Desde o golpe no Níger, as redes sociais foram inundadas com rumores falsos, vídeos enganosos e clipes de áudio manipulados
Al Jazeera — Desde o golpe de 26 de julho, o Níger se tornou o mais recente foco de desinformação na problemática região do Sahel, enquanto as potências da África Ocidental tentam formular uma resposta à crise política.
Desde rumores falsos e vídeos enganosos até clipes de áudio manipulados, mais de uma dúzia de afirmações nas redes sociais apoiando ou desacreditando os líderes do golpe, depois que derrubaram o presidente Mohamed Bazoum, foram desmascaradas.
Logo após sua remoção, surgiram online filmagens amadoras de uma grande marcha alegando mostrar uma manifestação pró-Bazoum na capital do Níger, Niamey, em 6 de agosto. Na realidade, o vídeo foi filmado no dia da destituição do presidente.
Outro vídeo viral supostamente mostrava o ministro das Finanças deposto do Níger chorando após os líderes do golpe lhe darem um ultimato para prestar contas sobre fundos desaparecidos ou enfrentar a morte.
No entanto, a Agence France Presse descobriu que o vídeo era de 2021 e, na verdade, mostrava o ex-Ministro da Justiça do Níger, Marou Amadou, expressando sua gratidão ao ex-Presidente Mahamadou Issoufou.
Notícias enganosas sobre interferência estrangeira na crise estão aumentando com a incerteza sobre a possibilidade da Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) usar força militar para reverter o golpe.
O bloco regional, presidido pelo presidente nigeriano Bola Tinubu, foi rápido em condenar a remoção de Bazoum e impor sanções a Niamey dias após a tomada de poder, com a Nigéria – principal fornecedora de eletricidade do Níger – cortando os fornecimentos.
Também houve afirmações falsas sobre jatos de combate franceses pousando no Senegal para apoiar uma possível intervenção da CEDEAO, ou sobre combatentes do grupo mercenário russo Wagner e tropas burquinenses chegando ao Níger para apoiar os novos líderes.
O golpe fez com que o Níger, sem saída para o mar, se juntasse aos vizinhos Mali e Burkina Faso, tornando-se o terceiro país do Sahel a sofrer um golpe em tantos anos.
Como em outras partes da região, o sentimento anti-francês tem aumentado no Níger. Seus novos líderes militares têm o apoio das ex-colônias francesas Mali e Burkina Faso, que viraram as costas para Paris em favor de laços mais próximos com Moscou.
Em maio, Bazoum disse ao jornal britânico The Independent que Wagner patrocinava “campanhas de desinformação contra nós”.
Alguns analistas, no entanto, disseram que havia poucos sinais de ofensivas organizadas em larga escala visando espalhar conteúdo falso, como visto em outras nações africanas.
Desinformação sobre o pós-golpe no Níger não parecia “particularmente bem coordenada ou centralmente gerenciada”, disse Ikemesit Effiong, analista da consultoria geopolítica SBM Intelligence na Nigéria.
Mesmo assim, apoiadores do golpe “ampliaram em grande medida a ameaça de conflito com a CEDEAO, particularmente a Nigéria e a França, para mobilizar apoio online e no terreno” em uma região onde “visões anti-imperialistas e anti-ocidentais são populares e de fácil venda”, afirmou Effiong.
Especialistas disseram à AFP que a propagação de desinformação visando o Níger espelha um padrão já observado em outros lugares do continente: geralmente se origina em plataformas criptografadas como Telegram e WhatsApp antes de ser compartilhada em outros aplicativos de mídia social.
Além disso, várias contas anti-francesas e pró-russas que postam propaganda sobre Mali e Burkina Faso também promoveram afirmações falsas sobre o Níger.
Um desses atores é o Grupo Pan-Africano para Comércio e Investimento (GPCI), uma empresa de mídia fundada pelo empresário pró-russo Harouna Douamba, originário de Burkina Faso.
O GPCI está no centro de uma vasta rede de sites e páginas do Facebook empurrando desinformação para aumentar ainda mais as tensões, segundo o consórcio investigativo All Eyes on Wagner.
Por exemplo, a AFP descobriu que uma de suas contas alegou recentemente que a França estava preparando uma “conspiração para desestabilizar” o Níger e armar “terroristas”.
O GPCI também postou avisos
sobre uma iminente intervenção militar em “sites suspeitos envolvidos na propagação de desinformação” em Chade e Nigéria, por exemplo, de acordo com um analista francês que administra a conhecida conta Casus Belli no X (anteriormente Twitter), que monitora conteúdo suspeito na África.
O analista, que falou à AFP sob condição de anonimato por razões de segurança, disse que o canal de televisão pan-africanista Afrique Media também estava envolvido na campanha de desinformação.
A emissora, com sede nos Camarões, fez parceria com a estatal Russia Today e regularmente reporta sobre operações de Wagner na África.
Em 9 de agosto, o canal compartilhou um vídeo alegando mostrar Bazoum relaxado depois de supostamente assinar uma carta de renúncia.
No entanto, o líder deposto tem sido mantido prisioneiro em sua casa desde 26 de julho, com o Secretário-Geral das Nações Unidas, Antonio Guterres, denunciando “as deploráveis condições de vida que o presidente Bazoum e sua família estão supostamente vivendo”.
A atual onda de desinformação é tanto obra de atores locais quanto de influências estrangeiras, disse Maixent Some, analista financeiro burquinense que rastreia desinformação ligada à África nas redes sociais.
“Havia um sentimento anti-francês muito antes da chegada da Rússia” e Moscou conseguiu capitalizar esse sentimento, disse ele à AFP.
Enquanto isso, alguns analistas disseram que ativistas pan-africanos estão usando sua aliança com a Rússia para promover “agendas pessoais”, incluindo ambições políticas.