Gigante do setor de papel e celulose recebe bilhões em créditos verdes de investidores internacionais apesar de denúncias de irregularidades feitas por comunidades locais no Maranhão e na Bahia.
Publicado em 22/06/2023
Por Sarah Sax e Mauricio Angelo
DW — Em janeiro de 2023, moradores da comunidade de Curvelândia, no Maranhão, usaram ramos de palmeiras e pedaços de madeira para bloquear uma rodovia que dá acesso à sua vila. Eles exigiam que a Suzano, a maior produtora de celulose de eucalipto da América Latina, pavimentasse a estrada e reduzisse o tráfego de caminhões que passavam por ali para chegar a plantações da árvore.
Eles também pleiteavam que a Suzano resolvesse questões ambientais e agrárias que resultaram da construção da estrada. Um integrante da comunidade, Sandro Lucio, afirma que a estrada foi construída na área da comunidade, incluindo a propriedade dele.
“Não houve acordo. Eles não pagaram nada para ninguém”, relata, acrescentando que a empresa simplesmente chegou com maquinário pesado. “Eles removeram a cerca da minha terra, o caminhão atropelou e matou meu cavalo. Eles também instalaram sistemas de água sem dizer que tinham permissão do Estado para tirar água das nascentes.”
Série de denúncias
Curvelândia não é um caso isolado. A DW investigou oito conflitos socioambientais no Brasil e falou com autoridades, líderes comunitários e representantes sindicais que relataram sobre outros ao menos 40 casos.
Segundo documentos que a Suzano, como empresa de capital aberto, é obrigada a submeter à Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos, a fabricante brasileira enfrenta 262 prováveis ou possíveis processos civis e ambientais e 2.449 prováveis e possíveis processos trabalhistas.
As denúncias contra a empresa vão de uso indiscriminado de pesticidas e contaminação de rios até grilagem de terras e consulta insuficiente a comunidades tradicionais em projetos de infraestrutura.
E, mesmo assim, a Suzano, que tem mais de 1 milhão de hectares de plantações de eucalipto no Brasil e planeja dobrar essa área em uma década, foi bem-sucedida em obter ratings elevados em padrões de governança ambiental, social e corporativa (ESG) e em atrair bilhões de dólares em créditos verdes.
O lado obscuro das finanças verdes
Mundialmente, finanças verdes são o setor financeiro que mais cresce. O Banco Mundial prevê que ele passará de 100 bilhões de dólares nos próximos três anos para 10 trilhões de dólares em 2030. A Suzano já está se beneficiando disso.
A multinacional brasileira recebeu bilhões de dólares de grandes investidores internacionais, como o banco francês Credit Agricole, o Fundo Estatal de Pensões da Noruega e o fundo holandês Pensioenfonds Zorg en Welzijn.
Segundo uma análise da Forest & Finance, uma coalizão de organizações que monitora commodities e empresas de risco florestal, a Suzano recebeu 15% de todos os empréstimos conhecidos para essas commodities entre 2015 e 2020. Isso a transforma na maior receptora de crédito entre todas as empresas que lidam com mercadorias de risco florestal.
Commodities de risco florestal são mercadorias originárias de ecossistemas de florestas tropicais, tanto do interior da floresta como de áreas onde havia cobertura florestal, e cuja extração ou produção contribui significativamente para o desmatamento e degradação de florestas tropicais. Alguns exemplos são carne bovina, soja, óleo de palma, cacau, borracha, madeira e papel – todos estão ligados ao desmatamento, um dos principais fatores do aquecimento global.
O pesquisador financeiro Ward Warmerdam, da ONG holandesa Profundo, que analisa sustentabilidade em cadeias internacionais de commodities, diz que o risco florestal também se refere a grilagem de terras e violações de direitos humanos, que geralmente estão ligados ao desmatamento.
Ele diz que, embora bancos e outros investidores devam adotar uma melhor diligência prévia ao considerar o financiamento, a maioria não o faz. “Essa é uma das grandes questões. Todas as instituições financeiras que estão desenvolvendo normas o estão fazendo de forma voluntária, o que significa que não há padrões, não há regulações, não há monitoramento disso”, comenta Wardman.
A Suzano também conseguiu atrair créditos verdes na forma de títulos ESG. Em 2016, a empresa se tornou uma das primeiras nas economias emergentes a emitir títulos verdes e, em 2020, começou a emitir títulos ligados à sustentabilidade. Esses títulos vinculam o financiamento externo a metas ambientais e sociais selecionadas, como reduções de emissões, intensidade do uso da água e diversidade de gênero na gestão.
Cerca de 39% da dívida da Suzano é ligada a créditos verdes, e o valor total deverá crescer.
“Tudo mudou quando o eucalipto chegou”
O líder comunitário Célio Pinheiro Leocádio, presidente da Associação Quilombola de Volta Miúda, no extremo sul da Bahia, diz ser surpreendente que a Suzano tenha sido capaz de obter tantos créditos verdes.
“A Suzano comete racismo ambiental. Desconsidera e desrespeita a história do nosso povo, nossa ancestralidade negra e o sofrimento que carregamos e vivemos”, diz.
A Constituição garante direitos especiais aos 3.495 quilombos reconhecidos no Brasil, incluindo o direito à posse da terra de seus ancestrais. Porém apenas 206 têm títulos de propriedade, o que os deixa vulneráveis a disputas territoriais.
Cerca de 90% dos 6.500 hectares da área de Volta Miúda são cobertos por plantações de eucalipto que fornecem matéria-prima para a Suzano. Os eucaliptos se espalham entre as moradias da comunidade, que denunciam que a monocultura secou nascentes, rios e lagoas e que pesticidas poluíram a água.
“Essa região toda era rica em tudo”, diz Leocádio. “Tudo mudou no momento em que o eucalipto chegou. As fontes de água começaram a secar. Perdemos as florestas.”
Ratings ESG são confiáveis?
A ONG holandesa BankTrack, que analisa investimentos de bancos comerciais do setor privado, coloca a Suzano na sua seção de ”negócios duvidosos” – uma lista vermelha de projetos ou empresas prejudiciais que recebem financiamentos de bancos.
A empresa foi incluída nela em grande parte por causa da sua história de conflitos agrários com comunidades locais e tradicionais, segundo a ONG.
O jornalista Antenor Ferreira apurou que cerca de 70% das plantações da Suzano no Maranhão estão em terras oriundas de grilagem. ONGs brasileiras e internacionais denunciaram conflitos envolvendo a empresa.
Mas essas informações não necessariamente aparecem no rating ESG de uma empresa. A maioria delas obtém notas por terem normas de direitos humanos, por exemplo, e não por segui-las.
“Os avaliadores de ESG geralmente têm uma nota mista. Eles não separam o E, o S e o G”, explica a especialista em meio ambiente e direitos humanos Joanne Bauer, da Universidade Columbia, nos EUA. “Se a empresa é vista como sustentável com base em métricas ambientais e não nas sociais, esse é outro ponto cego para a devida diligência prévia e direitos humanos.”
Um porta-voz do fundo holandês Pensioenfonds Zorg en Welzijn declarou à DW que denúncias contra a Suzano, incluindo as citadas nestas reportagem, já foram detectadas em processos internos de verificação. O fundo vai “continuar regularmente interagindo diretamente com a empresa para entender essas denúncias”, o que “pode eventualmente levar ao desinvestimento”, afirmou.
O Credit Agricole e o Fundo Estatal de Pensões da Noruega se recusaram a comentar as denúncias e apontaram para suas normas “florestal e de óleo de palma” e para um documento sobre como empresas em seu portfólio devem lidar com “desafios globais” como mudanças climáticas e direitos humanos.
Nova rodovia em construção
A Suzano está ainda construindo uma rodovia que passa por Volta Miúda e dois outros quilombos. Leocádio e outros integrantes das comunidades dizem que a estrada vai destruir não apenas trechos de Mata Atlântica, mas caminhos tradicionais e locais de encontro que suas comunidades usam há gerações.
Em janeiro, Volta Miúda e outros sete quilombos que há anos lutam contra a Suzano enviaram uma carta ao Ministério Público Federal e ao escritório do promotor público local pedindo para que a construção fosse interrompida. “Estão nos ignorando”, diz Leocádio. “Nosso direito de ser consultado foi violado.”
Em resposta a pedidos da DW para comentar as denúncias, a Suzano declarou que “engajamento está no coração de nossa atitude”. Isso inclui, segundo a empresa, “nosso engajamento com o quilombo de Volta Miúda e a comunidade de Curvelândia”.
A fabricante de celulose afirmou que participou de mais de 3.700 diálogos no ano passado, numa média de mais de dez por dia, e “abordou 86,6% das questões operacionais identificadas, com 92,6% aceitas como uma solução efetiva”.
“Monoculturas nunca são boas para as pessoas e o meio ambiente”
No fim de 2022, o International Finance Corporation (IFC), braço do setor privado do Banco Mundial, aprovou um empréstimo de 600 milhões de dólares para a construção de uma nova fábrica de celulose da Suzano no Mato Grosso do Sul.
Quando concluída, será a maior fábrica de celulose de eucalipto do mundo. Será também uma planta industrial “livre de combustíveis fósseis”, produzindo celulose de fibra curta que, segundo a Suzano, terá um impacto ambiental mínimo.
A ambientalista Karen Vermeer, da rede de ONGs Environmental Paper Network, prevê, no entanto, que o projeto cause novos conflitos sociais e afirma que monoculturas de eucalipto diminuem a biodiversidade.
Junto com mais de 40 ONGs ambientais e sociais, a Environmental Paper Network enviou uma carta ao IFC solicitando que o empréstimo não seja concedido. “Não há como uma monocultura de larga escala, ao menos não na escala que a Suzano está operando, ser boa para as pessoas e o meio ambiente”, diz Vermeer.
Esta reportagem foi feita com o apoio do Journalismfund Europe