O padre Júlio Lancellotti, referência na luta dos direitos humanos, compartilhou nas redes sociais neste domingo (27) um bilhete com ameaças e xingamentos contra ele. O papel foi deixado na entrada da Paróquia São Miguel Arcanjo, na zona leste da cidade de São Paulo, onde ele atua.
“O caso foi registrado como injúria e ameaça. O autor é conhecido da vítima denunciante e disse em depoimento que não pretendia fazer, efetivamente, mal a ela. O padre foi orientado quanto ao prazo de seis meses para representar criminalmente contra o autor“, informou a Secretaria de Segurança Pública (SSP).
Segundo o órgão, um idoso de 72 anos foi encaminhado ao 8º Distrito Policial (Brás) quando confessou ter escrito o texto. Ele não teve seu nome divulgado, mas as autoridades indicaram que o idoso frequenta a paróquia onde Julio trabalha.
Escrito à mão, o bilhete acusa Lancellotti de ser um “defensor dos direitos de bandidos”. “Padreco de merda, pensa que aqui é partido político; defensor dos direitos dos bandidos; petista vagabundo, usa o povo para te favorecer. Seu dia de reinado aqui vai acabar, pode esperar”, diz a mensagem.
O padre afirmou ao g1 que entrou em contato com o secretário-executivo da SSP, Osvaldo Nico Gonçalves, para informar sobre o caso. Antes da confissão, ele também entregou as imagens das câmeras de segurança da paróquia, que registaram o momento em que o suspeito deixou o bilhete na paróquia no final da tarde de sábado.
“Encontrei [o bilhete] logo cedo, colocaram com o portão fechado”, escreveu Lancellotti nas redes sociais.
O padre foi orientado pela SSP a representar criminalmente contra o idoso em um prazo de seis meses. Para a CNN, além de declarar que recebia ameaças com frequência, o pároco informou que iria registrar um boletim de ocorrência do episódio.
Há cinco anos atrás, em 2018, por exemplo, as entidades de direitos humanos abriram uma representação no Ministério Público após o padre receber ameaças de morte.
Em apoio e solidariedade ao padre, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e parlamentares publicaram mensagens à Lancellotti e incentivaram doações aos projetos que ele faz parte.
Lula considerou as ameaças contra o padre como “criminosas e inaceitáveis”, além de elogiar e reconhecer o trabalho ativista e social de Lancellotti.
“Minha solidariedade ao para Julio, que recebeu ameaças criminosas e inaceitáveis hoje cedo na porta da igreja, em São Paulo. Um fiel seguidor dos princípios de Jesus, Padre Júlio Lancellotti é uma referência no acolhimento e no cuidado de quem mais precisa, sobretudo das pessoas em situação de rua da capital”, escreveu o presidente da República.
“Toda minha solidariedade ao Padre Julio lancellotti, que mais uma vez recebe ameaças por sua força e coragem em ajudar a quem mais precisa. Os fascistas ameaçam porque temem aquilo que não compreender. Temem o amor e a solidariedade. Força @pejulio, conte comigo!”, declarou a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS).
“Toda nossa solidariedade e apoio irrestrito, @PeJulio! Vamos atrás dos responsáveis pelas ameaças e seguiremos construindo juntos soluções, humanizadas, para superar todo esse período de trevas, de fome, abandono e sobretudo de ódio!”, disse Erika Hilton, também deputada federal (PSOL-SP).
Além de atuar na paróquia São Miguel Arcanjo, Lancellotti também trabalha na Pastoral do Povo de Rua, uma entidade que auxilia e cuida de pessoas em situação de rua em São Paulo.
O padre é muito conhecido pelos seus feitos enquanto ativista a favor das pessoas em vulnerabilidade através das suas ações sociais, projetos e reivindicações para essa população, além de denunciar casos de violência policial. Ele está há mais de 40 anos na área de defesa dos direitos humanos na capital paulista.
Em agosto, ele se destacou na mídia devido à uma medida aprovada pelo Supremo Tribunal Federal: o ministro Alexandre de Moraes proibiu a remoção forçada de pessoas em situação de rua, bem como seus bens e objetos pessoais. Essa questão era uma luta antiga do padre Julio.
Também neste mês o pároco se envolveu um atrito com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), após uma sugestão do político de internar moradores de rua em escolas rurais. Com a repercussão negativa iniciada por Lancellotti, o estado de SP revogou a medida.
No final de 2022, o padre Julio Lancellotti foi homenageado por meio de uma medida legislativa: a Lei 14.489 foi batizada de lei padre Julio Lancellotti, que proíbe a arquitetura hostil, um modelo urbano que tem o objetivo de afastar as pessoas em situação de rua e invisibilizar a existência delas nas vias públicas.