demanda por bens é mais intensa, em linha com o aperto monetário, mas, em serviços, a atividade tem se mostrado bem mais resiliente do que se projetava. E como serviços é uma atividade intensiva em trabalho, os dados de mercado de trabalho também têm surpreendido para melhor.

No Brasil, em particular, comparando o crescimento do PIB em 2022 e 2023, vê-se que, mesmo se podendo chegar a altas anuais com valores parecidos, os principais componentes que explicam cada resultado não são os mesmos . Ou seja, o resultado surpreende de novo para cima, mas não é exatamente a mesma história que se repete.

Em 2022, mesmo com a atividade desacelerando ao longo do ano, o crescimento foi gerado basicamente pelas atividades cíclicas, mais dependentes das políticas monetária e fiscal, que responderam por 2,7 p.p. da expansão de 2,9% do PIB no ano. O restante foi explicado por atividades denominadas “exógenas”, entre elas agropecuária, indústria extrativa, serviços públicos e atividades imobiliárias.[1]

Para este ano, com o resultado do PIB do segundo trimestre, revisamos nossa previsão de crescimento de 1,8% para 2,5%. Em torno de 60% desse valor (1,5 p.p) são explicados pelo excelente desempenho da agropecuária e da indústria extrativa. A contribuição das atividades cíclicas será de 1,0 p.p., bem aquém do ano passado.

Com relação às surpresas nas atividades cíclicas, podemos destacar dois fatores determinantes. O primeiro está relacionado aos impactos positivos tanto da agropecuária como do setor extrativo sobre essas atividades. Na indústria de transformação, a indústria de alimentos, bem como o setor de derivados do petróleo e biocombustíveis são os grandes destaques positivos. Além disso, alguns componentes do setor de serviços, como transportes, têm sido beneficiados pelo excelente desempenho da agropecuária. De acordo com cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (CEPEA), o emprego gerado pelos agrosserviços cresceu 7,4% no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, enquanto o emprego total cresceu 1,6% (excluindo o autoconsumo agrícola). Estima-se um aumento de quase 680 mil empregos nessa atividade, enquanto que o emprego total pela PNAD teve um aumento de 640 mil no mesmo período.[2]

E, consequentemente, pelo lado da demanda, o excelente desempenho desses setores exportadores eleva a contribuição da demanda externa para o resultado do PIB deste ano.

Um segundo fator está relacionado ao aumento do gasto público e das transferências de renda, bem como ao uso de poupança acumulada durante o período de isolamento social. Algo que chama atenção é a aceleração do consumo das famílias no segundo trimestre (cresceu 0,9% em relação ao primeiro trimestre), bem como do consumo do governo (0,7% em relação ao primeiro trimestre).

Conforme destacado na seção de Política Monetária, há um conflito entre o que se observa na política fiscal e na política monetária. Esta, para trazer a inflação para baixo, está colocada no modo restritivo, mas aquela está em modo claramente expansionista. E esse conflito deve dificultar a redução mais intensa da taxa de juros. De fato, os juros reais das NTN-Bs (papéis emitidos do Tesouro no mercado doméstico e negociados em reais) de prazo mais longo (maturidade constante de 30 anos) situam-se bem próximas de sua média histórica. Ou seja, os participantes de mercado não parecem especialmente confiantes no equilíbrio das contas públicas, pois, no momento, na compra de títulos públicos, exigem taxas reais de juros bem próximas do que sempre exigiram, em média, no passado.

Concomitantemente, a despeito da melhora recente do quadro inflacionário, a inflação projetada para o horizonte relevante encontra-se acima da meta de 3,0%. De acordo com o Relatório Focus divulgado em 18 de setembro último, a previsão é de inflação de 3,86% no ano que vem e de 3,50% em 2025 e 2026.

E, sem dúvida, neste cenário de juros reais em patamares elevados os investimentos são penalizados. Nas contas nacionais, o investimento ficou próximo da estabilidade no segundo trimestre de 2023, mas, como esperado, está se contraindo em relação ao mesmo trimestre do ano passado. Os dados referentes ao terceiro trimestre indicam forte contração da absorção de máquinas e equipamentos (AME). Estimativas até agosto apontam queda da ordem de 11%-13% da AME entre os meses de julho e agosto deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Mesmo com desempenho melhor da construção civil, tudo aponta uma contração do investimento no ano de 0,9%, após crescer apenas 0,9% em 2022.

E, por fim, com relação ao ambiente externo, ele tem estado mais conturbado, pois houve aumento das taxas de juros longas nos Estados Unidos. Como também por lá a luta contra a inflação continua, o Fed deverá manter a política monetária apertada por período mais prolongado (ver seção de Economia Internacional). Além disso, a desaceleração da economia chinesa segue o seu curso. Como destacado na seção Em Foco deste mês, “há razões estruturais e conjunturais que explicam o momento delicado, associadas a certa inadequação das políticas públicas em curso. Não nos parece haver motivo para o pânico criado no mercado, mas é importante estarmos preparados para uma China que crescerá menos – não somente agora, mas também no futuro.”

Trata-se, portanto, de um quadro que segue desafiador, doméstica e externamente, em que pese a surpresa positiva de uma economia que deve se expandir este ano mais do que se previa antes.

Este é o Sumário do Boletim Macro Ibre de Setembro de 2023.

As opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva dos autores, não refletindo necessariamente a opinião institucional da FGV.

[1] O valor adicionado das atividades imobiliárias é muito influenciado pelo aluguel imputado. Pela metodologia do IBGE, ele tem um componente inercial muito elevado, sofrendo menos o impacto da política monetária na atividade.

[2] Ver Boletim Mercado de Trabalho do Agronegócio Brasileiro (https://www.cepea.esalq.usp.br/br/mercado-de-trabalho-do-agronegocio.aspx).

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