Lula critica “mentalidade obsoleta da Guerra Fria e da competição geopolítica”

Xi Jinping, Lula e Cyril Ramaphosa. Flickr da página oficial do Brics 2023

Em discurso no BRICS, Lula defende solução para guerra na Ucrânia e cobra modernização de instituições multilaterais

Para o presidente, bloco tem condições de propor novos parâmetros de financiamento e fomento com bases sustentáveis para reduzir desigualdades e auxiliar nações em desenvolvimento

Agência Brasil — O presidente Lula discursa diante de líderes dos países do BRICS (além de Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e de convidados na plenária ampliada em Joanesburgo. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Opresidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a defender uma solução de paz para o conflito entre Rússia e Ucrânia, ressaltou a importância da atuação dos demais países na busca dessa articulação e indicou potenciais caminhos para uma nova abordagem nas relações multilaterais. Lula se manifestou em discurso na cúpula ampliada do BRICS, na manhã desta quarta-feira, 23/8, em Joanesburgo, na África do Sul.

Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Tampouco podemos ficar indiferentes às mortes e à destruição que aumentam a cada dia. Estamos prontos a nos juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um pronto cessar-fogo e uma paz justa e duradoura. Todos sofrem as consequências da guerra. As populações mais vulneráveis nos países em desenvolvimento são atingidas desproporcionalmente”

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da República
» Íntegra do discurso do presidente Lula

“Não podemos nos furtar a tratar o principal conflito da atualidade, que ocorre na Ucrânia e tem efeitos globais. O Brasil tem uma posição histórica de defesa da soberania, da integridade territorial e de todos os propósitos e princípios das Nações Unidas. Achamos positivo que um número crescente de países, entre eles os países do BRICS, também esteja engajado em contatos diretos com Moscou e Kiev”, afirmou.

Para o presidente, o caminho para a paz ainda é longo, mas precisa ser trilhado. Em sua visão, não são apenas as populações dos dois países que sofrem as consequências do conflito, mas de forma indireta as de outras regiões, especialmente países em desenvolvimento, que lidam com problemas na distribuição global de alimentos.

“Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz. Tampouco podemos ficar indiferentes às mortes e à destruição que aumentam a cada dia. Estamos prontos a nos juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um pronto cessar-fogo e uma paz justa e duradoura. Todos sofrem as consequências da guerra. As populações mais vulneráveis nos países em desenvolvimento são atingidas desproporcionalmente”.

LIMITAÇÕES – Em seguida, o presidente abordou as falhas das instituições globais evidenciadas não só pela guerra na Ucrânia, mas por invasões contra vários países ao longo das últimas décadas, à revelia do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

“A guerra na Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança. Os países do BRICS devem atuar como força pelo entendimento e pela cooperação. Nossa disposição está expressa nas contribuições da China, da África do Sul e de meu próprio país para os esforços de solução do conflito na Ucrânia. Muitos outros conflitos e crises não recebem atenção devida mesmo causando vasto sofrimento para as suas populações. Haitianos, iemenitas, sírios, líbios, sudaneses e palestinos, todos merecem viver em paz”, ressaltou.

DESIGUALDADE – O foco em conflitos militares, segundo Lula, é um dos fatores que resulta na ampliação da desigualdade no mundo. Para ele, é inaceitável que gastos militares globais em um único ano ultrapassem 2 trilhões de dólares, enquanto a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) indica que 735 milhões de pessoas passam fome todos os dias no mundo.

Para o presidente, a questão se reflete também em outras agendas, como as do desenvolvimento sustentável, do financiamento aos países em desenvolvimento e o enfrentamento das mudanças climáticas.

“Vemos o maior aumento da desigualdade entre os países em três décadas. Em 30% das metas da Agenda 2030, estagnamos ou andamos para trás. É muito difícil combater a mudança do clima enquanto tantos países em desenvolvimento ainda lidam com a fome, a pobreza e outras violências”, completou Lula.

CAMINHOS – Além do diagnóstico, o líder brasileiro apontou caminhos. Ressaltou que o Brasil está recuperando o protagonismo na agenda ambiental. Citou a Cúpula da Amazônia, realizada no início do mês, como marco para que países em desenvolvimento com florestas tropicais atuem em conjunto nas conferências internacionais do clima biodiversidade.

Lula enfatizou que o desenvolvimento sustentável e a descarbonização das economias são meios para combater as mudanças climáticas, mas entende que essa trilha deve levar em consideração o bem-estar das populações, com empregos dignos. E cobrou dos países ricos o cumprimento de promessas de investimento e financiamento.

“Precisamos de um sistema financeiro internacional que, ao invés de alimentar as desigualdades, ajude os países de baixa e média renda a implementarem mudanças estruturais”, afirmou.

Para o presidente, o Novo Banco de Desenvolvimento (NDB) do BRICS é uma das peças fundamentais para oferecer alternativas de financiamento adequadas às necessidades do Sul Global. E voltou a citar a possibilidade de criação de uma moeda específica para transações comerciais e de investimento entre membros do bloco.

“Aumenta nossas opções de pagamento e reduz nossas vulnerabilidades”, disse, enfatizando que o grande interesse de outras nações em integrar o bloco é retrato da consolidação do BRICS no cenário internacional.

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