Perseguição jurídica tem o efeito desejado, tira Cristina Kirchner da corrida presidencial e divide o campo peronista
Por Bruno Falci, de Buenos Aires, para O Cafezinho
Diferente do que foi noticiado em muitos jornais do Brasil e do mundo, a inscrição de candidatos para as eleições presidenciais de outubro na Argentina foi marcada por divisões, tanto na direita quanto no campo peronista. O ministro da Economia, Sergio Massa e o deputado nacional Juan Grabois são os pré-candidatos presidenciais da coalizão governista na Argentina. Poucos minutos antes de encerramento do prazo das inscrições de pré-candidatura à presidência, uma exigência das normas eleitorais do país, cujo prazo terminou à meia-noite de ontem (24-06), Grabois, decidiu inscrever-se. O líder da Frente Pátria Grande sempre foi um crítico do ministro da Economia e, por isso, após recusar a candidatura, voltou a tomar a inciativa de concorrer. As demais personalidades abordadas já haviam retirado suas candidaturas em favor de Massa. Foi o que ocorreu com o ministro do Interior, Wado de Pedro, escolhido na quinta-feira, sendo ele um aliado da ex-presidenta Cristina Kirchner, uma figura dominante no espaço político de esquerda e líder indiscutível da corrente peronista.
Nos últimos meses, Cristina reiterou, em diversas ocasiões, sua decisão de não concorrer às eleições presidenciais. A vice-presidenta, que em todas as pesquisas revelou ser a candidata favorita do eleitorado, sofre lawfare por governar duas vezes o país, enfrentando os interesses das classes dominantes e dos EUA, promovendo políticas de distribuição de renda com programas e investimentos na educação, saúde e moradia, criação de empregos e políticas sociais como a construção de moradias populares. Em seu governo, o salário-mínimo foi fortalecido e muitas outras políticas públicas foram criadas em benefício da grande maioria da população pobre do país. Essas razões a levaram a ser a liderança popular que é hoje, tendo que ser perseguida juridicamente para que não seja eleita Presidenta da Argentina. Essa perseguição já ocorre faz anos. Na última eleição presidencial, Cristina concorreu a vice-presidência e a influência central dessa decisão foi devido a perseguição jurídica que sofria na época.
Estava tudo acertado até a última hora, ou minuto. Na sexta-feira à noite a coalizão, rebatizada de União pela Pátria, substituindo a Frente de Todos, denominação que tinha desde 2019, publicou um twitter no qual afirma que o candidato será Sergio Massa, e o candidato a vice-presidente será Agustin Rossi. O nome de Massa figurava há meses entre os possíveis candidatos à presidência, depois que Alberto Fernandez, em abril, e a atual vice-presidente, Cristina Kirchner, em maio, excluíram a sua candidatura. A União pela Pátria agradeceu a Daniel Scioli e Wado de Pedro “por terem escolhido a unidade do peronismo, fazendo prevalecer o coletivo sobre o individual”. Segundo fontes da Frente pela Pátria, Grabois não tem o folego necessário para suplantar Massa no PASO – as prévias eleitorais que são realizadas no âmbito da coalizão de esquerda, na qual os eleitores têm direito a escolher os candidatos de cada partido ou coligação.
Massa, 51 anos, ministro da Economia desde julho de 2022, será “nosso candidato à presidência”, anunciou no Twitter a coalizão União pela Pátria. Compondo a chapa, o candidato a vice-presidente será Agustin Rossi, que é chefe de gabinete do governo do presidente Alberto Fernández. O anúncio ocorre após várias reuniões de consulta na sexta-feira e a retirada de outras pré-candidaturas, incluindo as do ministro do Interior, Eduardo de Pedro, filho de um casal de desaparecidos durante a ditadura argentina (1976-1983), e Daniel Scioli, ex-vice-presidente e atual embaixador no Brasil.
Massa assumiu protagonismo na política da Argentina quando passou a chefiar o Ministério da Economia do país. Ele foi indicado pelo presidente Alberto Fernández para a pasta e tem como principal objetivo controlar a crise econômica argentina. Mesmo com os desafios, ele é indicado como candidato da coalizão governista para a disputa das eleições em 22 de outubro de 2023. Massa é o terceiro ministro da Economia da gestão de Fernández.
Sergio Tomás Massa (San Martín, província de Buenos Aires, 1972) é membro da União pela Pátria, anteriormente conhecida como Frente de Todos, coalizão política peronista e progressista que governa a Argentina desde 2019. Ele foi deputado e Presidente da Câmara dos Deputados da Nação de 2019 a 2022. Foi fundador e líder da Frente Renovadora, força integrante da extinta coligação política Frente de Todos que venceu as eleições presidenciais de 2019.
Foi nomeado para assumir um “superministério” da economia do presidente Alberto Fernández. Ele teve a difícil tarefa de tentar controlar a inflação, mantendo-se dentro dos limites de controle orçamentário estabelecidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Uma verdadeira “herança maldita” herdada do governo de direita de Mauricio Macri (2015-2019), que fez um empréstimo ao FMI de 57 bilhões de dólares.
Desta forma, a Argentina ficou subordinada às políticas econômicas determinadas pelo FMI, tais como arrojo salarial, privatizações, a redução dos programas sociais e enxugamento da máquina pública do Estado. Em consequência, gerou uma inflação descontrolada no país, provocando a desvalorização do salário e o aumento da pobreza. Desde 2019, Sergio Massa se aproximou do epicentro peronista, conseguindo ficar perto de Cristina Kirchner.
Grabois manifestou sua candidatura no twitter: “Em janeiro deste ano, anunciei minha candidatura à presidência com uma declaração política clara: se não houvesse candidato da geração dizimada que representasse firmemente a defesa da soberania nacional e de um programa transformador, estávamos dispostos a fazê-lo. a fórmula Massa-Rossi e, como somos coerentes com as nossas convicções, hoje juntamente com Paula Abalmedina assumimos o desafio de concorrer ao PASO presidencial. Representamos essa geração e esse programa”, escreveu.
Juan Grabois (San Isidro, 1983) é um advogado, escritor, líder social e político argentino. É fundador do Movimento dos Trabalhadores Excluídos (MTE), da Confederação dos Trabalhadores da Economia Popular (CTEP) -atual UTEP- e da Frente Pátria Grande. Além disso, é membro do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral do Vaticano. Ele sempre dedicou sua militância à organização sindical de trabalhadores ambulantes, costureiras, pequenos agricultores, indígenas, trabalhadores de empresas recuperadas, pessoas que foram libertadas da prisão, mulheres que realizam tarefas assistenciais e apoiam espaços comunitários, entre outros. Em 11 de junho de 2018, Juan Grabois, na condição de Consultor do Vaticano, tentou visitar o presidente Lula, quando ele estava preso na sede da Polícia Federal, em Curitiba, para entregar um terço abençoado pelo Papa Francisco. No entanto, ele foi impedido de entrar na sede da PF.
Eleições Primárias
Este ano, os argentinos voltam às urnas para eleger seu próximo presidente, que assumirá o cargo em 10 de dezembro de 2023. Para isso, as eleições primárias, abertas, simultâneas e obrigatórias (PASO) são realizadas em 13 de agosto, enquanto a eleição será realizada em 22 de outubro. Em caso de possível segundo turno, a votação será no dia 19 de novembro. Os peronistas (corrente política do atual governo), no entanto, optaram por apresentar um único candidato nessas prévias e o nome escolhido foi Sérgio Massa.
Além de votar nas autoridades do Executivo Nacional, são eleitos os seguintes cargos: chefe de Governo da Cidade de Buenos Aires e governadores de 21 províncias. No dia 13 de agosto, é realizado o PASO, método de seleção de candidaturas a cargos públicos eletivos nacionais. São abertos porque a seleção de candidaturas não é reservada aos filiados partidários, mas é estendida a todo o eleitorado. As eleições primárias são simultâneas, no mesmo dia e no mesmo ato eleitoral, todos os grupos apuram conjuntamente as suas candidaturas a todos os cargos eletivos nacionais em disputa. Eles são obrigatórios para todos os cidadãos autorizados a votar.
Direita neoliberal
A direita macrista – em referência a apoiadores do ex-presidente neoliberal Mauricio Macri – se organizou em duas candidaturas. O prefeito da cidade de Buenos Aires, Horacio Larreta, que foi chefe de gabinete de Macri, anunciou nesta sexta-feira (23-06) que seu companheiro de chapa será Gerardo Morales, governador da província de Jujuy, que comandou há poucos dias uma brutal repressão aos povos originários da região, que culminou em dezenas de feridos e presos.
Já a ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich terá como vice Luis Petri, derrotado recentemente nas primárias para governador de Mendoza. A candidata disse considerá-lo “a pessoa ideal” para a chapa.
Formado pela Harvard Business School, Horacio Rodríguez Larreta começou a trabalhar no governo na década de 1990. Junto com Mauricio Macri, ele co-fundou o partido Proposta Republicana e atuou como gerente de campanha do partido até 2011. Ele continuou a trabalhar em estreita colaboração com Macri e serviu como seu chefe de gabinete quando este era prefeito de Buenos Aires. Ele, por sua vez, foi eleito prefeito da cidade em 2015 e reeleito em 2019.
Horacio Rodriguez Larreta (Buenos Aires, 1965) é um tecnocrata de centro-direita e pró-negócios, ele tem a reputação de um gerente eficaz, capaz de se comprometer com seus oponentes políticos peronistas. Por outro lado, é criticado por sua aparente proximidade com o poder e por uma política que tem levado à exclusão dos mais modestos e ao aumento da pobreza. Em particular, permitiu a venda de espaço público em favor de projetos imobiliários privados e restringiu o investimento em educação, saúde e habitação.
Candidato à indicação da Proposta Republicana para as eleições presidenciais de 2023, ele representa a tendência moderada da direita contra Patricia Bullrich. Em particular, promete uma “rápida estabilização da economia”, que passaria por ‘uma política de austeridade e um melhor ambiente de negócios” por meio de reduções de impostos para empresas e pessoas ricas. Sem dúvida, uma receita rigorosamente neoliberal.
Motoserra extremista
O pré-candidato Javier Gerardo Milei (Buenos Aires, 1970) defende “o plano motoserra” para conquistar o Estado. “No que se refere à reforma do estado haverá uma redução abrupta do gasto público”. Ele deixou explícito seu projeto de governo perante a Justiça Eleitoral. Fundamentou ponto a ponto quais serão as medidas predatórias que tomará caso vença as eleições de 2023 e se assuma como presidente: dolarização, privatizações, corte de aposentadorias e pensões, eliminação de indenizações, de planos sociais e anulação do aborto legal, que é permitido na Argentina, introdução de leis mais brandas sobre armas E a legalização do mercado de órgãos. É o único que concorre por sua chapa . Ele assegurou que “chamamos isso de plano motosserra”. Ele é o único que concorre por seu partido.
Javier Milei é economista, deputado federal, líder da coligação política A Liberdade Avança. Tornou-se amplamente conhecido por suas aparições regulares na TV, onde criticou os governos de Cristina Fernández de Kirchner, Mauricio Macri e Alberto Fernández.
Milei planeja derrubar o peso em favor do dólar americano, a dolarização da economia, sua proposta principal que é inconcebível num país como a Argentina. Em um contexto de desdolarização global, a proposta de Milei é o caminho errado a ser trilhado. Muitos países têm adotado outras moedas para transações comerciais, tentando minar a hegemonia do dólar.
A dolarização é o caminho para o país perder seu poder de política monetária, ou seja, o controle da taxa de juros, e sua capacidade de política fiscal ao renunciar a sua moeda, o peso argentino. Além disso, essa medida aprofundaria a dependência da Argentina em relação aos Estados Unidos, deixando-a mais vulnerável a choques externos. A ameaça econômica proposta por Milei tem tudo para gerar um cenário convulso, vinculado à hecatombe de suas propostas de reformas sociais e culturais negacionistas.