Na decisão que anula as evidências do acordo de leniência da Odebrecht e alega que a detenção de Lula foi resultado de um plano concebido pelo lawfare conduzido pela Lava Jato, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal (STF), retoma a argumentação de Gilmar Mendes acerca do “complexo sistema de vigilância à moda soviética” instaurado por Sergio Moro e Deltan Dallagnol, bem como uma conversa na qual o ex-juiz reclama com o ex-procurador chefe da força-tarefa sobre uma reportagem veiculada pelo programa Fantástico, da TV Globo.
Essas informações sustentam a suposta trama por trás do “equívoco histórico do judiciário”, de acordo com Toffoli, que resultou na prisão de Lula, evento que teria desencadeado os eventos que levaram ao surgimento do “ovo da serpente” que catapultou Jair Bolsonaro (PL) ao poder em 2018.
A expressão “complexo sistema de vigilância à moda soviética” foi a forma irônica utilizada por Gilmar Mendes durante o julgamento que concluiu que Sergio Moro agiu com parcialidade ao condenar Lula. Nas trocas de mensagens entre os procuradores da Lava Jato no grupo “filhos de Januário,” captadas pelo hacker Walter Delgatti e apreendidas na Operação Spoofing, Moro era frequentemente apelidado de “russo.”
“O grupo [de WhatsApp “PF x Lula] era utilizado para combinar a conclusão de fases do procedimento inquisitorial e para o compartilhamento, em tempo real, de informações colhidas pela autoridade policial. O vínculo estreito entre os procuradores e os agentes da PF permitiu que a Lava Jato instalasse verdadeiro sistema soviético de monitoramento das estratégias utilizadas pela defesa do reclamante [Lula]”, declarou Mendes na ocasião.
Anteriormente, o ministro tinha mencionado a “conhecida República de Curitiba,” termo criado pela mídia de orientação liberal para referir-se à operação Lava Jato. “É isto que produziu, Ministro Fachin, a famosa República de Curitiba. É esse o legado jurídico. Isso envergonha os sistemas totalitários, não tiveram tanta criatividade: da União Soviética, da Alemanha Oriental”, afirmou.
No extenso documento de 135 páginas, Toffoli também faz referência a uma conversa mencionada por Mendes no mesmo julgamento que abordou a imparcialidade do ex-juiz. Nessa conversa, Moro expressa seu descontentamento a Dallagnol acerca de uma reportagem veiculada pelo programa Fantástico a respeito de Eduardo Hermelino, ex-vice-presidente da construtora Camargo Corrêa. Este indivíduo era um dos focos de um acordo de delação com a força-tarefa, e a reportagem sugeriu que ele não estaria cumprindo devidamente suas obrigações de serviço comunitário decorrentes do acordo celebrado com o Ministério Público Federal.
“Caro, este foi o terceiro fantástico sobre o descumprimento do acordo do Leite. A carta precatória deve estar retornando. Ontem constou que, pelo registro da tornozeleira, ele não foi prestar serviço mesmo. Se não for feito nada, haverá não só um problema de leitura da opinião pública em relação aos acordos em geral, mas, o que é mais grave, uma leitura de que há leniência por parte de outros colaboradores”, comentou Moro.
Depois de esclarecer a Moro, Dallagnol critica o “‘fator ‘suscetibilidade’ do STF e a extensão das limitações presentes lá”. “Mais um ponto, Ministros, desculpem cansá-los, mas é uma questão realmente relevante, relevante para essa análise, porque certamente teremos muitos desdobramentos, mas é preciso colocar isso com muita clareza, porque de novo digo: ou estamos diante de uma obra ficcional fantástica, que merece o nobel de literatura, ou estamos diante de um caso extravagante sobre o qual esse colunista do New York Times tem razão em dizer: é o maior escândalo judicial da humanidade”, afirmou Gilmar Mendes.
Na sua determinação, Dias Toffoli convocou a Advocacia-Geral da União (AGU) “para conduzir prontamente uma investigação visando à responsabilização civil pelos danos decorrentes da conduta ilegal praticada pela União e seus representantes”.
Em um comunicado, a AGU anunciou nesta quarta-feira (6) a formação de uma equipe especializada para investigar irregularidades cometidas por agentes públicos no contexto da Operação Lava Jato.
Essa equipe, criada pela AGU, terá a missão de examinar o comportamento de procuradores da República e membros do Poder Judiciário durante a fase de instrução e julgamento de casos no âmbito da então chamada “Operação Lava-Jato”.
Uma vez concluída a devida apuração, poderá ser exigido que os agentes públicos ressarçam a União por meio de uma ação de regresso, referente aos valores das indenizações pagas, sem prejuízo da avaliação de eventuais danos causados diretamente à União em decorrência das ações desses agentes.