Na última segunda-feira, Suel foi preso. O ex-bombeiro Maxwell Simões Correa, que foi expulso da corporação ano passado, chegou a ser preso em 2020 no inquérito original sobre a morte da vereadora Marielle Franco, mas foi solto por decisão judicial. Depois, foi preso novamente em uma operação envolvendo o jogo do bicho no Rio de Janeiro. Para piorar, consta que, durante o processo de expulsão do Corpo de Bombeiros, Suel ameaçou o comandante geral do Corpo de Bombeiros do Rio, o Coronel Leandro Sampaio Monteiro. “Eu sei onde sua filha estuda”. É esse o nível das pessoas envolvidas no assassinato de Marielle.
Afinal, por que Suel foi preso? Porque, de forma muito surpreendente, alguém abriu a boca. No caso, Élcio de Queiroz, que dirigiu em 14 de março de 2018 o Cobalt branco de onde Ronnie Lessa atirou para assassinar Marielle Franco e o motorista Anderson Gomes. Sim, agora sabemos que Ronnie Lessa atirou para matar Marielle, e essa é a primeira grande confirmação da delação de Élcio de Queiroz. A delação também disse que Suel forneceu o carro e ajudou a limpar as evidências do crime, tendo participação inequívoca.
Élcio de Queiroz, que até o momento é o único réu confesso no caso Marielle, tem o potencial de se tornar o Tommaso Buscetta das milícias cariocas. Sua delação não é um mero conjunto vazio de narrativas: o que já sabemos dela comprova a materialidade do crime e dá um passo a passo da operação para assassinar Marielle. Élcio também afirma que houve outra tentativa anterior de assassinar a vereadora em dezembro de 2017, mas Suel, o ex-bombeiro preso na segunda, teria “dado pra trás” em cima da hora, inviabilizando o assassinato.
Outra revelação importante de Élcio é sobre os mandantes do crime: o intermediário entre o grupo de Ronnie Lessa e os mandantes era o ex-Policial Militar Edimilson Oliveira da Silva, o Macalé, que foi executado em 2021 na Avenida Santa Cruz, em Bangu. Foi Macalé que trouxe a “encomenda” do crime para Ronnie Lessa, e também acompanhou os preparativos, ficando de campana e tentando entender a rotina de Marielle como vereadora. O fato de que Macalé está morto dificulta alguns esclarecimentos, mas também coloca no radar o fato de que houve uma intensa operação de queima de arquivo em relação ao assassinato de Marielle e Anderson.
A questão é que, cinco anos depois, as investigações finalmente andaram. Pela primeira vez em muito tempo, existe a perspectiva de se chegar aos mandantes do assassinato de Marielle e Anderson. Durante o ano de 2018, o Rio de Janeiro ficou sob intervenção federal por parte do Exército, capitaneada pelo General Walter Braga Netto, que depois de “cumprir seu trabalho”, seja ele qual for, foi se assentar rapidamente no gabinete de Ministros de Jair Bolsonaro. Terminou tão próximo a Bolsonaro que foi o seu candidato a vice-presidente em 2022, e deve ser indicado pelo PL para disputar a Prefeitura do Rio de Janeiro em 2024. E foi um dos membros do staff bolsonarista que se dispôs a ir conversar com os acampados golpistas, pedindo inclusive para que eles não desistissem da mobilização (naquele momento nós não sabíamos ainda, mas a cúpula do governo Bolsonaro estava preparando um golpe de estado com minuta de tudo, no movimento que culminou nos ataques de 08 de janeiro).
De 2019 em diante, Bolsonaro interferiu de todas as formas possíveis na investigação. Sérgio Moro inclusive aproveitou o movimento de interferência na Polícia Federal por parte de Bolsonaro para tentar fazer biquinho (infelizmente a falta de lábios não deixa) e sair do governo. No fim, a investigação terminou sabotada, e no meio do caminho foram mortos alguns nomes importantes para o esclarecimento do crime, como o do próprio Edimilson Macalé e o do miliciano Adriano da Nóbrega, que também era próximo a família Bolsonaro.
Hoje, ainda não dá para dizer que existem provas jurídicas que liguem a família Bolsonaro ao assassinato de Marielle. O que existe é uma posição refratária de Bolsonaro em relação a essa investigação em específico, com ações tomadas de forma completamente injustificada e desproporcional. A histórica live de vinte minutos feita da Arábia Saudita na noite em que o Jornal Nacional revelou que Élcio de Queiroz chamou por Jair na portaria do Vivendas da Barra no dia do crime já sinaliza o desespero de Bolsonaro ao lidar com esse tema. O lado bom é que agora o próprio Élcio fez a delação, e em breve saberemos se ele realmente chamou o Jair no dia do crime, porque esse esclarecimento deve constar na parte que ainda está em segredo de justiça.
A questão é que a intervenção militar no Rio e o assassinato de Marielle Franco, por incrível que pareça, foram elementos importantes para impulsionar a milícia carioca a ocupar o centro de poder federal. Se antes do assassinato de Marielle o nome de Jair Bolsonaro era visto com simpatia pelos milicianos, depois de sua morte ele passou a ser o único nome possível para a Presidência da República. Porque ele seria o único a barrar as investigações e a impedir que os mandantes do crime fossem presos. Inclusive foi em torno da impunidade em relação ao assassinato que se construiu uma reaproximação entre Bolsonaro e alguns oficiais da ativa: um crime como o assassinato de Marielle, ocorrido durante uma intervenção federal no Rio de Janeiro, poderia revelar detalhes sobre a incompetência do Exército que soariam comprometedores naquela altura, mesmo que não tivessem relação com o crime em si.
Foi nesse contexto que a milícia deu all in no Bolsonaro. Que os militares fecharam questão em torno de sua candidatura. Foi nesse contexto que um bando de milicianos cariocas especialistas em cobrar preços abusivos de gatonet passaram a mandar no Brasil inteiro. Nesse cenário, o governo desastroso e criminoso de Bolsonaro parece só uma constatação óbvia: foram quatro anos com o Brasil sendo governado por uma galera que andava com milícia, gostava de milícia, homenageava milícia e usava métodos de milícia para permanecer no poder. Cometer centenas de crimes eleitorais para se reeleger e tentar um golpe de estado depois de perder a eleição é exatamente o que um miliciano faria. Para sorte do Brasil, nada disso deu certo. Mas as consequências dos quatro anos de governo Bolsonaro foram catastróficas para o país.
O avanço das investigações sobre o caso Marielle, a delação de Élcio de Queiroz e a perspectiva de que finalmente teremos alguma chance de saber quem foram os mandantes do assassinato em breve são sinais de algo maior: a milicia finalmente perdeu poder. Existia um temor grande dentro do governo Lula no sentido de que talvez instituições como a Polícia Federal estivessem tão contaminadas pelo bolsonarismo que fossem capazes de sabotar o novo governo, mas esse não parece ser o caso. As coisas estão voltando ao normal e as instituições estão recuperando a sua capacidade de atuação independente, vencendo os achaques que milicianos que foram a rotina nos últimos quatro anos. Ver a queda do império que Bolsonaro construiu em Brasília com base nos métodos milicianos acontecendo é provavelmente a melhor notícia que o Brasil poderia ter.