No mundo da geologia e da atividade sísmica, os terremotos são fenômenos naturais, mas quando atingem áreas densamente povoadas, como o que ocorreu recentemente em Marrocos, tornam-se eventos de grande impacto humano e científico. O terremoto de magnitude 6,8 que abalou Marrocos na semana passada deixou uma marca profunda no país, sendo o mais mortal em mais de seis décadas. Com pelo menos 2.681 vidas perdidas e mais de 2.501 pessoas feridas, é fundamental compreender o que causou essa tragédia para evitar futuros desastres semelhantes.
Normalmente, os terremotos ocorrem onde as placas tectônicas da Terra se encontram e interagem. Em Marrocos, esses eventos são mais frequentes na região norte, próxima ao estreito de Gibraltar, onde as placas africana e euroasiática se chocam. No entanto, desta vez, o epicentro do terremoto estava localizado na província de al-Haouz, nas montanhas do Alto Atlas, cerca de 75 quilômetros a sudoeste de Marraquexe, surpreendendo muitos especialistas.
Entender o que causou o terremoto requer um olhar mais profundo para o funcionamento das placas tectônicas envolvidas. A teoria atual sugere que o terremoto foi resultado de uma falha inversa. Isso acontece quando a borda da rocha de uma placa desliza por baixo da borda da outra placa. No caso de Marrocos, as microplacas marroquinas e da Península Ibérica, que são parte da placa africana maior, estiveram envolvidas.
Segundo Paula Marques Figueiredo, uma geóloga especializada em tectônica ativa e neotectônica, as falhas tectônicas inversas estão localizadas ao norte das montanhas do Atlas, mergulhando em direção a elas em um ponto específico. Durante o terremoto, essas placas deslizaram uma sobre a outra, causando o movimento das montanhas para cima. Esse evento é uma consequência de tensões acumuladas ao longo do tempo entre as placas africana e euroasiática.
De acordo com o sismólogo Remy Bossu, é provável que ocorram tremores secundários nas semanas seguintes antes que a atividade sísmica retorne ao normal. “A taxa diminui com o tempo. Isso não significa que um terremoto secundário mais forte não possa ocorrer cinco ou dez dias depois. Não sabemos disso, mas a frequência diminui com o tempo”, afirma Bossu.
Mehdi Zare, professor do Instituto Internacional de Engenharia Sísmica e Sismologia com sede em Teerã, acrescenta que o movimento na crosta terrestre ocorre em diferentes níveis, alguns mais próximos da superfície e outros mais profundos. O deslizamento e dobramento resultante são conhecidos como “decollement”. Na área afetada pelo terremoto em Marrocos, existem descolamentos rasos nas camadas terciárias, bem como descolamentos mais profundos na crosta intermediária.
A profundidade do terremoto sugere que os descolamentos podem ter começado no nível mais profundo e avançado em direção à superfície. Isso ajuda a explicar a força e a extensão do terremoto que devastou a região.
O terremoto não apenas causou danos significativos à geologia da região, mas também teve um impacto devastador nas pessoas. Milhares de cidadãos ficaram desabrigados, muitos foram forçados a evacuar suas casas e o governo declarou três dias de luto nacional. A província de al-Haouz foi a mais afetada, mas outras áreas, incluindo Ouarzazate, Azilal, Chichaoua e Taroudant, também sofreram danos substanciais. Algumas aldeias remotas foram completamente destruídas, e as equipes de resgate enfrentam desafios para chegar até elas.
O terremoto em Marrocos foi raro em vários aspectos. Além de ser o mais mortal desde 1960, quando Agadir foi atingida por um terremoto de magnitude 5,8, ele também foi incomum em termos de localização. Não havia registros recentes de um terremoto de magnitude 6,8 ou superior num raio de 300 quilômetros do epicentro, de acordo com o Serviço Geológico dos EUA.
Paula Marques Figueiredo destaca que as montanhas são o resultado de movimentos de placas tectônicas ao longo de milhares de anos. Ela explica que a falha do Atlas Norte é um sistema complexo, com pelo menos 100 quilômetros de comprimento, que inclui várias falhas menores, algumas das quais podem não ter sido mapeadas. Devido ao intervalo de milhares de anos entre terremotos significativos, as pessoas que vivem na região podem não perceber que estão em uma área com alto risco de atividade sísmica.
Os terremotos são eventos naturais complexos, mas a ciência e a pesquisa em geologia nos ajudam a entender melhor por que eles ocorrem e como podemos nos preparar para enfrentá-los. O terremoto recente em Marrocos, embora raro e devastador, destaca a importância da vigilância e preparação para eventos sísmicos em regiões propensas. À medida que Marrocos se recupera dessa tragédia, as lições aprendidas serão essenciais para a segurança e a resiliência das comunidades no futuro.