Notas sobre a antológica entrevista de Dirceu para Hildegard Angel

“Ele estava devendo uma entrevista como essa ao país”, me disse a jornalista Hildegard Angel, dileta amiga, e que iniciou uma série de entrevistas com personalidades do campo progressista, para o canal TV 247.

De fato, José Dirceu foi um dos nomes mais marcantes de duas ou três gerações de brasileiros. A sua resiliência psicológica a uma campanha de massacre midiático que já dura quase vinte anos é um caso impressionante.

Lembro-me, a propósito de um comentário recorrente de Lula sobre Aécio Neves, de que o ex-governador de Minas não teria suportado uma semana de ataques da mídia, enquanto ele acumulava horas e horas de editoriais negativos no Jornal Nacional.

No caso de Dirceu, possivelmente enfrentou uma campanha ainda mais barra pesada do que Lula, até porque houve um momento, ou muitos momentos, em que ele foi considerado um “caso perdido” por grande parte do campo progressista, incluindo aí setores majoritários do PT.

Não por maldade ou traição, porém, eu suponho.

Os estrategistas do partido entendiam que a única salvação, para todos os militantes perseguidos pelo lawfare vigente no país, desde o início das conspiratas midiático-judiciais de 2004, até a anulação dos processos contra Lula, em 2020, seria a sobrevivência política e eleitoral da legenda, e essa luta consumia integralmente as energias de todos.

Na entrevista, dividida em duas partes, Dirceu faz uma análise da situação política do Brasil e do mundo, que se notabiliza por um sólido bom senso.

Dirceu transpira a serenidade de uma pessoa que sofreu muito, e que atingiu um alto nível de compreensão sobre tudo que aconteceu a si mesmo e ao país.

Num artigo publicado hoje, sobre a postura inacreditavelmente ridícula dos bolsonaristas na CPMI do 8 de janeiro, eu citei uma frase do filósofo dinamarquês, Søren Kierkegaard: “A forma mais profunda de desespero é escolher ser outro que não você mesmo”.

Os ataques terroristas do 8 de janeiro, e todas as insanidades cometidas pelo presidente Jair Bolsonaro, ao longo de seus dolorosos quatro anos de mandato, condenam os bolsonaristas a uma espécie de desespero perpétuo. Como eles não podem defender nenhuma dessas insanidades, sob o risco de serem repudiados socialmente e, em alguns casos, criminalizados e presos pelo sistema de justiça, então eles procuram não ser eles mesmos. Fingem demência, embora quase sempre sem sucesso, porque a sua natureza se revela com relativa facilidade.

No caso de Dirceu, podemos mencionar outra citação do mesmo pensador:

“A tarefa mais importante na vida é a de alcançar a serenidade e, com ela, a verdadeira independência e a verdadeira força”.

A luta de Dirceu ainda não terminou. Ele revelou, na entrevista, que ainda tem seus bens bloqueados pela justiça, e que pedirá revisão criminal de todas as suas condenações.

Num sentido mais profundo, todavia, Dirceu já venceu. A eleição de Lula representou, dentre tantas coisas, também uma vitória emocionante contra o monstro jurídico-midiático que tentou lhe enterrar vivo.

Com essa entrevista, conduzida com muita inteligência e leveza pela jornalista, Dirceu mostra que permanece extremamente atento a tudo que acontece no Brasil e no mundo.

Sua calma me lembrou, inclusive, uma das primeiras cartas de Antonio Gramsci a sua mãe. O pensador italiano foi preso pelo regime fascista em 1927 e permaneceu 11 anos encarcerado, morrendo pouco depois de sua libertação. É um texto que me marcou profundamente.

Gramsci conta para sua mãe que o haviam barbaramente acorrentado à parede do navio que o levava a prisão. Difícil saber se ele o que ele fala em seguida era sincero ou se apenas não queria deixar sua mãe triste. De qualquer forma, o que permanece são as palavras, que inspiraram gerações de lutadores sociais. Gramsci diz que, apesar da situação desesperadora em que se encontrava, nunca havia se sentido tão confiante em sua vida, e que tinha sensação de que todas as moléculas do seu corpo estavam mais fortes do que nunca.

Neste ponto (e em vários outros, aliás), Dirceu pertence à escola de Gramsci. Ele entende, organicamente, por tudo que passou, que o lutador político precisa estar preparado para arrostar todas as dificuldades, e que a sua autoconfiança e serenidade constituem, em si mesmas, uma grande vitória sobre os inimigos da humanidade!

Abaixo, os links para assistir as duas partes da entrevista:

Parte 1

Parte 2

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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