Discurso do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão plenária aberta da XV Cúpula do BRICS
Íntegra do discurso lido pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão plenária aberta da XV Cúpula do BRICS, em Joanesburgo, na África do Sul, em 23 de agosto de 2023
Publicado em 23/08/2023 07h46 Atualizado em 23/08/2023 15h11
É uma alegria retornar a Joanesburgo, cidade que foi palco importante das lutas contra o Apartheid e que segue como inspiração para o combate a todas as formas de discriminação e desigualdade.
Na última vez que participei desta Cúpula, em 2010, tive a honra de recepcionar, em Brasília, os chefes de Estado e de Governo de Rússia, Índia e China, além da África do Sul como convidada.
Apenas um ano depois, confirmamos o ingresso da África do Sul na primeira expansão de nosso agrupamento.
Sua inclusão fez com que passássemos a refletir melhor a nova configuração de poder mundial. Saímos fortalecidos.
Hoje, representamos 41% da população e somos responsáveis por 31% do PIB global em paridade do poder de compra.
Mas enfrentamos um cenário mais complexo do que quando nos reunimos pela primeira vez.
Em poucos anos, retrocedemos de uma conjuntura de multipolaridade benigna para uma que retoma a mentalidade obsoleta da Guerra Fria e da competição geopolítica.
Essa é uma insensatez que gera grandes incertezas e corrói o multilateralismo.
Sabemos bem onde esse caminho pode nos levar.
O mundo precisa compreender que os riscos envolvidos são inaceitáveis para a humanidade.
Não podemos nos furtar a tratar o principal conflito da atualidade, que ocorre na Ucrânia e tem efeitos globais.
O Brasil tem uma posição histórica de defesa da soberania, da integridade territorial e de todos os propósitos e princípios das Nações Unidas.
Achamos positivo que um número crescente de países, entre eles os países do BRICS, também esteja engajado em contatos diretos com Moscou e Kiev.
Não subestimamos as dificuldades para alcançar a paz.
Tampouco podemos ficar indiferentes às mortes e à destruição que aumentam a cada dia.
Estamos prontos a nos juntar a um esforço que possa efetivamente contribuir para um pronto cessar-fogo e uma paz justa e duradoura.
Todos sofrem as consequências da guerra. As populações mais vulneráveis nos países em desenvolvimento são atingidas desproporcionalmente.
A guerra na Ucrânia evidencia as limitações do Conselho de Segurança.
Os BRICS devem atuar como uma força pelo entendimento e pela cooperação. Nossa disposição está expressa nas contribuições da China, da África do Sul e de meu próprio país para os esforços de solução do conflito na Ucrânia.
Muitos outros conflitos e crises não recebem atenção devida mesmo causando vasto sofrimento para as suas populações.
Haitianos, iemenitas, sírios, líbios, sudaneses e palestinos todos merecem viver em paz.
É inaceitável que os gastos militares globais em um único ano ultrapassem 2 trilhões de dólares, enquanto a FAO nos diz que 735 milhões de pessoas passam fome todos os dias no mundo.
A busca pela paz é um dever coletivo e um imperativo para o desenvolvimento justo e sustentável.
Em muitos lugares, enquanto os homens fazem a guerra, são as mulheres que lutam pela conciliação. A valorização e o fortalecimento do papel das mulheres na resolução dos conflitos será cada vez mais central para um mundo de paz.
Mais do que isso, o empoderamento das mulheres é pré-condição para o pleno desenvolvimento econômico e social.
Parafraseando Thomas Sankara, grande líder pan-africano: não podemos almejar uma sociedade em que metade da população é silenciada pelo machismo e pela discriminação na participação política e no mundo do trabalho.
Caros colegas,
O esfacelamento da governança global também está patente nas agendas do desenvolvimento, do financiamento e do enfrentamento à mudança do clima.
Ao retornar à presidência do Brasil, me entristece constatar que a implementação da Agenda 2030 está em risco em todo o mundo.
Relatório recente da ONU indica fortes retrocessos.
Vemos o maior aumento da desigualdade entre os países em três décadas. Em 30% das metas, estagnamos ou andamos para trás.
É muito difícil combater a mudança do clima enquanto tantos países em desenvolvimento ainda lidam com a fome, a pobreza e outras violências.
O princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, mantém sua atualidade.
Os grandes responsáveis pelas emissões de carbono que causaram a crise climática foram aqueles que fizeram a Revolução Industrial e alimentaram um extrativismo colonial predatório.
Eles têm uma dívida histórica com o planeta Terra e com a humanidade.
Precisamos valorizar o Acordo de Paris e a Convenção do Clima, em vez de terceirizar as responsabilidades climáticas para o Sul Global.
O Brasil está recuperando seu protagonismo na agenda ambiental.
A coordenação com os demais países em desenvolvimento com florestas tropicais para atuação nas COPs do Clima e da Biodiversidade será vital para dar peso aos nossos interesses.
A Cúpula da Amazônia, realizada dias 8 e 9 de agosto, é um marco para a necessária construção de um modelo de desenvolvimento sustentável mais justo.
Nossos recursos não devem ser explorados em benefício de poucos, mas valorizados e colocados a serviço de todos, sobretudo do bem-estar das populações locais.
Mas para que as promessas já feitas pelos países ricos sejam cumpridas, o financiamento climático e de biodiversidade deve ser verdadeiramente novo e adicional em relação ao financiamento ao desenvolvimento.
Precisamos de um sistema financeiro internacional que, ao invés de alimentar as desigualdades, ajude os países de baixa e média renda a implementarem mudanças estruturais.
Isso só ocorrerá com representatividade adequada nas instituições de Bretton Woods e seus fundos climáticos.
O endividamento externo restringe o desenvolvimento sustentável. É inadmissível que os países em desenvolvimento sejam penalizados com juros até oito vezes mais altos do que os cobrados dos países ricos.
É preciso aumentar a liquidez, ampliar o financiamento concessional e pôr fim às condicionalidades.
O sistema multilateral de comércio deve ser reavivado para voltar a atuar como ferramenta para um comércio justo, previsível, equitativo e não discriminatório.
Ninguém mais se recorda da Rodada do Desenvolvimento da OMC.
A descarbonização de nossas economias deve vir acompanhada pela geração de empregos dignos, de industrialização e infraestruturas verdes, e serviços públicos para todos.
Por meio do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), podemos oferecer alternativas próprias de financiamento, adequadas às necessidades do Sul Global.
Tenho certeza de que, sob a liderança de minha companheira Dilma Rousseff, o Banco estará à altura desses desafios.
A criação de uma moeda para as transações comerciais e de investimento entre os membros do BRICS aumentam nossas opções de pagamento e reduzem nossas vulnerabilidades.
Senhores presidentes,
Hoje o BRICS está plenamente consolidado como marca e ativo político de valor estratégico.
A participação de dezenas de chefes de Estado e de Governo na sessão ampliada de amanhã representará um feito histórico.
O interesse de vários países de aderir ao agrupamento é reconhecimento de sua relevância crescente.
Também teremos no G20 uma troika só com membros do BRICS, no período 2023 a 2025.
Trata-se de mais uma oportunidade para avançar as preocupações do Sul Global com as desigualdades e com o desenvolvimento sustentável.
Que o ímpeto que motivou a criação do BRICS, há 15 anos, continue a nos inspirar na construção de uma ordem multipolar, justa e inclusiva.
Muito obrigado.
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