Tio Sam quer o fim do mundo?

Anthony Blinken, secretário de Estado dos EUA. Imagem: divulgação

Falcões russos pressionam Putin para uma escalada à medida que os EUA ultrapassam mais «linhas vermelhas»

Por @connor_echols / via @RStatecraft (rede X)

No domingo, o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, declarou que os Estados Unidos não iriam impedir a Ucrânia de utilizar mísseis de longo alcance de fabrico americano para atacar alvos dentro da Rússia.

«Em termos de decisões sobre alvos, a decisão é deles, não nossa», disse Blinken à ABC, antes de acrescentar que «não encorajamos e não permitimos qualquer uso de armas fora do território da Ucrânia».

Os comentários de Blinken, que surgem na sequência de notícias de que os EUA irão em breve enviar mísseis de longo alcance para a Ucrânia, são o mais recente exemplo da abordagem lenta de Washington para ultrapassar as linhas vermelhas russas no conflito. O presidente Joe Biden há muito que argumentava que fornecer a Kiev os Sistemas de Mísseis Tácticos do Exército, mais conhecidos como ATACMS, seria um passo demasiado grande para o Kremlin, mas essa opinião parece ter perdido a validade, uma vez que Moscovo não conseguiu apoiar as suas ameaças de escalada.

Entretanto, os falcões russos têm-se sentido cada vez mais frustrados com o presidente Vladimir Putin, com muitas figuras proeminentes a argumentarem que o líder russo tem de fazer mais para impedir o envolvimento americano na guerra. Este aumento de pressão pode levar Putin a tomar uma atitude drástica, segundo George Beebe, do Quincy Institute.

«O perigo é que, à medida que Washington se torna mais confiante de que não precisa de temer a retaliação russa, Putin está a ser cada vez mais pressionado para impor linhas vermelhas contra o Ocidente», argumentou Beebe. «Os seus críticos estão a argumentar que, se ele não traçar uma linha firme em breve, não haverá limites para o que os Estados Unidos poderão fornecer a Kiev.»

Com o risco de escalada continuando a crescer, é útil olhar para trás e ver como a pressão sobre Putin cresceu em resposta às decisões ocidentais de cruzar suas linhas vermelhas.

HIMARS (junho de 2022)

A administração Biden passou os primeiros meses da guerra a argumentar que qualquer transferência de Sistemas de Mísseis de Artilharia de Alta Mobilidade, mais conhecidos por HIMARS, representaria uma provocação inaceitável para a Rússia. Mas, quando a Ucrânia virou a situação em abril e maio do ano passado, os EUA decidiram que era hora de dar a Kiev o sistema avançado de armas.

A decisão foi tomada com um compromisso significativo. Colin Kahl, que na altura era subsecretário da Defesa para a política, disse que os EUA tinham assegurado promessas da Ucrânia de que o HIMARS não seria utilizado para atacar alvos dentro da Rússia — uma promessa apoiada pelo facto de Washington apenas enviar foguetes de menor alcance para serem utilizados com o sistema de alta tecnologia.

«Não temos interesse em que o conflito na Ucrânia se alargue a um conflito mais amplo ou evolua para a Terceira Guerra Mundial, por isso temos estado atentos a isso», disse Kahl aos jornalistas na altura. «Mas, ao mesmo tempo, a Rússia não tem direito de veto sobre o que enviamos aos ucranianos».

A medida provocou uma reação imediata na Rússia. Uma proeminente apresentadora de televisão russa disse que fornecer as armas «ultrapassaria claramente a linha vermelha», acrescentando que vê a medida como «uma tentativa de provocar uma resposta muito dura da Rússia». Mais tarde, no Verão, Mikhail Sheremet, membro da Duma, afirmou que a política dos EUA «há muito que ultrapassou todas as linhas vermelhas permitidas, continuando assim a empurrar o país para o abismo e o caos a toda a velocidade».

Os falcões russos continuaram a exercer pressão sobre a liderança do país à medida que o apoio ocidental aumentava. Em setembro do ano passado, estas críticas tinham-se tornado tão fortes que o Pravda, um órgão leal ao governo, publicou um meme criticando o Kremlin por permitir que o Ocidente ultrapassasse tantas linhas vermelhas nos últimos anos.

Uma caricatura política publicada no Pravda mostra um emaranhado de «linhas vermelhas» russas que o Ocidente ultrapassou desde 2014. A parte inferior da imagem contém os nomes de várias cidades da Rússia, o que sugere que os Estados ocidentais estão cada vez mais perto de atacar diretamente a «pátria» russa.

Apesar desta pressão, o Kremlin pouco fez para apoiar as suas alegadas linhas vermelhas. Em outubro, Alexei Polishchuk, um diplomata russo de alto nível, pareceu mudar de posição quando afirmou que «o fornecimento de armas de longo alcance ou mais potentes a Kiev» seria uma linha vermelha para o Kremlin.

Tanques M1 Abrams (janeiro de 2023)

Apenas alguns meses após os comentários de Polishchuk, os EUA concordaram em enviar à Ucrânia o seu sistema de armas mais poderoso até à data: o tanque M1 Abrams. As autoridades já tinham argumentado que os veículos iriam criar demasiados problemas logísticos e de manutenção para a Ucrânia, e as preocupações com a escalada do conflito quase de certeza que contribuíram para a hesitação da administração. Mas quando a Alemanha decidiu enviar alguns dos seus próprios tanques Leopard II, a decisão tornou-se mais fácil para os Estados Unidos.

No seu anúncio da ação, Biden minimizou o risco de escalada. «Não se trata de uma ameaça ofensiva para a Rússia», disse. «Não há ameaça ofensiva para a Rússia. Se as tropas russas regressassem à Rússia, onde pertencem, esta guerra terminaria hoje».

As autoridades russas consideraram «extremamente perigosas» as decisões ocidentais de ceder tanques à Ucrânia, mas também pareceram minimizar a importância da ação, considerando-a um «plano bastante desastroso» que pouco ajudaria Kiev.

Mas os especialistas russos tornaram-se mais arrojados nas suas críticas nos meses que se seguiram. Em março, o antigo líder russo Dmitry Medvedev sugeriu que Moscovo deveria considerar a utilização de armas nucleares no conflito se a Ucrânia começasse a atacar o que a Rússia considera ser o seu território, incluindo a Crimeia. Em abril, o cientista político Sergei Markov afirmou que os «patriotas revoltados» queriam que o Kremlin respondesse de forma mais enérgica ao que consideram ser ataques americanos directos à Rússia.

F-16s (maio de 2023)

Desde os primeiros dias da guerra, a administração Biden expressou preocupações sobre as ramificações do envio de caças para a Ucrânia. A certa altura, no ano passado, a Casa Branca chegou a bloquear uma proposta polaca de envio de aviões de fabrico russo para Kiev, devido à preocupação com a escalada de tensões com Moscovo.

O Pentágono terá estado no centro da oposição à transferência de F-16s, enquanto Blinken minimizou as preocupações com a escalada, salientando que a Rússia não conseguiu, até à data, cumprir nenhuma das suas linhas vermelhas. Ainda em fevereiro deste ano, Biden desviou a questão, argumentando que a Ucrânia «não precisa de F-16s agora».

No final, Blinken e os seus aliados levaram a melhor. Em maio, Biden anunciou que os EUA autorizariam a Dinamarca e a Holanda a enviar alguns dos seus F-16 para a Ucrânia. Os pilotos ucranianos começaram a receber formação intensiva sobre como operar os aviões, que deverão chegar no próximo ano.

A Rússia disse que os F-16 seriam um «risco colossal», devido ao facto de os aviões serem capazes de transportar armas nucleares. (A Ucrânia, note-se, não tem acesso a armas nucleares.) Um proeminente bloguista russo disparou contra a relutância de Moscovo em fazer cumprir a linha vermelha contra os F-16, escrevendo que «se os nossos funcionários não tomarem medidas atempadas e decisivas, a situação continuará sistematicamente a deteriorar-se».

Um general russo reformado deu um passo em frente e sugeriu que Moscovo deveria deslocar armas nucleares tácticas para bases perto da Ucrânia ou mesmo considerar atacar aeródromos em países da NATO que pudessem entregar F-16s.

ATACMS (setembro de 2023)

Em julho de 2022, Jake Sullivan argumentou que o envio de mísseis de longo alcance para a Ucrânia arriscaria colocar os EUA e a Rússia «no caminho para uma terceira guerra mundial». Essa postura atraiu atenção significativa dos partidários mais zelosos da Ucrânia nos Estados Unidos, incluindo o deputado Adam Smith (democrata por Washington), que acusou Biden no ano passado de ter «comprado a retórica de Putin» sobre o assunto.

Se estas notícias forem verdadeiras, a Rússia verá quase de certeza esta medida como uma grande provocação, como o próprio Biden argumentou no ano passado.

Ataques dentro da Rússia e o caminho para uma escalada

Grande parte deste debate centra-se numa questão fundamental: Deverão os EUA encorajar os ataques ucranianos dentro da Rússia? Os recentes comentários de Blinken sugerem que a administração Biden mudou a sua posição sobre esta questão, passando de um «não» rígido para um «sim» tácito.

Enquanto os falcões russos continuam a apelar a uma escalada, Putin fica com um conjunto cada vez mais reduzido de opções para sinalizar o seu descontentamento com a política americana sobre a guerra. Entre outras coisas, ele poderia abater um avião ocidental que voasse perto do espaço aéreo russo, ou talvez organizar um ataque secreto contra uma base da NATO, como fez com um depósito de armas checo em 2014. Como observou Beebe, do Quincy Institute, Putin poderia também atacar satélites americanos para prejudicar o apoio logístico ocidental às operações ucranianas.

Mas há uma ameaça mais sinistra no horizonte. Se a Ucrânia começar a obter mais êxitos militares com armas ocidentais avançadas, alguns analistas receiam que Putin possa recorrer à arma definitiva.

«Se as forças armadas russas não forem capazes de intensificar ou impedir a Ucrânia de [retomar o seu território], Putin não terá outra forma de intensificar a guerra militarmente senão através de uma arma nuclear», disse o general reformado Kevin Ryan à Responsible Statecraft no início deste ano.

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