A descriminalização da maconha para uso pessoal continuará a ser julgada na próxima quinta-feira (17) pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Com o voto do ministro Alexandre de Moraes, o placar está de 4 a 0 a favor do tema que corre na corte há quase uma década. Segundo o ministro, o artigo 28 da Lei de Drogas (11.343 de 2006) deve ser declarado inconstitucional.
Para ele, a depender das quantidades de posse, não é considerado crime “a conduta de adquirir, guardar, ter em depósito ou trazer consigo para consumo pessoal a substância entorpecente maconha, mesmo sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar”. Moraes ainda alegou que a lei em questão provocou um aumento no encarceramento e fortaleceu as facções criminosas.
A defesa do ministro mostra-se verdadeira: passando pelo massacre no Carandiru, em 1992, que deixou 111 presos assassinados, até o segundo maior massacre do país, a briga de facções no Compaj (Complexo Penitenciário Anísio Jobim), que deixou 56 mortos em 2017, essas e outras tragédias no país expõem como o sistema penitenciário brasileiro é letal – com destaque para a guerra às drogas, um dos principais fatores que contribuem para essa situação.
Segundo o presidente da Associação Juízes Pela Democracia, “não só nada mudou do Carandiru para o Compaj, mas a situação piorou. O sistema penitenciário é uma máquina de moer pobres”.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, composta majoritariamente por negros e pobres. De acordo com estudos publicados pelo El País, um em cada três presos brasileiros é acusado ou condenado por crimes relacionados a drogas atualmente. No caso das mulheres, a proporção é ainda maior: a cada três, duas são condenadas por esses motivos.
Ainda sobre números, a cada três presos, dois são negros. Enquanto a proporção de pessoas negras presas no país aumentou 14% em 15 anos, a parcela branca diminuiu 19%. Dentre as mulheres encarceradas, mais de 60% se declararam negras.
A questão levantada pelo El País aponta que, enquanto o restante do mundo revê as posições frente ao sistema carcerário, mecanismos de justiça e prisão, o Brasil faz manutenção diária da violência contra a população menos privilegiada em nome da guerra às drogas.
Bezerra explica que, nas últimas décadas, o país “mergulhou de cabeça” e importou dos Estados Unidos as políticas de encarceramento em massa em nome do combate ao tráfico. No entanto, o país norte-americano começou a avançar nestas questões e hoje se configura como um dos pioneiros na política de descriminalização.
“Os Estados Unidos, país que criou a política de guerra às drogas e que possui a maior população carcerária do mundo, já começa a rever a estratégia, com flexibilização de penas e descriminalização das drogas”, disse André Bezerra.
Diante disso, torna-se mais do que evidente a necessidade de retomar a discussão na Corte brasileira, paralisada desde 2015. À época, o ministro Gilmar Mendes, Edson Fachin e Luís Roberto Barroso votaram a favor da descriminalização da posse de maconha para uso pessoal. Nesta semana, o julgamento foi suspenso novamente por Mendes, agora relator do caso, após o manifesto de Moraes.
O atual debate no STF discute os critérios objetivos que devem ser levados em consideração para distinguir usuários de traficantes. Em 2006, com o decreto da lei, a pena de prisão para casos de posse de drogas para consumo pessoal foi retirada, porém o uso se manteve como crime. Por isso, a questão ficou em aberto.
Os ministros estão levando em consideração os argumentos apresentados pela defesa de Francisco Benedito de Souza. O mecânico cumpria pena por porte de arma de fogo no Centro de Detenção Provisória de Diadema, em São Paulo, mas sofreu outra condenação após ter sido encontrado três gramas de maconha na cela dele.
Em seu voto, Gilmar Mendes defendeu que a medida não se restringisse apenas a maconha, mas fosse estendida para todas as drogas. Fachin e Barroso seguiram parcialmente na mesma linha e votaram pela absolvição do mecânico – os dois, porém, mantiveram a interpretação somente à maconha.
Barroso também citou em seu voto a proposta de definir uma quantidade para que o porte da substância ainda seja enquadrado como usuário, e não traficante, o que Moraes também defendeu,
Interrompida desde 2015 a pedidos do então ministro Teori Zavascki, a análise na corte foi retomada em 2018, quando Moraes assumiu a vaga no Supremo. EM 2019, durante o primeiro ano do conservador governo de Jair Bolsonaro (PL), o então presidente do STF, Dias Toffoli, chegou a marcar a retomada do processo, mas retirou a pauta.