Durante uma entrevista para a Rádio Gaúcha nesta quinta-feira (29), Lula chamou o golpe militar de 1964 de “revolução”. Há anos atrás, daria para achar que era só uma gafe, uma troca infeliz de palavras. Acontece que os últimos 10 anos não permitem esse tipo de luxo.
No começo do mês, durante a cerimônia do Dia do Meio Ambiente, Lula fez um discurso forte e mencionou a Polícia Rodoviária Federal (PRF) e as Forças Armadas como instrumentos de preservação ambiental. Não falou da Marina ou do seu ministério, tampouco do IBAMA, FUNAI ou ICMBio.
Ontem mesmo, Lula voltou a empoderar os militares ao garantir a continuidade do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e, ao que tudo indica, colocar civis para serem subordinados aos militares. Algo incompatível com a democracia.
O “prêmio” para os fardos vem depois de 6 meses de notícias quase que semanais denunciando o envolvimento de militares em tramas golpistas e delinquências. Hoje mesmo, foi revelado que a Polícia Federal investiga um tenente-coronel do Exército que agia avisando garimpeiros sobre ações de combate ao crime organizado que se tornou o garimpo na Amazônia.
O ministro da Defesa, José Múcio, afirmou recentemente que acreditava não haver mandantes ou líderes na série de crimes cometidos em Brasília durante o 8 de janeiro. Essa declaração foi prontamente usada pela defesa de Jair Bolsonaro para tentar fugir da inelegibilidade.
Não é a primeira vez que Múcio entra na contramão dos anseios de uma democracia mais forte no Brasil. Além de não desmontar os acampamentos ao redor do Brasil, que eram agrupamentos de criminosos, ele simpatizou com eles ao afirmar ter parentes e amigos envolvidos naquilo. Múcio segue tão firme no cargo quanto Lira na presidência da Câmara.
Essa faceta de Lula não é novidade. O caos que culminou na eleição de Jair Bolsonaro começou ainda no seu primeiro mandato, quando decidiu devolver o protagonismo político dos militares como parte de suas ambições de protagonismo internacional do Brasil. Das missões da ONU até o uso de operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLOs), não é à toa que a maioria dos generais e oficiais que despontaram na política nos últimos anos vieram de alguma missão da ONU ou de alguma GLO.
Por isso, é difícil acreditar que trocar golpe por revolução seja apenas uma gafe. É mais uma vez o bom e velho Lula em seu esforço destrambelhado para se aproximar dos militares, que nutrem um ódio injustificado e visceral por ele.
Pacificar o país não é anistiar todo e qualquer criminoso, tampouco virar páginas sem ao menos lê-las. Pelo contrário! É fortalecer a lei, a constitucionalidade e o Estado Democrático de Direito, algo que Lula não está fazendo.
É óbvio que Lula, diferente do ex-presidente Jair Bolsonaro, não ataca as instituições, suscita conflitos com outros poderes ou ameaça eleitores. Mas ao mesmo tempo, ao encerrar a era das agitações institucionais, Lula reinaugura a era do marasmo democrático. Todos nós sabemos onde esse caminho nos levou.
Lula pode conseguir quantos avanços sociais quiser, aumentar o poder de compra, derrubar os juros, elevar a população brasileira, mas nada disso adianta ou bastará sem uma democracia sólida. Exagero?
Basta ver a queda do poder de compra, direitos e a destruição de conquistas sociais ocorridas após a queda de Dilma Rousseff, apagadas como lápis numa folha de papel.
A garantia de direitos sociais passa pelo fortalecimento da democracia. E, pelo visto, Lula ainda não aprendeu isso.