Por Theófilo Rodrigues, Raísa Vieira e Paula Bernardes
Nos próximos anos, a esfera pública brasileira será tomada por um grande debate sobre os rumos do desenvolvimento e da segurança energética do país tendo como pano de fundo a possível descoberta de poços de petróleo na camada do Pré-sal na região conhecida como Margem Equatorial – litoral entre os estados do Amapá e do Rio Grande do Norte.
Esse debate, no entanto, tem sido travado com maior ênfase por apenas dois polos, dois campos bem nítidos.
De um lado, de forma paradoxal, estão unidos desenvolvimentistas e neoliberais que compartilham de um mesmo valor: o negacionismo climático. Para esse campo, só o que importa são os retornos econômicos advindos da exploração do petróleo. Do ponto de vista ético, poderíamos dizer que são guiados por um utilitarismo cego.
De outro lado, estão ambientalistas que trazem para o centro do debate a ciência e o necessário enfrentamento das mudanças climáticas para a sobrevivência da espécie. Para esse campo, é preciso impedir qualquer abertura de novos poços de petróleo, pois os combustíveis fósseis são responsáveis pelo aquecimento global. De uma perspectiva ética, esses atores e atrizes dialogam com um idealismo kantiano.
Há, todavia, uma terceira via possível que não é idealista, nem negacionista, mas que supera numa síntese dialética os dois campos anteriormente mencionados. Diferentemente dos negacionistas, essa terceira via é orientada pela ciência e pelos relatórios do IPCC que apontam para a responsabilidade dos combustíveis fósseis no aquecimento global. Mas, diferentemente dos idealistas, essa terceira via não ignora o papel geopolítico estratégico que a Margem Equatorial pode representar para o desenvolvimento e a soberania nacional. Essa terceira via, na falta de um termo melhor, é a que se aproxima das correntes do desenvolvimento sustentável. De uma perspectiva ética, alinha-se com o materialismo histórico, com uma filosofia da práxis.
Esse terceiro campo reconhece que, dados os interesses econômicos envolvidos e a necessária segurança energética do país, a exploração da Margem Equatorial ocorrerá de qualquer modo à despeito dos avisos da ciência. A questão que se coloca, portanto, não é ser contra ou a favor da exploração, mas sim incidir nos rumos dessa exploração.
Para os defensores desse desenvolvimento sustentável, os retornos econômicos derivados da futura exploração da Margem Equatorial – especula-se que ela comece só em 2030 – devem ser voltados para o financiamento da transição energética na direção de uma economia de baixo carbono. Isso significa dizer que os lucros esperados da exploração devem ser dirigidos para investimentos na preservação das florestas e demais ecossistemas, na potencialização da bioeconomia e na inovação tecnológica de novos combustíveis como o hidrogênio verde.
Esse terceiro campo parte do entendimento de que, assim como a Idade da Pedra não acabou por falta de pedras, a Idade do Petróleo não chegará ao fim por falta do líquido negro, mas sim pelo desenvolvimento tecnológico em larga escala de seu substituto. Por essa razão, direcionar os recursos da exploração da Margem Equatorial para a transição energética é a aposta da terceira via. Essa é a melhor forma de evitarmos aquilo que os economistas convencionaram chamar de “doença holandesa”.
Em 2021, na COP 26 em Glasgow, o Brasil assumiu o compromisso de neutralizar a emissão de carbono no país até 2050. A exploração da Margem Equatorial deve estar atrelada a esse objetivo. Para essa terceira via, é possível atingir a neutralidade de carbono mesmo com a exploração de petróleo na Margem Equatorial, desde que esforços sejam empreendidos para zerar o desmatamento e as queimadas em nossos biomas, para regenerar milhares de áreas degradadas, para a expansão das energias renováveis, para o investimento em bioeconomia e para a inovação tecnológica sustentável.
Há 10 anos, em 2013, o movimento social brasileiro lutou por 50% do Fundo Social do Pré-sal para educação. O espírito do tempo, e os alertas uníssonos da ciência, exigem que a nova agenda do Brasil seja por 50% do Fundo Social da Margem Equatorial para a transição energética.
*Theófilo Rodrigues é cientista político e mestre em Ciência da Sustentabilidade.
**Raísa Vieira é pesquisadora do Instituto Internacional para Sustentabilidade.
***Paula Bernardes é cientista política e coordenadora da pós-graduação em economia circular da FESPSP.
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