Sputnik — Em reunião com representantes da mídia, Lula e seu assessor especial para assuntos internacionais Celso Amorim discutiram algumas das principais pautas da política nacional. Entretanto, temas como o conflito na Ucrânia também não ficaram de fora e as ponderações de Amorim sobre o assunto novamente voltaram a chamar a atenção.
Embora atualmente as discussões no Ocidente tenham se concentrado na projeção de cenários em torno de uma improvável derrota da Rússia no campo de batalha, Lula, assim como o próprio Amorim, tem insistido no estabelecimento de condições que propiciem um acordo de paz entre russos e ucranianos.
Diante desse contexto, Amorim defendeu que as negociações de paz na Ucrânia não podem “deixar de fora as preocupações de segurança da Rússia”, que considerou reais e legítimas. Ainda que a colocação de Amorim represente uma posição bastante ponderada sobre o conflito, o assessor especial para assuntos internacionais de Lula já fora criticado no passado por parte da mídia brasileira mais alinhada aos grandes conglomerados ocidentais.
Um desses pitorescos embates se deu durante entrevista concedida por Amorim a um – visivelmente descontrolado e bastante abrasivo – analista brasileiro radicado nos Estados Unidos, que questionou a visita secreta de Amorim à Rússia (em que ele foi recebido pelo próprio presidente Vladimir Putin).
Na ocasião, o analista mencionado – de dedo em riste – condenou Amorim por não ter visitado Kiev no caminho de volta ao Brasil. Amorim respondeu de forma serena, como lhe é costumeiro, mencionando que em sua visita à Rússia o ex-chanceler tratou também de vários outros assuntos referentes às relações bilaterais, ao passo que fez questão de lembrar sua visita à França logo na sequência, um dos países que têm justamente apoiado a Ucrânia no conflito.
Amorim reafirmou que o Brasil é um país aberto para o diálogo com todos os participantes e que entende os problemas causados por guerras e confrontos armados ao redor do mundo. Não obstante, o ex-chanceler brasileiro exemplificou as tragédias provocadas no Vietnã, no Afeganistão e no Iraque (todas com participação americana), para o visível desprazer de seu entrevistador.
Em verdade, esse foi apenas um exemplo ilustrativo dos ataques frequentemente direcionados contra Amorim e Lula por ambos estarem interessados não no prolongamento do conflito na Ucrânia ou numa fantasiosa derrota da Rússia, mas sim na conclusão de um acordo de paz no Leste Europeu. Isso porque Amorim defende que o Brasil não deve seguir “automaticamente” a posição e a interpretação do Ocidente acerca de questões importantes da agenda internacional, como é o caso, por exemplo, do confronto na Ucrânia.
Fato é que até mesmo renomados pensadores ocidentais, como é o caso do neorealista John Mearsheimer ou do economista Jeffrey Sachs, interpretaram os motivos por trás do conflito na Ucrânia como sendo a falta de empatia do Ocidente para com as legítimas preocupações de segurança da Rússia em relação à presença da OTAN em suas fronteiras meridionais, compostas pelas estepes.
Lula e Amorim, por sua vez, defendem que o Brasil deve desempenhar um papel de promotor da paz e não da guerra, buscando uma solução em conjunto com outros países importantes (como Turquia, Indonésia, China, Índia e outros), ainda que neste momento não haja clima para negociações entre as partes conflitantes.
Como mencionou Amorim em sua reunião recente com representantes da mídia, “a nossa visão e de outros países é que para se chegar à paz é preciso ter diálogo. E diálogo não pode ser consigo mesmo […] só haverá paz quando todos acharem possível e interessante”. Logo, para que a paz seja interessante à Rússia, ponderou Amorim, suas preocupações legítimas de segurança não podem de maneira nenhuma ser deixadas de fora.
No mais, vale lembrar também que Brasil e Rússia são parceiros de longa data dentro do BRICS, com ambos os países sendo os principais responsáveis pelo lançamento do grupo em meados dos anos 2000. Ora, desde 2006 o próprio Celso Amorim, quando era ministro das Relações Exteriores do Brasil, teve um papel fundamental, juntamente de Sergei Lavrov, chanceler russo, nas conversas iniciais que deram impulso à formação do agrupamento. Foi então que a cooperação entre Brasil e Rússia tomou novos contornos qualitativos, reafirmando a importância do multilateralismo e da multipolaridade nas relações internacionais.
Fato é que o legado de Amorim simboliza justamente a participação mais ativa do Brasil no sistema internacional e sua busca por um papel de maior relevância na solução de grandes questões globais. Com o conflito na Ucrânia não poderia ser diferente. É por isso que Amorim tem se engajado em promover uma solução pacífica para o conflito no Leste Europeu.
Para além disso, Amorim também é crítico das tentativas de isolamento político da Rússia empreendidas pelo Ocidente, e das sanções unilaterais aplicadas a Moscou, que caracteriza como um “erro estratégico”, resultando apenas em maior instabilidade internacional e numa maior animosidade entre as partes.
O Brasil de Lula, por exemplo, concordou inclusive com as propostas chinesas para uma negociação de paz no Leste Europeu, que envolvem a suspensão imediata das sanções contra a Rússia e o abandono de uma mentalidade típica da Guerra Fria. O Brasil, portanto, apenas reitera a importância da cooperação internacional na busca por uma solução para a crise, seguindo os princípios pacifistas presentes em sua Constituição.
Logo, em seu desejo por fazer do Brasil um protagonista do Sul Global, Lula e Amorim continuam seu caminho em meio ao tortuoso teatro geopolítico de nossos tempos. Ainda assim, embora a conjuntura internacional de hoje seja bem mais complexa do que quando era ministro das Relações Exteriores entre 2003 e 2010, Amorim continua sendo um ator político importante, sobretudo quando faz lembrar que a paz só será possível uma vez que as demandas legítimas da Rússia sejam realmente atendidas. Afinal, se algumas das declarações de Amorim incomodam, elas incomodam não por serem parciais, mas sim por serem verdade.