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A segunda batalha de Haddad

Fernando Haddad ganhou, nas últimas semanas, uma aura de Tom Cruise em Missão Impossível, depois que conseguiu aprovar o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária na Câmara dos Deputados comandada por Arthur Lira. Para além disso, Haddad ainda conseguiu o milagre de ganhar a confiança dos operadores do mercado em seis meses: no começo do […]

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AFP PHOTO / Nelson ALMEIDA

Fernando Haddad ganhou, nas últimas semanas, uma aura de Tom Cruise em Missão Impossível, depois que conseguiu aprovar o arcabouço fiscal e a Reforma Tributária na Câmara dos Deputados comandada por Arthur Lira. Para além disso, Haddad ainda conseguiu o milagre de ganhar a confiança dos operadores do mercado em seis meses: no começo do governo, apenas 10% dos agentes do mercado ouvidos pela pesquisa Quaest confiavam em Haddad como Ministro da Fazenda. Agora, já são incríveis 65%.

Haddad é um sujeito calejado. Os críticos dizem que ele não tem manejo político, mas dentro da máquina Haddad é excelente, justamente porque, além do imenso conhecimento técnico multidisciplinar, Haddad também é um sujeito que tem zero deslumbramento. Já apanhou bastante em sua carreira política para saber que fases boas e fases ruins são extremamente fluidas na política, e sabe muito bem que a mesma mão que hoje dá tapinha nas costas amanhã pode apontar o dedo na cara.

E mais do que isso: sabe que, nas horas ruins, os puxa sacos de sempre (sim, existe uma categoria profissional chamada “puxa saco de político” e é preciso falar mais sobre ela) se afastam e fingem que você não existe. Foi assim em 2013, quando Haddad tinha acabado de assumir a prefeitura de São Paulo e ficou sozinho tendo que lidar com as Manifestações pela reversão do aumento dos transportes completamente sozinho, muito por causa da postura absurda da polícia do então governador e hoje vice-presidente Geraldo Alckmin. O mundo dá voltas, mas aquela volta em específico foi bem complicada para Haddad, que nunca mais venceu uma eleição majoritária depois de junho de 2013.

O Ministério da Fazenda, inclusive, é o primeiro cargo público que Haddad ocupa depois da saída da prefeitura, e está muito claro que Haddad quer mais do que ocupar o Ministério: quer deixar um legado. Por isso, além de não se deslumbrar, Haddad está trabalhando muito. Muito mesmo. Está indo além de suas atribuições, e com bons resultados.

Além de atuar no objetivo de zerar o déficit público em 2024 (coisa que soava maluquice no início do governo e hoje parece até plausível num cenário otimista), Haddad tem articulado leis com o Congresso, tem conversado com outros ministérios para fazer uma plataforma transversal de investimentos públicos, e tem buscado fazer o que ninguém tinha feito até então: mexer na enroscadíssima estrutura tributária brasileira.

Muitos não sabem, mas a Reforma Tributária tem duas fases. Sobre a primeira, eu já falei bastante há algumas semanas, aqui nesse espaço mesmo. Todos achavam essa primeira fase quase impossível, mas a verdade é que ela passou com mais de 380 votos favoráveis na Câmara. A segunda fase, porém, soa bem mais difícil: modificar a tributação sobre renda e patrimônio. Haddad quer fazer o que ninguém nunca conseguiu fazer antes nesse país: quer fazer rico pagar imposto.

Ao contrário do que o Rodrigo Maia diz, rico não paga imposto no Brasil. Um levantamento da Oxfam mostrou que a tributação para quem tem rendimentos superiores a R$ 46.489,00 mensais é de SETE POR CENTO. Parece pouco, né? Pois a coisa fica ainda mais absurda quando você descobre que a tributação sobre aqueles que tem renda inferir a R$ 515,00 ao mês é de VINTE E OITO POR CENTO.

A camada mais pobre da sociedade paga percentualmente quatro vezes mais impostos que a camada mais rica. Colocando em números, essa percepção fica mais clara: quem ganha R$ 500 por mês acaba ficando em média só com R$ 360, porque R$ 140 viram tributação. Um rico que ganha R$ 500 mil ao mês acaba ficando, em média, com R$ 465 mil, e R$ 35 mil vão para o governo em forma de tributos. Parece absurdo. E é.

Muitos não sabem, mas a Reforma Tributária tem duas fases. Sobre a primeira, eu já falei bastante há algumas semanas, aqui nesse espaço mesmo. Todos achavam essa primeira fase quase impossível, mas a verdade é que ela passou com mais de 380 votos favoráveis na Câmara. A segunda fase, porém, soa bem mais difícil: modificar a tributação sobre renda e patrimônio. Haddad quer fazer o que ninguém nunca conseguiu fazer antes nesse país: quer fazer rico pagar imposto.

Haddad tem aventado uma solução para isso: taxar fundos exclusivos de investimento, conhecidos como “fundo dos super-ricos”. Tem uma genialidade oculta na proposta: os bancos usam a ideia de fundo exclusivo para prover um tratamento privilegiado para seus clientes mais ricos, oferecendo taxas de retorno de investimento maiores para esses clientes. Ninguém nunca tinha pensado antes em usar esse artifício de segregação criado pelos próprios bancos PARA COBRAR IMPOSTO DE RICO. Os bancos criaram, sem querer, um mecanismo fácil e eficiente para definir quem realmente é rico, e Haddad foi hábil o suficiente para fazer uma proposta de tributar esses retornos de investimento. Uma estratégia fácil e eficiente de fazer um imposto que incida APENAS sobre os ricos.

E convenhamos: rico não é o sujeito de classe média que financia uma SUV e faz financiamento habitacional na Caixa. Rico é gente com rendimento na faixa dos milhões. Essa turma paga pouquíssimo imposto e concentra metade da riqueza do país. E isso não é força de expressão: em 2021, o 1% mais rico concentrava 50% da renda brasileira. Isso quer dizer que, de cada dois reais que o Brasil produz, um real cai na mão dessa pequena parcela da sociedade muito rica. E quer dizer também que se o governo criar mecanismos para essa turma pagar mais impostos, o volume de riqueza envolvido é tão grande que os resultados dessa ação sozinha podem ser similares ao resultado de uma reformulação da estrutura tributária para todo o restante da sociedade. 

É por isso que a segunda batalha de Haddad tende a ser muito mais difícil que a primeira. Um outro fator salta aos olhos: 258 dos 513 deputados federais eleitos são milionários. Isso quer dizer que o 1% mais rico do país não abocanhou apenas metade da renda dos brasileiros: abocanhou também metade das vagas na Câmara dos Deputados.

Haddad vai ter que convencer esse grupo de pessoas a votar contra eles mesmos. Vai ter que convencer essas pessoas, que enxergam a Câmara como um local para fazer lobby para favorecer ricos, a votarem contra si mesmos. Olhando de maneira desapaixonada, parece uma tarefa impossível. Mas, em certo momento, também parecia impossível que o arcabouço fiscal e – principalmente – a Reforma Tributária passassem pela Câmara. Haddad vai ter que contrariar todas as expectativas mais uma vez. E, se conseguir, entrará para a História não só como o melhor Ministro da Educação que o Brasil já teve, mas também como o melhor Ministro da Fazenda que o Brasil já teve.

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Ligeiro

21/07/2023 - 19h56

Lembro-me que a implicância no governo paulistano na era Haddad era justamente as políticas que atacavam algumas “elites” – como a dos gearheads criminosos (pleonasmo) e dos especúladores imobiliários.

Dado que a batalha que ele teve foi no meio para o fim do mandado, resultou na imagem negativa durante sua gestão de prefeito. A imagem de “pintor de faixa de ciclista” e de mal gestor em outros pontos perspergou (fora que já estávamos em um processo de “queima da imagem do PT”)

Agora em início de mandato, é mais fácil de certa forma batalhar contra as elites – no caso agora as elites econômicas. No aguardo do embate.

Efrem Ventura

21/07/2023 - 10h18

Até onde eu sei esse tal de Haddad (que andava na rua até pouco tempo atras com na cara a mascara de uma pessoa pluricondenada por corrupçào e lavagem de dinhero dizendo que ele mesmo nao era ele mas o cara da mascara, é norma isso ?) faz parte de um governo no qual é subordenado a outra pessoa:

https://www.cnnbrasil.com.br/economia/quaest-86-do-mercado-avalia-governo-lula-como-negativo-2-considera-positivo/


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