Por Jeferson Miola
Anos atrás, por ocasião de palestra proferida numa loja maçônica em Brasília [15/9/2017], o general Hamilton Mourão afirmou que “se tiver que haver, haverá” uma intervenção militar.
Importante destacar que a interpretação delirante do artigo 142 da Constituição, que em 15 de setembro de 2017, data da palestra de Mourão na maçonaria, já era uma gramática corrente nos meios castrenses, passou a ganhar evidenciação pública e a se organizar como uma força-movimento de extrema-direita no período imediatamente subsequente.
Àquela altura, o partido dos generais já avançava na materialização do seu projeto secreto de poder com Bolsonaro, cuja candidatura presidencial dele para 2018 fora lançada em 29 de novembro de 2014, quatro anos antes, na AMAN, a Academia Militar das Agulhas Negras.
O general Mourão, que na época ainda estava na ativa, era Secretário de Economia e Finanças do Exército e integrava o Alto Comando, disse: “Na minha visão, aí a minha visão que coincide com os meus companheiros do Alto Comando do Exército, nós estamos numa situação daquilo que poderíamos lembrar lá da tábua de logaritmos, ‘aproximações sucessivas’”.
E ameaçou: “ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso” – ou seja, um golpe militar.
Sintomaticamente, uma das mais decisivas e notórias “aproximações sucessivas” da estratégia golpista do Alto Comando do Exército [ACE] foi conhecida menos de sete meses depois, em 3 de abril de 2018, quando o general conspirador Villas Bôas publicou, em nome do Alto Comando, o famigerado tweet pressionando o STF a manter a prisão ilegal de Lula.
Após os reveses sofridos no último período – a derrota da chapa militar Bolsonaro/Braga Netto em 30 de outubro e o fracasso da intentona golpista de 8 de janeiro – as cúpulas partidarizadas das Forças Armadas apenas fizeram uma inflexão tática em busca de um reposicionamento político. Tentam recuperar a falsa imagem de profissionalismo e compromisso com a legalidade.
São inconfiáveis, contudo, as dissimulações de altos oficiais do Exército, dentre eles o general Tomás Paiva, que proclamam que o Exército é uma instituição “apolítica e apartidária”.
Não deixa de ser irônico o atual comandante da Força Terrestre declarar isso, pois em 2014 ele era o comandante da AMAN quando ocorreu um ato político-partidário inaceitável no Estado de Direito, que foi o lançamento da candidatura de Bolsonaro à presidência durante cerimônia de formatura de aspirantes a oficiais do Exército. Com a anuência dele, general Tomás Paiva.
O inquérito do Comando Militar do Planalto sobre os atos golpistas, só tornado público no último dia 26, acende uma luz de alerta que deveria ser tomada em séria preocupação pelo governo.
Trata-se de uma peça de ficção que falsifica a realidade, escamoteia o envolvimento dos militares na dinâmica golpista e, ainda, culpabiliza o governo Lula pelos ataques criminosos às instituições da República, inclusive o próprio Palácio do Planalto.
Mais grave que o inquérito farsesco, no entanto, foi o encaminhamento de ofício do general Tomás à CPMI dos atos golpistas reforçando tal versão forjada e mentirosa.
Um detalhe que não deixa de causar curiosidade: o ofício do comandante do Exército atendeu a requerimento do deputado ultradireitista André Fernandes-PL/CE, que é investigado pelo STF por apoiar e incentivar a horda fascista que saiu do QG do Exército para depredar o Supremo, o Congresso e o Planalto. Um jogo combinado?
É perigoso confiar que as cúpulas militares, que são partidarizadas e ultrapolitizadas, estejam de fato empenhadas em aceitar a subordinação ao poder civil e à democracia. O partido dos generais não abandonou o projeto próprio de poder militar e tampouco abdicou da delirante fantasia de se considerar um Poder Moderador.
Os militares continuam à espreita e atentos a cada nova janela de oportunidade que se abre para avançarem com suas aproximações sucessivas. No encontro maçônico de 2017, Mourão destacou que “nós temos planejamentos, muito bem feitos”. Na falha dos Poderes constituídos, “chegará a hora que nós teremos que impor uma solução”, ele disse.
O comando do Exército tem deixado sinais muito claros no ar, sem que haja reação das instituições e do poder político [governo e Congresso]. Além de não instaurar investigações sobre militares implicados em ilícitos e nos atentados à democracia, assegura impunidade e brinda delinquentes fardados com postos importantes.
O comparecimento do tenente coronel Mauro Cid fardado na CPMI dos atos golpistas escalou mais um degrau do teste de afronta militar ao poder político. Sem provocar repúdio do Congresso e desaprovação do ministro da Defesa.
As cúpulas militares são um fator extremamente crítico e ameaçador na realidade brasileira. A sobrevivência da democracia depende da capacidade que a sociedade civil, as instituições da República e o poder político tiverem de enfrentar em definitivo a questão militar no Brasil.
O governo precisa revisar urgentemente a continuidade da opção política do ministro José Múcio Monteiro, que não só é equivocada, como está favorecendo a reconfiguração da capacidade golpista do partido dos generais.
Não é só o governo Lula que continua sob ameaça fardada, mas a própria democracia.