Nem todos os militares, mas sempre a cúpula militar

O presidente Bolsonaro e os militares (Foto: Marcos Corrêa/PR)

Depois de um caminhão de evidências colocar os miliares ainda mais no centro da sequência de delitos e crimes envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro, essa semana tivemos uma verdadeira operação abafa.

De peregrinações do Ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, até conversas entre militares e parlamentares, teve de tudo.

O discurso que foi reproduzido à exaustão na imprensa é de que não se pode responsabilizar a instituição inteira por conta de “alguns” militares e que existiria uma “banda podre” nas forças armadas, algo à parte do resto da instituição. Uma sandice que infelizmente engana boa parte da população que não acompanha o assunto de perto.

São militares envolvidos num escândalo de tráfico de joias e outros tantos em conspirações para solapar o nosso já combalido Estado Democrático de Direito no Brasil. A começar pelo fato de que foi o Alto Comando das forças armadas que permitiu que comandantes militares de quartéis em todo o país oferecessem apoio logístico e material aos acampamentos golpistas.

No caso mais recente, mais um militar que estava na segurança presidencial foi flagrado participando de grupos criminosos que defendiam o golpe de Estado no país e foi exonerado do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), onde ele foi parar? Foi nomeado para servir no gabinete do comandante do Exército, o general Tomás Paiva, aquele que, insisto sempre em frisar, já foi flagrado mais e uma vez falando sobre política dentro dos quartéis. A nomeação publicada no Diário Oficial da União foi assinada por Paiva.

O próprio jornal Estadão deste domingo revelou uma verdadeira farra de uso dos voos da Força Aérea Brasileira (FAB), comandantes militares estariam usando os voos em benefício das próprias esposas.

Sem falar das frequentes notas de generais que anonimamente ameaçam a República e o sistema de justiça sempre que os comportamentos delinquentes de seus membros tomam conta dos noticiários.

Lembro também da revelação feita pela jornalista Miriam Leitão que conversou com o presidente do Superior Tribunal Militar (STM), o tenente-brigadeiro Francisco Joseli Camelo, que afirmou que as teses golpistas de Jair Bolsonaro eram sim discutidas na cúpula das forças armadas e segundo ela, o militar afirmou que o alto-comando não apoiou integralmente, ou seja, houve sim um endosso por parte da cúpula.

Sobre Joseli Parente, um fato interessante: esta semana ele esteve no gabinete da deputada Duda Salabert, na tarde da última quarta-feira (23), pedindo para que um requerimento da parlamentar feito à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre o 8 de janeiro fosse retirado

A deputada pediu que o tenente-brigadeiro fosse convocado para uma oitiva na CPMI. O simples pedido à deputada é grave e inadmissível na democracia. Mas aqui no Brasil, onde nossos militares são tratados à pão-de-ló, tudo é possível.

É mais importante ainda lembrar que o alto-comando de 2022, praticamente o mesmo de hoje, chancelou e permitiu que os comandantes das três forças assinassem a delinquente nota conjunta de novembro, onde as forças armadas conferiam legitimidade aos acampamentos que pediam golpe no país, um crime previsto no código penal.

Foi a única nota, cheia de trechos dúbios, que tratou sobre o caso. Não foi redigida nenhuma outra nota rechaçando o movimento, mesmo após o 8 de janeiro. Também não tivemos qualquer nota das três forças rechaçando teses golpistas, repudiando o golpismo e empoderando a democracia. Pelo contrário, até hoje temos uma infindável galeria de notas anônimas de generais na imprensa, sempre cheias de ameaças e acintes contra a República. Vale ressaltar que quando a cúpula militar decide rechaçar algum golpismo, faz isso de forma anônima em algum veículo de imprensa, quase como se tivesse vergonha de defender a legalidade e a democracia.

Como também já registrei nesta coluna, ao protestarem contra um projeto do Ministério da Defesa em conjunto com o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) que afasta militares da política, até mesmo militares graduados (aqueles que não fazem parte do oficialato) acusaram os oficiais das forças armadas de terem envolvimento direto na promoção do golpismo do Brasil.

Saindo da seara do golpismo e indo para a dos trambiques e joias, temos general de 4 estrelas que já foi membro do alto comando, temos aviões da FAB e temos todo tipo de militar envolvido nas mais diversas transações suspeitas, segundo relatórios de inteligência financeira do COAF, alguns deles publicados com exclusividade pela coluna.

Querer dizer que não se pode responsabilizar a instituição é um exercício de má fé ou inocência (geralmente é o primeiro). O que o Brasil menos menos faz é responsabilizar as suas instituições. A diferença aqui é que nenhuma delas tem fuzil, tanque de guerra ou um longo histórico de execuções sumárias, torturas e todo tipo de violação dos direitos humanos contra os civis, apenas as forças armadas porém essa ficha corrida.

Uma organização armada, sem controle do Estado brasileiro e principalmente da sociedade civil e da Constituição vigente, é nada além de uma milícia.

Até aqui, todas as frentes de apuração da Polícia Federal sobre os crimes cometidos em série entre 2019 e 2022 possuem a participação de algum militar, seja por omissão, seja por ação. As mais de 400 mil mortes de brasileiros asfixiados pela covid-19 possuem em seus atestados de óbito as assinaturas de um capitão e de um general, ambos do Exército Brasileiro.

Mauro Cid, tenente-coronel, centro de tramas que vão de tráfico internacional de joias até golpe, foi por duas vezes prestar depoimentos em casas legislativas do poder civil, totalmente fardado, com beneplácito e conivência de seus comandantes. Cid que até ontem era cotado para comandar um batalhão.

E qual foi a solução encontrada pelo comandante das forças armadas para resolver essa situação toda? Mais recursos públicos e benesses aos militares, oras!

Recentemente, o general Tomás Paiva emitiu uma ordem para afastar possíveis divisões internas e combater as críticas e ataques à Força Terrestre. A estratégia passa pela criação de uma associação nacional de Amigos do Exército, com presença em todo país. Algo que não é nada além da formalização de um partido sem legenda, com flagrante atuação política (notem que isso foi instituído pelo general que diz combater a política na caserna).

O plano do comando ainda defende a luta por ainda mais benefícios para militares e seus familiares, a fim de passar a mensagem ao público interno de que a atual gestão da instituição está comprometida com os interesses do Exército. Mesmo que o Novo PAC destine R$ 52,8 bilhões para militares. Um escárnio absoluto.

Para finalizar, coloco aqui o parágrafo final de outro artigo que escrevi recentemente, também sobre os militares:

“Faz de conta que Bolsonaro não é produto da cúpula das forças armadas, que os culpados e patrocinadores do 8 de janeiro não usavam farda, que um general da ativa não foi responsável direto pela morte de mais de 400 mil brasileiros, o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito.

São tantas e tão deslavadas as mentiras que já não se pode cogitar somente de uma crise de valores, senão de um fosso moral e ético que parece dividir o país em dois segmentos estanques: a cúpula das forças armadas e o da grande sociedade civil que, apesar do mau exemplo e das seguidas ameaças fardadas, esforça-se para sobreviver e progredir”.

Fica a pergunta: se separarmos o golpismo, a insaciedade por recursos públicos e as contravenções das forças armadas, o que sobra?

Cleber Lourenço: Defensor intransigente da política, do Estado Democrático de Direito e Constituição. | Colunista n'O Cafézinho com passagens pelo Congresso em Foco, Brasil de Fato e Revista Fórum | Nas redes: @ocolunista_
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