Chefe das Nações Unidas lamenta decisão da Rússia de abandonar acordo que permitiu exportação de grãos da Ucrânia, afirmando que medida será “golpe” para aqueles que sofrem com inflação do preço dos alimentos.
Publicado em 17/07/2023
DW — O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, “lamentou profundamente” nesta segunda-feira (17/07) a decisão da Rússia de se retirar do acordo de grãos do Mar Negro. Segundo Guterres, centenas de milhões de pessoas mundo afora que já sofrem com a inflação de alimento “vão pagar o preço” dessa decisão.
“Lamento profundamente a decisão da Federação Russa de encerrar a implementação da Iniciativa do Mar Negro – incluindo a retirada das garantias de segurança russas para a navegação na parte noroeste do Mar Negro”, disse o líder da ONU, em comunicado.
“Centenas de milhões de pessoas passam fome, e os consumidores enfrentam uma crise global de custo de vida. Elas vão pagar o preço”, afirmou Guterres, acrescentando que a decisão do governo russo “será um golpe para as pessoas necessitadas em todos os lugares”.
Saída russa
Mais cedo, o Centro Conjunto de Coordenação estabelecido em Istambul para gerir o acordo para a exportação de grãos da Ucrânia através do Mar Negro foi notificado de que a Rússia estava se retirando de “forma imediata” dessa iniciativa, que permitiu a exportação de mais de 32 milhões de toneladas de grãos da Ucrânia para 45 países em três continentes enquanto o país era acossado pelas forças invasoras russas.
Segundo a ONU, os grãos produzidos na Ucrânia se transformam em alimento para 400 milhões de pessoas em todo o mundo. Por isso, quando a Rússia invadiu o país vizinho em fevereiro de 2022, muitos países apontaram o risco de aumento da fome, e a insegurança alimentar se acentuou especialmente na África e no Oriente Médio.
A Rússia e a Ucrânia chegaram a esse acordo há um ano com a mediação da ONU e da Turquia, que nas últimas semanas multiplicaram os seus esforços para conseguir uma nova prorrogação do acordo. O pacto expirou nesta segunda-feira após duas prorrogações, nos meses de março e maio.
O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, havia dito na semana passada que discutiu e concordou com o mandatário russo, Vladimir Putin, sobre a necessidade de estender o acordo, em meio a críticas de representantes do Kremlin de que a parte do pacto que deveria facilitar a exportação de alimentos e fertilizantes russos foi sistematicamente negligenciada.
O acordo foi negociado em meio à crise alimentar desencadeada pela interrupção, como resultado da guerra, da queda de produção de produtos agrícolas – especialmente grãos e certos derivados, além de fertilizantes – de ambos os países, que estão entre os maiores exportadores de grãos do mundo.
Os países mais pobres, em particular, foram beneficiados: cerca de 64% do trigo foi para países em desenvolvimento, enquanto o milho foi exportado quase igualmente para países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A iniciativa incluía partidas de carga dos portos ucranianos de Odessa, Chornomorsk, Yuzhny/Pivdennyi. No entanto, as inspeções de navios com destino à Ucrânia para carregamento de produtos diminuíram consideravelmente desde março, fazendo cair o ritmo das exportações. Essas inspeções foram realizadas principalmente por agentes russos para garantir que mercadorias não autorizadas não fossem transportadas.
As principais reivindicações que a Rússia considera não satisfeitas são a reconexão de seu banco agrícola, o Rosselkhozbank, ao sistema bancário internacional Swift, o fim das sanções sobre peças sobressalentes para máquinas agrícolas, o desbloqueio de logística e seguros de transporte e o descongelamento de ativos.
Rússia nega que saída tenha relação com ataque
Após a ONU se manifestar, a Rússia confirmou a decisão de se retirar do acordo. “Na verdade, os acordos do Mar Negro deixaram de ser válidos hoje”, disse o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, a repórteres. “Infelizmente, a parte desses acordos do Mar Negro em relação à Rússia não foi implementada até agora, então seu efeito foi encerrado.”
“Assim que a parte russa dos acordos for cumprida, o lado russo retornará à implementação deste acordo, imediatamente”, completou Peskov. O porta-voz negou que a decisão de não renovar o acordo esteja relacionada a um ataque contra a ponte entre a Rússia e a Crimeia ocupada, que foi atribuído às forças ucranianas.
O chefe das Nações Unidas cita que havia discussões em curso sobre alternativas para sanções impostas, parte das exigências do governo russo para renovação do acordo.