Por Rafael Narbona, em seu twitter (@Rafael_Narbona)
Tudo indica que a esquerda governará nos próximos quatro anos. Seria útil refletir e buscar as razões que explicam a virada de diferentes facções da direita para posições radicais e demagógicas. Na Espanha, o problema não é o VOX, mas o PP, que com Ayuso à frente abraçou o trumpismo. Não é um fenômeno extraordinário, já que o PP nunca se desvencilhou do lastro ideológico do franquismo. No entanto, desde o surgimento do VOX, uma cisão do PP, a direita perdeu a timidez e agora expressa abertamente seu desprezo pela justiça social, liberdade de expressão, diversidade, igualdade e solidariedade. Até adotou uma posição revisionista, tentando maquiar o franquismo.
Durante os anos oitenta, a social-democracia abandonou seus postulados clássicos e assumiu receitas neoliberais. Sob o governo de Felipe González, foram promovidas a privatização de pequenas e médias empresas, bem como privatizações parciais de empresas como Endesa, Repsol, Argentaria e Telefónica. Políticas monetaristas foram aplicadas para combater a inflação, empregos foram precarizados e uma brutal reconversão industrial foi realizada. Todas essas medidas desiludiram o eleitorado de esquerda e desacreditaram o PSOE, exacerbado por casos de corrupção e a guerra suja contra a ETA. Muitos eleitores concluíram que PSOE e PP eram intercambiáveis e que as diferenças eram apenas em questões menores, como o casamento homossexual.
Durante a Grande Recessão de 2008, o movimento 15-M disseminou a ideia de que o PP e o PSOE “eram a mesma coisa”. Podemos renovou a esquerda e trouxe um ar fresco, mas seu discurso resgatou alguns dos velhos mantras de Maio de 68, causando confusão. Lemas revolucionários foram ouvidos novamente e, mais tarde, as teses da esquerda “woke” foram adotadas. Exageros da linguagem inclusiva, cultura do cancelamento e desconstrução das identidades sexuais encontraram resistência em grande parte do eleitorado de esquerda. O movimento feminista se dividiu e a aliança com forças independentistas alimentou um absurdo anti-espanholismo, ferindo muitos sentimentos.
Se o PSOE, SUMAR e os independentistas voltarem a governar, não será suficiente continuar com as políticas sociais. Além disso, será necessário elaborar um discurso alternativo à demagogia da direita, capaz de mobilizar muitas pessoas alertando que a Espanha está se rompendo ou que o comunismo está chegando. A esquerda deve se distanciar do “wokismo” e demonstrar sentido de Estado. A unidade da Espanha não é sagrada, mas desmantelar um Estado só traz desgraças. A fragmentação da Espanha causaria um desastre político, social e econômico. Os partidos nacionalistas deveriam adotar uma estratégia mais responsável. Defender a língua, pluralidade e cultura não é incompatível com fórmulas que preservem a integridade do Estado. Dada a insatisfação com o modelo territorial atual, seria razoável avançar para uma nova forma de Estado, como uma República Federal.
Se a esquerda e os partidos nacionalistas não trabalharem juntos para criar um discurso que una todas as forças progressistas, a Espanha pode seguir o caminho de Itália, Hungria, Polônia, Suécia ou Finlândia no futuro próximo. Não está em jogo uma mudança de governo, mas a sobrevivência da democracia.
* Escritor e crítico literário. Professor aposentado de Filosofia. Autor de seis livros. Colabora com
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