Por Fernando Mendonça
Como explicar a dificuldade do presidenciável Ciro Gomes (PDT) em reunificar a sua base no estado do Ceará? É uma surpresa o conflito entre Ciro e seu irmão, o senador Cid Gomes (PDT), e Camilo Santana (PT), ex-governador do Ceará?
Talvez, para quem acompanha a trajetória do ex-ministro Ciro Gomes, não seja inesperado a crise, que não é um mero conflito pontual, mais de um processo de desgaste. Quem acompanha o presidenciável Ciro sabe, mesmo que intuitivamente, das fragilidades do paradoxo Ciro-Ceará que sustentavam tanto as pretensões nacionais de Ciro como a manutenção da hegemonia política do grupo Ferreira Gomes no estado cearense.
Mas o que é um paradoxo? Um paradoxo caracteriza-se como uma figura de pensamento na qual encontramos duas ou mais ideias aparentemente contraditórias convivendo, simbioticamente, no mesmo sistema, no mesmo conjunto. É a convivência simultânea do lógico e do ilógico, da coerência com a incoerência. Em um paradoxo condicional, por exemplo, encontramos uma relação de causa e consequência na qual o problema demanda uma solução que cria um novo problema que demanda uma nova solução, e assim persiste, em um círculo constante e permanente.
O paradoxo Ciro-Ceará consiste na aventura nacional do eterno prodígio cearense, Ciro Gomes, galgando a presidência da República, com um projeto apoiado estruturalmente na crescente e influente estrutura do seu grupo político batizado localmente como os “Ferreira Gomes”, grupo este comandado pelo irmão mais novo de Ciro, o Cid Gomes.
O “foco” do grupo local dos “Ferreira Gomes” é a hegemonia política local. Este tem em Ciro o grande propagandeador dos feitos administrativos do grupo, criando uma força de opinião pública positiva de fora pra dentro. Beneficiando todos os postulantes do grupos “Ferreira Gomes”.
É paradoxal para Ciro. Foco da estrutura cearense é local, mas ele sempre depende dela para tentar vencer as eleições presidenciáveis. E, no paradoxo, ficou sempre fica um questionamento: se houve uma real ou suficiente mobilização da estrutura Ceará em prol da aventura nacional Ciro. Tudo indica que não. Pois o enfoque é local.
Algo sempre ficava no ar, a cada ciclo de manifestação do paradoxo, era: o que aconteceria no dia que uma candidatura nacional de Ciro Gomes não fosse “politicamente” interessante ao futuro local dos “Ferreira Gomes”? Qual seria a opção? Hoje, sabemos a opção, mas apensar o pensamento dessa possibilidade sempre causou calafrios. Pois o paradoxo surge para acomodar o desejo pessoal de Ciro Gomes de comandar o país. E Ciro se sente pai da criação do seu grupo político, e, em si, se dá os loiros da sua força. Pensa que os membros pujantes do grupo têm para consigo uma relação de gratidão. Ciro teria abertos “portas” com seus governos em Fortaleza e em Ceará. Feito “sacrifício” ao não concorrer a cargos majoritários para abrir espaço para outros nomes. “Corrido” o Brasil, usando de seu tempo, para divulgar os feitos dos grupos. Sim, há uma gratidão. E ninguém parece negar. Todavia, qual o limite dessa gratidão?
O tempo passa, os feitos multiplicam, os autores também. Feitos do passado, começam a ficar no passado. Até 2018, a balança do paradoxo sempre pendeu pra Ciro. O paradoxo valia a pena localmente. Mas para Ciro nunca houve essa coisa de balança. E esse é o ponto. E por isso esse tema causava tanto arrepio. Ciro se fiava tão cegamente em seu grupo como seu, que se recusou a montar estruturas nacionais que dessem suporte as suas pretensões.
Mesmo em 2018, com o surgimento da Turma Boa, Ciro declinou de profissionalizar e empoderar sua militância. Preferiu ignorar a energia de movimento que exista, para evitar atritos com a política tradicional, mas o fez, porque ele nada, teoricamente, perdia já que tinha a estrutura Ceará que “daria conta do recado”.
E aqui conseguimos entender porque a facada foi tão doída. De Ciro se autoperceber das inúmeras declinações feitas, confiando estar numa zona de segurança que não existia. Chegou ao ponto de jogar fora a oportunidade de criar uma nova estrutura independente, forte, nacional de apoio as suas pretensões, por comodismo, achando que já tinha uma estrutura ‘Sua”.
Mostra qual era o seu nível de fé na “sua” estrutura cearense. Por certo, muitos ao seu redor se incomodavam com a relação de Ciro para o grupo, mas como se trata isso? Enquanto interesses convergem, tudo é administrável, mas quando não, tem os conflitos. E é a Cid Gomes, “homem de confiança” de Ciro a quem cabia administrar a relação. Era quem podia entrar em discussões acaloradas com o irmão. O mesmo Cid que para muitos era o grande líder da estrutura.
O paradoxo Ciro-Ceará sempre foi um paradoxo frágil, uma simbiose que dependia de um contexto fático: que o projeto nacional de Ciro favorece a as eleições do grupo local no Ceará. Foi em 2018, que Ciro e sua militância tornou nacionalmente conhecido o experimento educacional de Sobral, uma referência mundial. Isso favorece localmente, favorece que se mantenha o paradoxo.
O ciclo de 2022 que fez com que tudo isso mudasse. A presidência de Bolsonaro realmente se mostrou caótica. Temos a pandemia. Ao grupo do Ceará Ciro já sinaliza, que, ao contrário, de 2018, naturalmente teria os votos da esquerda, num desejo nacional de impedir a reeleição de Bolsonaro. Ele seria o “cara” para esse papel.
Todavia, o ex-presidente Lula, para a surpresa geral, tem a sua prisão anulada pela Justiça. O trator eleitoral Lula entra em cena. O player a quem Bolsonaro sempre antagonizou. Pesquisas começam a sair, mostrando a força eleitoral de Lula, principalmente no nordeste. E uma pergunta começa a surgir: “faremos campanha contra Lula?” A base local começa a precificar qual lhes seria o cenário mais favorável.
A conclusão que se chega é: não valia a pena o paradoxo Ciro-Ceará para 2022. A balança não pendia mais pro Ciro. E vem o constrangimento a fazer Ciro perceber que o grupo Ferreira Gomes não era seu. Ciro reage, consegue algumas vitórias. Todavia algo era certo: a estrutura Ceará não abraçaria Ciro Gomes 2022.
Ciro fica isolado. Perde as eleições e alcança a trágica votação de 3%.
A sensação pra Ciro que fica é de traição. Ciro, rompe com seu irmão Cid. Ataca fortemente seu ex liderado Camilo Santana. Relembra seus próprios feitos, cobra a fatura de que “com 50 anos se tornou inelegível para que Camilo Santana e Cid Gomes pudessem estrelar na política cearense”. Fala dessa dívida de gratidão não cumprida em nome da política local e da força de Lula e PT. E de como sangra a facada…
Hoje Ciro tenta se pôr como Odisseu.
O herói mitológico grego ODISSEU, Rei de Ítaca, teve de deixar sua ilha para lutar na guerra de Tróia, deixando sua esposa, a rainha Penelope, e seu filho na ilha. Dez anos de guerra se passam e Odisseu inicia a viagem de volta. Tem vários insucessos de retornar a sua ilha, por causa diversos percalços.
A viagem dura mais 17 anos da viagem de Tróia até Ítaca. E durante nesse tempo, Penelope é pressionada pela elite de Ítaca para que se casasse novamente e constituísse um novo rei. Mas Penelope cria vários subterfúgios pois confiava no retorno de Odisseu. Odisseu retorna a Ítaca, Atena lhe disfarça de mendigo, e assim ninguém na ilha reconhece ao seu rei, apenas o seu velho cão, já cego, que sempre aguardava o retorno de seu dono. Odisseu percorre a ilha, vê o estado de abandono que as disputas causaram.
Penélope em seu último subterfúgio diz que aquele que conseguir atesar o arco de Odisseu, poderia se casar com ela. Porém, nenhum dos pretendentes conseguem. Então o mendigo se aproxima do arco, sob protestos. Odisseu pega o arco, e para surpresa de todos, o consegue preparar. Ao ver Odisseu atesando o arco, Penelope o reconhece. Odisseu se revela e reprime as amotinações contra o seu reinado.
Não é certo se Ciro é Odisseu. Odisseu deixou sua ilha, foi guerrear. Ciro nunca precisou sair do seu Estado. Toda a gestão e atos dos Ferreira Gomes foram tomadas com sua ciência e defesa contundente. Mas Ciro agora tenta relembrar o povo cearense de seus feitos. Mostrar que ele é Ciro Ferreira Gomes, um dos grandes governadores da história do Ceará. O problema que o Cid Gomes também é, e o Camilo Santana também o é. Alerta para um tamanho exacerbado de Camilo Santana. Ciro entrou numa guerra de narrativas para retomar o protagonismo e a força do grupo.
Os desdobramentos políticos poderão ser diversos. Agora, brevemente Ciro descobrirá se Penelope, o povo cearense, aguardou o seu rei.
Será possível restaurar esse paradoxo? O tempo dirá. Não duvido que Ciro e Cid voltem a sua boa dupla, mas com certeza a relação mudou e não voltará a ser a mesma. Mas, em algum momento voltará. A questão é: quando.
Fernando Mendonça é jurista e fundador da Rede Ciro (Cirao Carioca/Ciro Gomes Memes)
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