Expo Favela e a aposta no mercado bilionário das comunidades

CUFA

Celso Athayde nasceu numa favela do Rio, passou a infância na rua, sustentou-se como camelô. Hoje é um empreendedor internacionalmente premiado, que não quer ser a exceção, mas sim “um entre milhares que conseguiram”.

Publicado em 29/07/2023

Por Tobias Käufer

DW — Quando alguém que não vive numa comunidade conversa sobre as favelas, a tônica costuma ser criminalidade ou pobreza. Isso também se deve ao fato de muitos nunca terem visto uma favela de dentro. Em contrapartida, Celso Athayde aposta no potencial econômico desses bairros.

Para o empreendedor múltiplas vezes premiado, eles são mercados em crescimento, um potencial “que consome e produz R$ 207 bilhões por ano”. Esse volume de faturamento é maior do que o consumo interno do Paraguai e Bolívia juntos.

“Se você pegasse as favelas, 17 milhões de pessoas, e transformasse num estado brasileiro, seria o terceiro maior em consumo, produção e população.” E, para tal cálculo, Athayde parte dos valores oficiais em circulação, independentes do tráfico de drogas, jogos de azar, economia informal ou comércio de rua: “Estou falando do dinheiro que mobiliza a economia formal.”

Ele transformou essa concepção num projeto de enorme êxito, provando que sucesso econômico e empresarial também é possível nas favelas brasileiras: “É um poder muito grande, uma economia pulsante, que cresce a cada dia, e o Brasil começa a olhar para ele.”

De garoto de rua a prêmio em Davos

“Eu nasci numa favela, aos seis anos de idade meus pais se separaram e fui morar na rua, literalmente na rua, dos seis aos 12 anos. Dos 12 aos 14, fui morar no abrigo público, e com 14 novamente numa outra favela “, conta Athayde.

“Cresço, viro camelô, vendedor ambulante. Sempre empreendendo, sempre tentando levar alternativas de negócios para a favela, não apenas pelo dinheiro, não só pela força econômica, mas porque eu entendia que isso era montar uma grande rede de empregabilidade. Automaticamente você diminui as desigualdades econômicas a partir do momento que gera riqueza e renda naquele lugar.”

Expo Favela 2023 será a primeira realizada no Rio de Janeiro – Foto: CUFA

De garoto de rua da Baixada Fluminense, ele é hoje um empreendedor conceituado e respeitado em nível internacional, alguém que se deve escutar por ser bem-sucedido onde outros sequer tentaram. Um líder que reconhece as chances e explora seu potencial, e que em 2022 recebeu um prêmio do Fórum Econômico Mundial de Davos por seu engajamento empresarial.

Segundo Athayde, ele fundou a única Favela Holding do mundo, uma rede de 27 companhias que trabalha com multinacionais de distribuição do porte da Amazon. “Essas grandes começaram a perceber valor e a descobrir o quanto existe de potencial de consumo nesses ambientes, nesses territórios.”

Hoje há digital influencers nas favelas, os maiores bancos e operadoras de telefonia atuam lá. Cresce a consciência de que “a gente também consegue fazer gestão daquilo que consome”. Isso, em locais que o IBGE classifica como “aglomerado subnormal”, enfatiza o empreendedor de 60 anos.

Dominando a linguagem do financiador

Uma chave para maximizar esse potencial é a Expo Favela, que de 29 a 31 de julho se realiza pela primeira vez no Rio de Janeiro. Nela se promove o encontro entre aptidões e potenciais, para reconhecer “o quanto nós produzimos e quanto temos que respeitar uns aos outros”.

Celso Athayde não se considera uma exceção. Depois de todas as distinções recebidas, por vezes diz a si mesmo: “Eu não quero ser a pessoa que conseguiu, quero ser um entre milhares de pessoas que conseguiram.” Por isso a Expo como arena de ação para empresárias/os e startups da favela.

“Como é que eu trago esses empreendedores, que já fazem coisas importantes, relevantes, muitas vezes com poucos recursos, ou que têm ideias extremamente interessantes, que jamais seriam vistos pelas empresas ou pelos fundos de investimento, que não têm sequer uma linguagem capaz de convencer um fundo de investimento sobre a importância do seu negócio, se tiverem a oportunidade de mostrar?”

E ele próprio responde e reconhece a dificuldade: “Eles vão convencer o financiador pelo seu desejo, pela sua autoestima, pela sua força. Mas não vão convencer pela sua entrega [apresentação], porque eles não falam a linguagem dos investidores. Trade, network, hold, etc., não é a linguagem que se fala na favela.”

Para mudar essa situação, Celso Athayde criou, juntamente com a Fundação Dom Cabral e a ONG Central Única das Favelas (Cufa), a Escola de Negócios da Favela e um fundo de investimentos no valor de R$ 50 milhões. A Expo Favela é uma peça de mosaico na grande visão de seu promotor, pois “importante era começar a produzir na favela a ideia de que negócio é uma coisa que transforma as vidas”.

Cláudia Beatriz:
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