A última semana antes do recesso parlamentar foi gloriosa para o governo Lula. A Reforma Tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados de uma forma que deixou a oposição constrangida e sem nenhuma narrativa possível, a ponto de Altineu Cortês, líder do PL na Câmara dos Deputados, tentar emplacar justificativas estilo “o PL sempre apoiou a reforma, inclusive esse texto foi feito pelo Paulo Guedes, só votamos contra porque queríamos que ela fosse mais discutida”. Não deve convencer ninguém, mas pelo menos dá pra servir de justificativa na reunião interna do partido quando perguntarem “por que 20 parlamentares do PL votaram a favor da Reforma?”
Além disso, a Câmara ainda aprovou o restabelecimento do voto de desempate nos julgamentos do CARF. Na prática, isso quer dizer que, em caso de decisão dividida nos julgamentos, o desempate fica a cargo do representante da Fazenda Nacional. Isso deve trazer um incremento considerável nas decisões favoráveis ao governo dentro do órgão – e, por consequência, deve ajudar a equilibrar o orçamento. A semana foi tão boa que o Ministro da Fazenda Fernando Haddad teve tempo até de fazer as vezes de superstar numa entrevista com a Natuza Nery tocando Blackbird, dos Beatles, enquanto contava com tranquilidade e parcimônia a respeito de suas peripécias para conseguir ter um final de primeiro semestre tão produtivo.
Para melhorar, os dados econômicos estão ótimos. As projeções gerais de crescimento do PIB estão melhorando, e o Brasil chegou a registrar deflação em junho, o que aumenta a pressão sobre o Banco Central para reduzir a taxa SELIC já na reunião de agosto do COPOM. Até mesmo o IBC-BR de maio, feito pelo próprio Banco Central, que registrou queda de 2% na atividade econômica, serve de argumento para a pressão do governo Lula pela queda da Selic – manter a taxa Selic nos patamares atuais restringe a atividade econômica, impedindo o crescimento da economia. Se alguém imaginasse um cenário desses há seis meses atrás, quando uma tentativa de golpe de estado estava em andamento e o orçamento público era caótico, seria visto como pouco realista.
Ao mesmo tempo em que esse cenário positivo parece alentador para o segundo semestre, porém, o centrão cobra a fatura das aprovações. E cobra a fatura via imprensa. Então surgem notícias de Reforma Ministerial, sempre com mensagens cifradas das fontes, no melhor estilo “uma fonte do Centrão garantiu que as mudanças já teriam o aval de Lula”, “PT e PSB devem perder espaço para Centrão com Reformas” e “alguns Ministros não tem tido desempenho satisfatório”. Tudo abstração de quem não tem nada garantido e já viu que não vai conseguir os espaços desejados.
Os alvos sempre são os Ministros da “cota pessoal” de Lula. A única mudança que ocorreu de fato por questões de desempenho foi a ocorrida no GSI, em que o General Amaro substituiu o General Gonçalves Dias em um cenário claro de quebra de confiança em relação aos eventos de 08 de janeiro. No Turismo, Daniela Carneiro deixou o cargo na última semana para Celso Sabino, indicado do União Brasil. Tudo indica que o próximo a cair será Marcelo Freixo, que hoje é superintendente da Embratur.
Mas o movimento tem um escopo maior. Os alvos da vez são o Ministério do Esporte e a Caixa Econômica Federal. Republicanos e PP seriam os partidos a ingressarem no governo. Até nomes já teriam sido definidos: Sylvio Costa Filho, do Republicanos, assumiria o Ministério do Esporte e Gilberto Occhi, do PP, assumiria a Caixa Econômica Federal. A coincidência? Sairiam duas mulheres, Ana Moser no Esporte e Maria Rita Serrano na Caixa.
No caso de Sylvio Costa Filho, argumentos vazios como “ele tem experiência com esporte” vem à mesa. É impossível fazer qualquer avaliação consistente do trabalho de Ana Moser nesses primeiros seis meses, muito porque o governo Bolsonaro desmontou completamente as políticas de incentivo ao esporte. Reconstruir políticas é muito mais difícil que destruí-las, e qualquer plano estruturado de atuação na área leva tempo para sair do papel.
Para piorar, Gilberto Occhi foi o Presidente da Caixa durante a gestão de Michel Temer. Não teve o desempenho grotesco do assediador Pedro Guimarães, mas criou as condições para o desmonte do banco, que depois foi sequestrado para virar ferramenta eleitoral visando a reeleição de Bolsonaro.
Nos seis primeiros meses, o trabalho da atual presidente Maria Rita Serrano foi basicamente entender o tamanho do estrago, e tem órgão de imprensa dizendo que “ela teve desempenho abaixo do esperado”. Pode até ser que ela saia, mas não faz sentido nenhum falar em desempenho ruim em um cenário de terra arrasada deixada pelo governo Bolsonaro. Que, é bom lembrar, tinha em Gilberto Occhi um de seus apoiadores.
Se levarmos em conta o lobby recente contra a Ministra da Saúde Nísia Trindade, outro caso em que o centrão já tinha até um “futuro Ministro da saúde” pronto para assumir, em mais uma especulação alimentada pela imprensa, já são três mulheres como alvo dos deputados do centrão.
É bom dizer: o centrão é machista, misógino e quer sufocar a participação das mulheres na política. É um bando de latifundiário e de empresário que quer levar pra Brasília as relações de poder locais que garantem a eleição deles. Muitos, como o próprio Sylvio Costa Filho, tem como grande currículo ser de uma família de políticos. É a replicação mais tosca das elites atrasadas do país, e é bom dizer: há uma parte da imprensa que denuncia esse movimento do centrão pela diminuição do espaço das mulheres em Brasília.
Outra parte, porém, segue abraçada com o centrão. Em parte, porque sabem que os escândalos de corrupção sempre virão do centrão, mas a culpa nunca será atribuída ao centrão. O centrão é a elite perniciosa desesperada para se vender pelo melhor preço possível. Desesperada para corromper todos os espaços de poder possíveis. E, depois que os escândalos surgirem, bastará usar a mesma imprensa para dizer “é tudo culpa do Lula, ele que é corrupto”.
O Centrão não sabe ser oposição. Quando foi oposição, entre 2015 e 2016, provocou o impeachment de Dilma Rousseff. Hoje, com Lula popular e a economia se recuperando, não tem nem de longe as mesmas condições de pleitear algo do tipo. A missão, então, é a de tentar encontrar fraturas no governo para ir ocupando os espaços, tal como o musgo nas rachaduras da parede do quintal.
Resta ao governo Lula ter a mesma firmeza que teve para reafirmar a força de Nísia Trindade como Ministra da Saúde também nos casos do Ministério do Esporte e da Caixa. Porque a participação feminina e a “cota pessoal” de Lula são, em grande medida, fatores que conferem uma identidade própria a esse governo. Uma identidade que não só renega o bolsonarismo, mas também tem como missão reconstruir aquilo que os quatro anos de governo Bolsonaro destruíram.
Fábio
21/07/2023 - 09h57
Muito boa análise. O Cafezinho vai provando que tem o que falta em muitos jornais, conteúdo. Replicar matérias de outros jornais é fácil, ampliar a visão em relação ao fato comconteúdo, o Cafezinho FAZ!
Ligeiro
17/07/2023 - 20h31
O problema é que o Centrão é o eco da população que o elege – àqueles que literalmente vendem o voto e/ou são amigos dos amigos dos amigos dos amigos dos conhecidos dos parentes dos conectados aos tão ligados lá de alguma parte do poder conhecido (legal ou ilegal).
Combater o Centrão deveria ser um verdadeiro trabalho de base: pegar estas pessoas e mostrar a elas que ser honesto compensa no Brasil mais do que ser desonesto e cínico – um padrão comum nos eleitores tipo “Centrão”.
O eleitor tipo “Centrão” é o que troca o voto por cesta básica ou até mesmo por dinheiro. Este é o problema.
Luise
17/07/2023 - 18h33
Obrigada pelas análises Leonardo. O dito “centrão” é a direita do mundo, e não tem pudores democráticos, exploram o Genocida e Lula sem preconceito. Tomara que Lula mantenha a Ana Moser e a Maria Rita Serrano. E é fato, a imprensa adora preservar a direita da corrupção e atribuir ao Lula pessoalmente. Abraços.