O advogado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Frederick Wassef, também envolvido no escândalo das joias que veio a tona na última semana, admitiu nesta terça-feira (15) ter viajado aos Estados Unidos e comprado um relógio Rolex neste ano, alegando ser um “presente ao governo brasileiro”.
Wassef, porém, afirmou que não fez parte de uma “operação de resgate” do item a mando do ex-assessor de Bolsonaro. As declarações foram feitas em entrevista coletiva em São Paulo para esclarecer sua versão dos fatos. Segundo ele, o motivo pelo qual ele quis se posicionar ao vivo foi para evitar “cortes da edição”.
As autoridades sauditas presentearam Jair Bolsonaro em 2019, durante uma viagem oficial do então presidente à Arábia Saudita e ao Catar com o relógio de luxo da marca Rolex. Conforme indicam as investigações da Polícia Federal (PF), o item foi levado para os Estados Unidos e vendido ilegalmente pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid em junho de 2022.
A legislação brasileira indica que a venda de presentes recebidos pelo presidente da República é proibida, uma vez que os itens devem ser incorporados ao patrimônio do Estado e não podem ser vendidos ou apropriados ao patrimônio pessoal.
Além do Rolex, Bolsonaro, também em 2019, ganhou de presente do governo saudita um kit de joias suíças da marca Chopard, em ouro branco. Quase quatro anos depois, em 15 de março deste ano, um dia após a viagem de Wassef, o Tribunal de Contas da União determinou cinco dias úteis para que o ex-presidente entregasse ao tribunal os itens. Estes, por sua vez, realmente foram devolvidos.
Nesta terça, Wassef afirmou que a viagem aos EUA já estava marcada para “fins pessoais” antes da compra do relógio. Segundo ele, a joia foi paga com o dinheiro dele, “do meu banco”. O advogado não informou, no entanto, se o modelo comprado era o mesmo que foi vendido por Cid. “E se esse relógio for outro?”, questionou.
“Usei do meu dinheiro para pagar o relógio. O meu objetivo quando comprei o relógio era cumprir decisão do Tribunal de Contas da União (TCU)”. Wassef não deu mais detalhes, mas afirmou que a compra foi declarada à Receita Federal.
“O governo do Brasil me deve R$ 300 mil”, disse ele, mostrando um recibo de compra no valor de US$ 49 mil. “Eu fiz o relógio chegar ao governo”. Wassef também disse que o retorno da joia ao país não foi um pedido de Bolsonaro ou Cid, mas também não informou como aconteceu.
De acordo com ele, o relógio foi pago em espécie por ser uma forma de registrar a compra, seguindo a legislação dos EUA, e para conseguir desconto. Consegui US$ 11 mil dólares [de desconto]. Se eu compro com cartão de crédito, pago no Brasil com 5% de IOF”, explicou. “Não foi Jair Bolsonaro que me pediu. O dinheiro usado para a compra é lícito”
A PF ainda está investigando o material apreendido na operação de 11 de agosto referente aos indícios da venda ilegal de presentes entregues ao governo Bolsonaro. A quebra de sigilo bancário do ex-presidente e da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro, inclusive, foi um pedido feito ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Na primeira parte da entrevista de Wassef, ele negou saber qualquer informação sobre as joias recebidas por Bolsonaro até o início deste ano.
“Eu disse que não sabia de nada, mas que eu ia ligar para Bolsonaro e retornava. Liguei, o presidente me disse: Fred, pode fazer uma nota, você vai ser o meu advogado nesse caso e falar em meu nome. E fizemos uma ligação: eu, Bolsonaro e Fabio Wajgarten, e Bolsonaro deu uma ordem: é o Fred, faça a nota e publique. Antes disso, não é que eu nunca vi nenhuma joia, nenhum presente”, falou.
Na segunda parte, no entanto, quando abordou o tema da viagem aos Estados Unidos, ele disse que iria apenas passar férias, não “resgatar” nada para Bolsonaro.
Em nota para a jornalista Andreia Sadi, enviada nesta segunda (14), o advogado afirmou que “jamais negou a compra ou afirmou que comprou” a joia.
“Nada. Nunca vi esse relógio. Nunca vi joia nenhuma (…) Nunca na minha vida. Desafio a provarem isso. Falo e garanto”.
A reportagem de Valdo Cruz, também de segunda, indica outros fatos. O nome de Wassef aparece no recibo de recompra de um Rolex nos Estados Unidos. A PF acredita que isso se classifica como uma “prova contundente” contra o advogado, que será chamado para depor. A investigação também irá procurar saber quem entregou o dinheiro para que o advogado recomprasse o presente e como ele recebeu os valores – transferência bancária ou em espécie.
As autoridades brasileiras irão apurar o caso em colaboração com os Estados Unidos, onde o relógio foi vendido. As investigações em conjunto irão auxiliar a desvendar de quanto foi a venda e a recompra do item, em valor maior, e a forma de pagamento.
Após ser revelada a existência do Rolex, em março deste ano, os assessores de Bolsonaro iniciaram uma operação para reaver a joia – Wassef, segundo as investigações, viajou aos EUA para buscá-lo.
O advogado negou ter amizade com o ex-assessor de Bolsonaro, com quem compartilhava “uma relação muito formal”. “A história que assessores me escalaram é falsa. Nunca tomei choppinho. Zero. Era absolutamrnte formal. Conto na mão as vezes que falei com ele. Zero de qualquer outro tema ou assunto”, disse.
A PF, no entanto, identificou diversas interações entre ele e Cid na época da viagem do advogado, no dia 11 de março. No dia do embarque, 14, os dois conversaram novamente. Cid disse “E aí?”. Wassef respondeu “Troquei solo agora” e enviou uma foto no avião.
Em 29 de março, segundo a PF, Wassef retornou ao Brasil já com o Rolex e, em 2 de abril, entregou o item a Mauro Cid em São Paulo. Dois dias depois a defesa de Bolsonaro devolveu o item à União.
“Uma coisa é a viagem que fiz para os EUA. Outra coisa é me acusar de organização criminosa e esquema de joia. É uma armação”, defendeu Wassef.
Segundo a Polícia Federal, Cid e Wassef realizaram uma “operação resgate” para devolver as joias ao TCU, as mesmas que já haviam sido vendidas em duas lojas diferentes nos EUA.
A investigação indicou duas etapas em que “operação de resgate” foi divida:
Em 14 de março, às vésperas da decisão do TCU, o Rolex Day-Date, vendido à Precision Watches, foi recomprado por Fredrick Wassef e “repatriado” em 29 de março. As outras joias foram recuperadas por Mauro Cid em uma loja em Miami no dia 27 de março.
As duas partes do kit de joias foram entregues a Osmar Crivelatti, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e tenente do Exército, indica a PF. Ele também foi alvo da operação nesta sexta-feira (11).
As joias em questão foram entregues pela defesa de Jair Bolsonaro em uma agência bancária de Brasília no dia 4 de abril deste ano.