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O sobe-desce dos assassinatos no Rio de Janeiro, todo mundo sabe a razão

Por Jacqueline Muniz, antropóloga e cientista política. Professora do bacharelado de Segurança Pública da UFF. Gestora de Segurança Pública Porque o RJ teve uma alta de 17,3% de assassinatos no 1º semestre de 2023 comparado com o 1º semestre de 2022, conforme informa o Monitor da Violência? O sobe-desce dos assassinatos no Rio tem uma […]

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EPA/MARCELO SAYAO

Por Jacqueline Muniz, antropóloga e cientista política. Professora do bacharelado de Segurança Pública da UFF. Gestora de Segurança Pública

Porque o RJ teve uma alta de 17,3% de assassinatos no 1º semestre de 2023 comparado com o 1º semestre de 2022, conforme informa o Monitor da Violência? O sobe-desce dos assassinatos no Rio tem uma explicação que não é de agora e que todo mundo sabe.

Entra e sai governo e se mantém a lucrativa e eleitoreira política do confronto que teatraliza a guerra contra as drogas para promover a paz de cemitério e negociar a paz da propina com o crime organizado que se diz combater.

O esquema político-criminoso é manipular a demanda por lei e ordem da população e o senso de missão dos policiais para melhor fazer o teatro do confronto no meio do público e poder renegociar, no escuro dos bastidores, o arrendamento das comunidades para o tráfico e a milícia explorarem juntos ou disputarem à bala os seus lucrativos mercados ilegais.

Como os acordos com agentes corruptos e as alianças criminosas são instáveis, o ajuste de contas para aumentar os lucros é feito com a trocação de tiros entre a polícia e a bandidagem e da bandidagem com ela mesma que precisa ser frequente para poder funcionar e atingir seus objetivos. Nas disputas armadas, as moedas de troca são as mortes produzidas que, periodicamente, permitem uma reorganização das facções, um rearranjo de seus domínios territoriais, uma reacomodação do esquema das propinas.

A produção cíclica de mortes, mais mortos hoje, menos mortos amanhã, tem uma enorme serventia na manutenção do “esquema” político-criminoso. Por isso, a corrupção disseminada caminha de mãos dadas com a alta letalidade policial. Mata-se para tirar um traficante rival, mata-se para colocar um traficante ou miliciano aliado de ocasião que seja mais afinado com a política do confronto que tem feito a felicidade do crime organizado e de políticos eleitos com apoio do crime.

O sobe-desce dos homicídios no Rio é resultado dos consórcios políticos-criminosos com lastro estatal. O Estado funciona como uma agência reguladora do crime para o bem ou para o mal. É sempre o Estado que dita as regras do enfrentamento ao crime organizado, que define o que vale e não vale nos confrontos, que determina os termos da troca de tiro, do cessar fogo e da rendição do criminoso. Nenhuma bandidagem tem este poder, só o Estado através das polícias.

É o Estado que dita as regras do matar ou do deixar morrer, fazendo a gestão da matança no atacado e no varejo que, na prática, ajuda a fortalecer e expandir o crime, jogando a população no meio do fogo cruzado e corroendo as polícias por dentro.

A política do confronto banaliza as operações policiais, sabotando o trabalho policial sério de combate ao crime e os seus esforços de redução das mortes violentas. A política do confronto faz as polícias enxugarem gelo, porque quanto mais se rotiniza as operações policiais mais as polícias vão se tornando incapazes de policiar. Afinal, todos os seus recursos vão sendo constantemente empenhados em operações feitas por qualquer grupo de policiais ou por qualquer unidade policial, para cumprir qualquer missão de conveniência e de ocasião que produza qualquer visibilidade midiática que promova a política do governante e os políticos da polícia nas redes sociais.

A banalização das operações é um buraco sem fundo que esgota os recursos policiais.

Ela 1) produz escassez da própria capacidade repressiva das polícias que se tornam incapazes de manter os resultados repressivos que elas mesmas produziram; 2) impede que as polícias permaneçam nos territórios fazendo o policiamento diuturno; 3) compromete a pronta-resposta emergencial à população; 4) exaure a cobertura ostensiva, esvaziando o policiamento das ruas; e, ainda, 5) satura a capacidade investigativa e de perícia na elucidação dos assassinatos por conta do volume mortes produzidas nas operações que vão se acumulando no tempo. Isto gera um círculo vicioso de salvos-condutos políticos, imunidades criminosas que barateiam as mortes e criam a expectativa social de produção de mais mortes futuras, reafirmando a insegurança pública como um projeto de poder.

Se as operações viram o único repertório disponível de intervenção policial nas periferias é porque o crime passou a governar territórios e populações no lugar do Estado com sua autorização explícita ou velada. É porque o arroz com feijão do policiamento, que garante a segurança pública no dia a dia, prolongando os efeitos policiais repressivos no tempo, passou a ser feito pelo crime organizado como se vê nas cancelas das milícias e nas barricadas do tráfico. É quando, então, a população fica no meio da polícia de operações e do crime ostentação.

Um ato político tem sido constante na vida dos moradores do Rio. Entra e sai governador e é mantida a lógica perversa de explorar, com a política do confronto, o medo real que a população tem do crime organizado, da atuação policial desgovernada, dos tiroteios entre polícia, tráfico e milícia que param a vida nas periferias e distribui bala achada para todo lado: dentro de casa, na escola, no posto de saúde, na quadra, na rua em qualquer lugar.

Ainda dá tempo de romper com a política da matança que tem somado só derrotas para a população e para a polícia, e acumulado vitórias para o crime organizado, para as panelas policiais corporativistas e para o bolso de políticos e agentes estatais corruptos que mantém seus negócios com o crime. Até agora, tem dado muito trabalho, muita perda, muita dor ao morador das periferias permanecer vivo no Rio de Janeiro.

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