A Polícia Federal (PF) reuniu depoimentos de policiais rodoviários federais e mensagens trocadas entre o diretor de inteligência da Polícia Rodoviária Federal e um subordinado, que levam à conclusão de que o diretor-geral da PRF, Silvinei Vasques, direcionou a “Operação Eleições 2022” para coibir a movimentação de eleitores de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno.
Silvinei foi preso nesta quarta-feira (9) por ordem do Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, durante uma operação conduzida pela Polícia Federal. De acordo com os depoimentos coletados ao longo dos últimos meses, Vasques teria afirmado em uma reunião confidencial realizada em 19 de outubro, entre o primeiro e o segundo turno das eleições, que a organização precisava “escolher um lado”, que claramente seria a favor de Bolsonaro.
Durante essa reunião, que contou com a presença de 47 policiais, o uso de telefones celulares foi proibido. Como relatado anteriormente em abril, a liderança da PRF não registrou oficialmente o assunto da reunião na ata, e esforços foram feitos para ocultar o conteúdo discutido. Além disso, essa reunião não consta na agenda oficial de Vasques.
Para esclarecer as circunstâncias da reunião e seu conteúdo, a Polícia Federal entrevistará 50 pessoas na terça-feira, incluindo os 47 policiais rodoviários federais convocados e outros dois indivíduos que estiveram presentes na reunião.
A PF busca reconstruir detalhes da reunião convocada às pressas na sede da PRF em Brasília em 19 de outubro, apenas onze dias antes do segundo turno das eleições entre Lula e Bolsonaro. A discussão ocorreu durante uma sessão extraordinária do Conselho Superior da PRF e foi cercada por esforços dos principais funcionários da organização para apagar vestígios de seu conteúdo.
Em mensagens trocadas por telefones celulares no mesmo dia, o coordenador de recursos humanos, Adiel Alcântara, e um subordinado mencionaram que Vasques havia feito observações controversas e que a operação planejada para o dia do segundo turno seria “politicamente direcionada” para dificultar o movimento dos apoiadores de Lula, especialmente no Nordeste.
Entretanto, o conteúdo das declarações de Vasques não está oficialmente documentado, já que até mesmo a ata da reunião foi manipulada para excluir qualquer registro oficial da operação planejada para o segundo turno, conhecida como “Operação Eleições 2022”.
O documento, obtido pela equipe desta coluna através da Lei de Acesso à Informação em dezembro de 2022, menciona apenas a discussão de temas mundanos, como o treinamento físico institucional da PRF e o cálculo de escalas para situações excepcionais.
No entanto, o objetivo principal da reunião, que era planejar as operações que dificultaram os eleitores de Lula, não está registrado. Já que a ata sequer menciona que esse assunto foi discutido durante a reunião de 19 de outubro, a equipe desta coluna procurou membros da PRF que estiveram em Brasília naquele dia para reconstruir o que ocorreu.
De acordo com o GLOBO, cinco deles afirmaram que as operações foram o tópico central da discussão naquele dia. Porém, a convocação de última hora não foi o único aspecto incomum da reunião do Conselho da PRF. Diferentemente das práticas típicas dentro da organização, esta reunião foi realizada exclusivamente presencialmente. Muitas reuniões geralmente são conduzidas virtualmente para evitar os custos de viagem para os 26 chefes regionais que trabalham fora da capital. Consequentemente, todos os superintendentes precisaram viajar para Brasília.
Ao entrarem no auditório na sede nacional da PRF, os participantes tiveram que entregar seus celulares e relógios a dois agentes do setor de inteligência para evitar qualquer gravação da discussão.
Conforme descoberto pela equipe desta coluna, essa era uma tática comum durante a gestão de Vasques. A ausência de participantes virtuais e o confisco de dispositivos impossibilitaram qualquer documentação da reunião.
Três dos cinco policiais rodoviários federais com os quais conversamos confirmaram que durante a reunião, Vasques afirmou que era hora da PRF tomar um lado nas eleições. O então diretor-geral pediu que os presentes se engajassem nas operações em 30 de outubro, especialmente no Nordeste.
Ele também enfatizou que um segundo mandato de Bolsonaro traria benefícios para todos ali presentes e para a organização, que havia visto suas prerrogativas expandidas durante o primeiro mandato do ex-presidente.
Entretanto, dois dos membros da PRF com os quais conversamos argumentaram que havia justificativas concretas para reforçar as operações no Nordeste. Um deles mencionou que a permissão concedida pelo Ministro do Supremo Luís Roberto Barroso para que governos municipais e estaduais fornecessem transporte público gratuito para os eleitores havia levado ao aumento de ônibus nas estradas, o que justificaria a operação.
Outro argumento apresentado, semelhante ao que o então Ministro da Justiça Anderson Torres também havia mencionado durante uma visita à superintendência da PF na Bahia, uma semana após a reunião em Brasília, foi o de que havia muitas denúncias de compra de votos na região.
A orientação do então diretor-geral para que a PRF preparasse bloqueios em regiões onde o candidato petista havia obtido vantagem no primeiro turno causou perplexidade em alguns dos participantes. De acordo com o relato de um deles, “houve uma votação para endossar as operações, e os contrários concordaram em não expressar suas discordâncias publicamente”. A reunião endossou operações que chamariam atenção nacional durante o segundo turno da votação.