Na última semana, parte da imprensa resolveu encampar a campanha absurda do centrão para conseguir mais cargos e influência no governo Lula.
A Revista Veja publicou até um perfil do “Ministro da Saúde do Centrão”, o Dr. Luizinho, do PP, atual Secretário de Saúde do governador Cláudio Castro, como uma forma de pressionar o governo Lula em relação ao pleito absurdo encampado por Arthur Lira e amigos de tirar Nísia Trindade do Ministério da Saúde. A Veja também tentou criar uma crise no Ministério da Saúde para atingir diretamente Nísia Trindade, requentando uma pesquisa sobre uso de drogas feita entre 2014 e 2019 pela Fiocruz – então sob comando de Nísia – e terminou barrada pelo governo Bolsonaro por motivos ideológicos. Bolsonaro alegou irregularidades na pesquisa e, embora todo mundo saiba que isso foi só uma muleta para ocultar o viés ideológico da decisão, a Veja resolveu ressuscitar esse caso, muito por não ter nenhuma acusação minimamente consistente contra a ministra.
Aparentemente, o pessoal da Editora Abril pensa que ainda está em 2011. No ano de 2011, cinco ministros caíram após denúncias veiculadas pela revista: Antonio Palocci caiu da Casa Civil em junho, após denúncias da revista em relação a evolução de seu patrimônio; em seguida, Alfredo Nascimento deixou o Ministério dos Transportes; algum tempo depois, Wagner Rossi pedir demissão do Ministério da Agricultura; o ministro Pedro Novais saiu do Ministério do Turismo; e, finalmente, o Ministro Orlando Silva caiu do Ministério do Esporte, no célebre caso da tapioca de R$ 8,30 bancada com cartão corporativo. Hoje as denúncias que levaram a queda desses ministros soem meio desproporcionais em um cenário de orçamento secreto e gastos de milhões de reais no cartão corporativo de Jair Bolsonaro, mas na época mostraram a força da Revista Veja em impor pautas negativas o governo Dilma, que gozava de alta popularidade em seu início.
Essas mudanças causaram impactos importantes no governo Dilma. O Congresso era muito mais refratário ao nome de Gleisi Hoffman, por exemplo, do que ao nome de Antonio Palocci. No Ministério dos Transportes, Paulo Sérgio Passos, que já havia sido ministro duas vezes no governo Lula, assumiu novamente. No Ministério da Agricultura, a vaga ficou com mendes Ribeiro Filho, que ficou no Ministério até 2013 e faleceu em 2015 após dois anos de luta contra um câncer no cérebro. No Turismo, Gastão Vieira, do PMDB, assumiu a vaga. E nos Esportes, Orlando Silva deu seu lugar a Aldo Rebelo, o que teve efeitos bem complicados, uma vez que a convivência no corpo ministerial foi um dos fatores que gabaritaram Aldo Rebelo a ser indicado por Dilma para o Ministério da Defesa entre 2015 e 2016. Hoje, Aldo Rebelo é um dos quadros mais controversos da política brasileira, e essa é uma análise bastante generosa. Na prática, Aldo se tornou um defensor dos militares e um dos propagadores da Quarta Teoria Política no país, patrocinando grupos nacionalistas como a Nova Resistência, que tem quadros dentro do PDT (hoje Aldo está no PDT) e flerta com filosofias abertamente militaristas – para não dizer fascistas – como a de Ivan Ilyin, filósofo russo que é uma das grandes inspirações de Vladimir Putin. (não confundir com Aleksandr Dugin, que também é inspiração para o Putin, a Nova Resistência e o Aldo Rebelo, mas é outro filósofo e ainda está vivo).
A questão é que quando um governo monta seu ministério, ele cria uma identidade. Aquela foto que Lula tirou com todo o corpo ministerial no final do ano passado não é só uma foto, é como o governo Lula quer que seu governo seja visto pela posteridade. Ninguém cria um corpo ministerial com a intenção de modificá-lo no curto prazo. Não à toa, a única mudança até o momento foi no GSI: o General Gonçalves Dias saiu quando foram reveladas as imagens de sua chegada no Palácio do Planalto no infame episódio de 08 de janeiro. Nesse caso, a quebra de confiança foi absoluta, uma vez que o próprio Gonçalves Dias tinha dito a Lula que essas imagens não existiam. Até agora, não caiu nem mesmo Daniela Carneiro, que segue brigando com o União Brasil, partido que a indicou para o cargo de Ministra do Turismo e “quer o cargo de volta”.
Ao pressionar Nísia Trindade com o apoio da Veja, o centrão quer assumir as rédeas do país. Desde 2015, uma sucessão de Executivos fracos fizeram com que o Brasil caísse numa situação absurda de viver uma espécie de parlamentarismo “na prática” e sem contrapartidas. O governo Lula quer mudar essa realidade, mas o Congresso (e especialmente a Câmara dos Deputados, comandada por Arthur Lira) quer manter as relações de poder cultivadas durante os governos Temer e Bolsonaro intactas. Ter que contar com a boa vontade dos colunistas da Veja nesse cabo de guerra é sinal de que as coisas não estão saindo como o esperado para o grande depósito de deputados de baixo clero que se tornou a Câmara dos Deputados.
Esse parlamentarismo sem contrapartidas se tornou uma realidade entre 2015 e 2016. Naquele momento, os poderes Executivo e Legislativo também participaram de um cabo de guerra. Eduardo Cunha jogava com a possibilidade de aceitar um dos pedidos de impeachment contra Dilma, enquanto o governo federal tentava fazer avançar um processo de cassação de Eduardo Cunha no Conselho de Ética da Câmara, e torciam para que as ações contra o deputado no STF prosperassem. No final, Eduardo Cunha ganhou a corrida e foi o grande responsável pela cassação do mandato da Presidenta Dilma, mas também saiu alvejado: foi afastado da Presidência da Câmara pelo STF e preso meses depois, no contexto da Operação Lava Jato.
Agora, Arthur Lira parece querer emular a mesma corrida contra Lula, o que soa como um imenso equívoco. Reclama, por exemplo, da não liberação de emendas pelo Executivo. Na prática, ele gostaria que a lógica do orçamento secreto continuasse alimentando esquemas como o dos kits robótica nas escolas de Alagoas. Por umas dessas grandes ironias da política, porém, é justamente o orçamento secreto que pode ser o golpe decisivo contra Lira: a PF descobriu que seu principal assessor, Luciano Cavalcante, realizou onze depósitos não declarados para “Arthur”. É de se imaginar quem é o “Arthur” em questão.
Como se isso não fosse suficiente, Lula, ao contrário da Dilma de 2015, é um presidente que goza de popularidade, e essa popularidade tende a aumentar com a melhoria dos indicadores econômicos, ainda que não na velocidade esperada por fatores como “existe um bolsonarista comandando o Banco Central”. Não há a menor possibilidade de um pedido de impeachment prosperar, e nem mesmo os lobbies por mudanças de Ministras estão funcionando. Hoje, o Centrão acha que está em 2015. Parte da imprensa acha que está em 2011. Mas a verdade é que as relações políticas mudaram e o Poder Executivo quer reassumir seu protagonismo, como era a praxe durante os dois governos Lula e o primeiro governo Dilma. Enquanto Lira e a imprensa não entenderem isso, vão continuar com demandas absurdas e com denúncias que não merecem nem mesmo serem chamadas de pasteis de vento, porque, ao contrário delas, o pastel de vento ao menos é bom.