Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), antecipado pelo GLOBO, revelou que mais de 70,3 milhões de brasileiros enfrentaram algum tipo de insegurança alimentar no período de 2020 a 2022, durante a pandemia de Covid-19. Esse número representa um aumento de 14,6% em relação ao levantamento anterior, que apontava 61,3 milhões de pessoas nessa situação entre 2019 e 2021. Em outras palavras, aproximadamente uma em cada três pessoas no país passou necessidade para se alimentar nos últimos anos.
Os dados fazem parte do relatório “O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo” (SOFI). Dentro desse total, cerca de 21,1 milhões de brasileiros, o equivalente a 9,9% da população, enfrentaram insegurança alimentar severa, ficando sem comida por um ou mais dias. Esse número representa um aumento de 37% em relação ao levantamento anterior.
O Brasil voltou ao Mapa da Fome da ONU, uma marca negativa que não era atingida desde a década de 1990. Isso ocorre quando mais de 2,5% da população enfrenta falta crônica de alimentos. Entre 2014 e 2016, aproximadamente 4 milhões de brasileiros sofriam de insegurança alimentar grave, de acordo com dados da FAO.
O relatório destaca que a reação instável do país aos choques mundiais, como a pandemia, está entre as causas dessa situação alarmante. A suspensão do Auxílio Emergencial em 2021, as eleições e o desmonte das políticas alimentares foram citados como fatores que contribuíram para o aumento da insegurança alimentar.
O professor Marcelo Neri, diretor do FGV Social, descreveu os dados como “chocantes” e ressaltou que o Brasil, conhecido como um dos maiores produtores de alimentos do mundo, ter um terço de sua população enfrentando insegurança alimentar é preocupante. Ele apontou que a instabilidade nas políticas de renda do país e a falta de investimento em programas alimentares contribuíram para esse cenário.
No entanto, há perspectivas positivas para o futuro, pois programas como o Bolsa Família foram restabelecidos com valores mais altos e as políticas alimentares estão sendo retomadas tanto pelo governo federal quanto pelos estados. O relatório também destacou o agravamento da desnutrição infantil, ressaltando a importância de abordar essa questão a longo prazo.
Globalmente, o relatório revelou que, em média, 735 milhões de pessoas passaram fome em 2022, um aumento de 122 milhões em relação a 2019, antes da pandemia. Conflitos climáticos, a pandemia de Covid-19 e outros fatores, como a guerra na Ucrânia, foram citados como causas para o cenário de insegurança alimentar em todo o mundo.
António Guterres, secretário-geral da ONU, ressaltou a necessidade de um esforço global intenso e imediato para alcançar as metas nutricionais estabelecidas até 2030 e eliminar a fome. O relatório também destacou a falta de acesso a dietas saudáveis, afetando mais de 3,1 bilhões de pessoas no mundo, e os desafios enfrentados em regiões específicas, como a África, onde uma em cada cinco pessoas passa fome.