A proposta do presidente Lula de taxar os “super-ricos” provocou grandes críticas da oposição, mas para Joseph Stiglitz, economista vencedor do Prêmio Nobel de 2001, a visão é outra.
“Não é surpresa que os ricos digam: não nos tributem porque será ruim para a economia. Eu ficaria surpreso se eles não dissessem isso. É um argumento egoísta. Mas não tem base econômica”, acrescentou.
Stiglitz afirma que a economia brasileira terá efeitos positivos com o fim das vantagens tributárias que permitem que os “ricaços” paguem menos impostos. Além disso, outros fatores também irão alavancar essa área no país. São eles a desaceleração da economia global, que induz o Brasil a aumentar a arrecadação de tributos, estimular o crescimento econômico e reduzir os juros.
Para o vencedor do Nobel, a melhor forma do governo obter receita é através da arrecadação de impostos dos super-ricos. Ele relembra que o Brasil é um dos países em que a população pobre paga mais impostos em relação ao total da sua renda do que a parcela rica. Dessa forma, além de benéfica ao aspecto econômico, a tributação dos super-ricos promove mais igualdade social.
“Não é uma visão de esquerda. O FMI, a OCDE, todos chegam à visão de que sociedades com menos desigualdade têm desempenho econômico melhor, do qual todos se beneficiarão”, afirmou em entrevista para a Folha de S. Paulo.
Segundo Stiglitz, os mercados financeiros têm dado muita importância ao déficit, e a austeridade se mostrou ineficaz como instrumento para equilibrar o orçamento. Esse fenômeno pode resultar em menor crescimento econômico, o que, por sua vez, reduz a arrecadação de impostos e aumenta os gastos com programas sociais, agravando ainda mais o déficit.
O economista defende uma abordagem focada no crescimento econômico, e, nesse quesito, elogia o trabalho do governo Lula.
“De duas maneiras. Ele diz: olha, vou tentar arrecadar mais, uma quantia moderada, das pessoas ricas que não estão pagando uma parcela justa. Ao mesmo tempo, vou usar parte desse dinheiro para promover o crescimento econômico, para a transição ecológica”, afirmou.
No âmbito internacional, Stiglitz explica que as taxas de juros aumentaram em todo o mundo, resultado das mudanças feitas pelo Fed. Apesar disso, ele acredita que os Estados Unidos não terão problemas econômicos, uma vez que a inflação está diminuindo. Para o economista, isso ocorre devido às curvas de oferta e demanda do país, por exemplo, nas áreas de imóveis.
No Brasil, as taxas caíram, “mas não o suficiente”, disse ele. Estão se tornando mais razoáveis, mas ainda não são razoáveis. O incrível sobre o Brasil é como ele se saiu tão bem, dada a má política do Banco Central”, completou. O economista acredita que o caminho é a redução de juros e, para isso, que a agenda de crescimento proposta por Lula entre em ação.
“A segunda preocupação é a China não gerenciando sua economia. Em 2008, a China foi a base da recuperação global. Agora está contribuindo para o enfraquecimento da economia global. Eles têm muitos problemas, e não está claro se o presidente Xi está apto para gerenciá-los. Eles têm as ferramentas, mas há um alto risco de que não as usem. É uma grande incógnita. A Europa não tem o apoio fiscal, então está passando por um período realmente fraco”, analisou.
Ao ser questionado sobre o cenário econômico vigente, que Stiglitz chama de “morte do neoliberalismo”, ele assume que não é possível definir os rumos da economia global.
“Os resultados do neoliberalismo foram tão ruins que houve um aumento da desigualdade, as pessoas na base não se saíram bem, não houve um efeito cascata. Há uma resposta antidemocrática, uma resposta fascista em algumas partes do mundo”, disse.
O que ele chama de capitalismo progressista, a Europa chama de social-democracia: “Reconhecemos o papel dos mercados, mas não são mercados sem restrições. São regulamentados, com a ideia de tentar moldar a sociedade de uma maneira melhor”
Nesta semana, o vencedor do Nobel desembarcou no Brasil para uma série de compromissos, principalmente o encontro com o presidente da República. Para Stiglitz, a gestão atual tem feito um bom trabalho, ainda que receba muitas críticas. “Há um espírito mais forte [no país] que eu não sentia há muito tempo. É como emergir de uma espécie de escuridão”, disse.
Stiglitz afirma que o país tem um papel fundamental no mundo, apontando, ainda, para as novas relações econômicas entre os EUA e a China que afetam, também, o Brasil.
“Não estamos dizendo que você está escolhendo um lado ou outro, mas é preciso reconhecer que tivemos muitos choques nos últimos 20 anos. Não devemos assumir que eles acabaram. Um choque poderia ser um rompimento, um choque vindo da China”, explicou.
“Neste momento, pontos-chave para tornar a economia mais resiliente, reduzindo riscos, envolvem a transição verde, porque o clima e as mudanças climáticas são um grande choque”, concluiu Stiglitz.