A denúncia contra a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro por racismo religioso durante a campanha presidencial no ano passado foi arquivada pelo Ministério Público Federal.
Em agosto de 2022, ela compartilhou nas redes sociais um vídeo do atual presidente Lula (PT) em um ritual do candomblé e afirmou que o então candidato havia “entregue a alma para vencer a eleição”. À época, diversas lideranças religiosas repudiaram o comentário e o classificaram como um episódio de racismo religioso.
“Lula já entregou sua alma para vencer essa eleição. Não lutamos contra a carne nem o sangue, mas contra os principados e potestades das trevas. O cristão tem que ter a coragem de falar de política hoje, para não ser proibido de falar de Jesus amanhã”, dizia a legenda. O post foi inicialmente publicado pela vereadora Sonaira Fernandes.
Em conjunto ao comentário da então vereadora, Michelle escreveu “Isso pode, né? Eu falar de Deus, não”.
O procurador Frederico de Carvalho Paiva, quem assinou o documento, afirmou que o que a ex-primeira-dama de fato comentou não era considerado um ataque à religião africana, mas, sim, apenas um “reclame quanto a uma possível intolerância sofrida pela sua crença”. Dessa forma, a fala pode ser considerada liberdade de expressão.
“Por tudo isso, a postura da investigada, apesar de ter conotação preconceituosa, intolerante, pedante e prepotente, encontra guarida na liberdade de expressão religiosa e, em tal dimensão, não preenche o âmbito proibitivo da norma penal incriminadora”, continua Paiva.
A retirada da denúncia contra Michelle Bolsonaro acontece na mesma semana em que começa o encontro regional voltado para as religiões de matriz africanas. O “Abre Caminhos” é uma iniciativa da ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, para ouvir lideranças e comunidades de tais crenças com o intuito de elaborar políticas voltadas ao enfrentamento do racismo religioso que os acomete.
A intolerância religiosa é um conjunto de ideologias e possíveis violências verbais e físicas contra crenças, rituais e práticas religiosas consideradas não hegemônicas, ou seja, que fogem das crenças comuns no Brasil – o cristianismo. Em um levantamento publicado em janeiro deste ano, foi indicado o crescimento deste fenômeno no Brasil.
O Centro de Articulação de Populações Marginalizadas e o Observatório das Liberdades Religiosas com apoio da Representação da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura) produziram o 2º Relatório sobre Intolerância Religiosa: Brasil, América Latina e Caribe. Em 2021, por exemplo, os dados são de que pelo menos 244 casos de preconceito religioso notificados foram contra religiões de matriz africana, como o candomblé.