Transcrição completa da coletiva de Lula em Paris

Entrevista coletiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em Paris, na França

Transcrição da entrevista coletiva concedida pelo presidente Lula em 24 de junho de 2023, após uma série de eventos em Paris, na França

Bem, primeiro bom dia ao companheiro Haddad, ao companheiro Aldo. Aos companheiros da imprensa brasileira, aos nossos embaixadores.

Bem, eu penso que nós conseguimos ontem, ou melhor, nessa semana, cumprir duas agendas que se faziam necessárias na agenda no Brasil.

A primeira com a Itália, quando nós tivemos encontros com o presidente da Itália, o prefeito de Roma e com a primeira-ministra Giorgia Meloni, num momento em que a relação… Bom dia, Mauro. Quem chega atrasado não merece nem cumprimento (risos).

Era uma agenda que se fazia necessária porque havia mais de seis anos que o Brasil não tinha relações com a Itália, que ninguém do Brasil vinha à Itália, e que ninguém da Itália ia ao Brasil.

Era uma certa perplexidade, sobretudo porque a Itália é um país que tem, só naturalizados, nós temos 600 mil italianos e tem mais de 30 milhões de descendentes de italianos no Brasil. É inexplicável que o Brasil passe tanto tempo sem conversar com a Itália e que a Itália passe tanto tempo sem conversar com o Brasil.

Então foi uma agenda necessária e muito produtiva para os futuros passos do Brasil na relação com a Itália. Eu convidei o presidente Mattarella para ir ao Brasil. Convidei a ministra Giorgia para ir ao Brasil, e eu espero que eles se dirijam ao Brasil porque faz muito tempo que não vai um dirigente italiano ao Brasil. Muito tempo. E eu fiz questão de dizer para eles que era necessário alguém ir ao Brasil para ter um contato com a maior cidade italiana depois de Roma e depois da própria Itália, ou seja, o Brasil.

E na França, o encontro foi para discutir o novo pacto econômico, para discutir a questão do clima. Foi muito importante pela possibilidade de termos relações de uma só vez com muitos países e sobretudo com muitos companheiros que são representantes dos países africanos.

Eu tive várias bilaterais, marcamos vários encontros. Todos os países africanos muito desejosos da volta do Brasil à África, da volta dos convênios com a África, da volta dos investimentos do Brasil, do financiamento da engenharia brasileira para fazer obras na África.

E eu acho que foi uma reunião extraordinária, porque fazia muito tempo também que eu não encontrava com muitos presidentes. Alguns eu nem conhecia, outros eu já conhecia, porque embora eu tenha deixado a Presidência, muitos continuaram na Presidência.

E depois o almoço com o presidente Macron, que foi um almoço importante porque nós colocamos a nossa pauta em dia. Ou seja, nós levantamos todos os problemas que nós tínhamos que levantar. E o problema mais sério de tudo é o acordo entre União Europeia e Mercosul. No qual a França tem um papel importante. E nesse momento há um início de contrariedade da França com relação ao acordo.

Nós conversamos com o presidente Macron. Ele nos disse que a gente pode discutir, que não tem tema proibido para discutir. Nós sabemos qual é o tema dele, ele sabe qual é o nosso tema. Da mesma forma que ele tem que resguardar os interesses agrícolas dele, nós temos que resguardar os interesses, sabe, das nossas pequenas e médias empresas, com a não aceitação, sabe, das compras governamentais, e nós ficamos de responder a carta adicional que a União Europeia mandou. E eu penso que até o final do ano a gente tem uma decisão sobre o assunto.

Eu espero que tenhamos capacidade e sabedoria de fazer esse assunto, porque é importante para a União Europeia, é importante para o Mercosul. E é importante para o encontro que vai ter agora em julho, da CELAC, que são todos os países da América Latina, com todos os países da União Europeia, para a gente estabelecer uma nova rodada de conversação para ver se a gente se aproxima de um acordo também na CELAC.

Bem, fora disso, nós tivemos encontros com empresários que tinham interesse em investir no Brasil. Aqui na França, sobretudo na área de defesa. Por isso que estava presente o ministro José Múcio. Por isso que estava presente o brigadeiro Damasceno, e por isso que estava presente o almirante Olsen, porque nós estamos discutindo a nossa parceria estratégica na questão do submarino nuclear.

Também tivemos conversas com o Haiti, que é uma coisa mais triste, sabe, um país abandonado à própria sorte. Um país dominado pelas gangues, ou seja, onde já não tem mais eleições há algum tempo. E tivemos uma boa reunião com o primeiro-ministro.

É o tipo daquela reunião que você fica constrangido, porque o mundo deveria ter uma preocupação com o Haiti. O mundo deveria assumir um pouco mais de responsabilidade. O Brasil passou 13 anos lá. Treze anos. O único país que colocou dinheiro vivo lá foi o Brasil: 40 milhões de dólares. O único país que fez um hospital lá, sabe, foram Brasil e Cuba. Em parceria fizemos uma grande cúpula lá no Haiti.

Mas o restante dos países que ficaram de dar contribuição não deram e, sem contribuição e sem ajuda financeira, e sem também ajuda para preparar um policiamento para o Haiti, porque no Haiti ninguém quer governar porque as gangues não deixam ninguém governar. As gangues tomaram conta, sabe, da capital e tomaram conta de alguns bairros. E tem muita dificuldade de se fazer política no Haiti porque é o enfrentamento direto com as gangues.

Eu conversei com o presidente Macron sobre a necessidade de alguém puxar uma pauta e colocar o Haiti, sabe, no centro da discussão. Eu pretendo levar essa discussão do Haiti para o G-20, eu pretendo levar para os Brics, ou seja, porque o Haiti não pode ficar à própria sorte. Ou seja, esse país paga o preço de ser o primeiro país a conquistar a independência. Ele paga o preço de ser o primeiro país em que os negros se libertaram, ou seja, e o Haiti não consegue andar.

Quando eu estava na Presidência da outra vez, a gente tinha começado a discutir a necessidade de fazer uma pequena hidrelétrica no Haiti que poderia suprir as necessidades energéticas do Haiti. Sabe, o Brasil deu os 40 milhões de dólares, mas ninguém mais deu dinheiro. Então o projeto não andou e ficou paralisado.

Bem, depois uma conversa com a presidente Dilma, que está uma banqueira muito importante, representando os Brics. Ou seja, achei muito importante. A Dilma está bem. Está bem moralmente, está bem pessoalmente, está bem de alma, de coração, de cabeça, bem profissionalmente.

E depois tivemos uma conversa com o Ilan Goldfajn, o nosso presidente do BID. Ou seja, um brasileiro que está lá presidindo uma instituição que tem ajudado muito a América Latina e a América do Sul, e o Haddad teve uma conversa mais prolongada com ele tentando mostrar para ele as necessidades que o Brasil tem de construir projetos interessantes, sobretudo na questão da transição energética, para que a gente possa receber os investimentos necessários para garantir a matriz energética mais limpa do planeta.

Eu tenho muito orgulho e vocês viram que eu falei com muito orgulho, que da energia elétrica brasileira, 87% da energia é limpa e renovável. E da matriz total de energia brasileira, 50% é limpa. Contra 15% do mundo. Significa que o mundo tem que fazer muito para chegar perto do Brasil no que se trata de energia limpa e renovável.

E nós agora, no meio de julho, vamos apresentar um projeto em que vai acontecer muita, mas muita coisa nessa questão da produção de energia eólica, de energia solar, de hidrogênio verde, porque o Brasil vai ser certamente um exportador de hidrogênio para algumas partes do mundo.

Bem, vocês sabem que no Brasil as coisas estão andando bem. O Haddad está muito entusiasmado porque, com todas as conversas que ele está tendo no Congresso Nacional, ele está certo de que a gente vai aprovar a Reforma Tributária. Com muito sinal de que será a primeira Reforma Tributária em tempos de democracia.

Presta atenção: a última foi em 1964. A gente tinha tido um golpe nesse país. Então, fazer Reforma Tributária com golpe é muito fácil. Agora, fazer ela, discutindo democraticamente num Congresso onde nós não temos maioria, significa que você tem que ter habilidade para construir a sua maioria. E o Haddad tem sido um mestre nisso, junto com o Jaques Wagner, junto com o Guimarães, junto com o Randolfe na articulação com o Congresso Nacional.

Eu estou voltando para o Brasil hoje. Descanso amanhã. Depois nós temos Leticia, na Colômbia, num encontro com cientistas para discutir a questão da Amazônia. Depois nós temos, em julho, a CELAC, que será em Bruxelas. E depois nós temos mais uma viagem sobre os Brics, em agosto. Depois o G-20, em setembro, e depois nós vamos cuidar da alma, porque está muito cansada a agenda.

PERGUNTA FORA DO MICROFONE: o senhor vai para a CELAC, afinal?

Veja, eu estou, quem quiser fazer pergunta, pergunta ao companheiro Chrispiniano, sabe, mas como você já fez a pergunta, eu estou pensando se eu vou à CELAC ou não. Se eu não for, vai o companheiro Alckmin me representando. Eu não sei se vai dar para ir, eu vou ver. Se eu não puder ir, o Alckmin vai.

Às vezes a gente tem que ir porque, se a gente não for, passa a ideia de que a gente não está dando importância ao evento que envolve todos os países da América Latina e o Brasil é o criador da CELAC. A CELAC foi criada, sabe, na Bahia e eu acho que nós temos obrigação de estar lá, comparecendo, forte, para animar a tropa, porque se o país maior não comparece, dá a impressão de que a gente não está dando importância para a discussão. Então eu estou com esse dilema, quem sabe eu vá, se eu não for vai o Alckmin e o Alckmin representará bem o Brasil.

PERGUNTAS

Marcos Uchôa, da TV Brasil – Bom dia, presidente. Gostaria de começar. O senhor comentou do Haiti, e em relação ao Haiti, à pobreza do Haiti, o drama do Haiti, eu noto que essa questão do dinheiro que o senhor citou no Haiti, ela permeia o acordo com a União Europeia e permeia muito o encontro aqui de Paris em relação a esse novo pacto, né? Estamos falando de dinheiro, que é uma cobrança que o senhor tem feito já há muito tempo, desde os 100 bilhões de dólares que estão se falando há muito tempo e que não vêm. Concretamente. Num momento em que a guerra da Ucrânia está sugando grande parte do dinheiro desse mundo mais rico, o senhor enxergou efetivamente, mais concretamente, uma maneira de que esse dinheiro vá sair para a questão do meio ambiente e para outras questões também.

Olha, o Brasil tem cobrado isso em todos os fóruns que nós temos participado. Porque não é apenas 100 bilhões de dólares para o Brasil. O Brasil terá possivelmente uma parte disso, porque são muitos países que precisam do dinheiro para manter-se com uma política ambiental corretamente, uma política climática que nos ajude a fazer o sequestro de carbono que o mundo tem que fazer

Do ponto de vista do Brasil, eu tenho cobrado e exigido mais. Eu tenho exigido que a gente tenha uma governança global mais representativa. Sem uma governança global que tome decisões, e essas decisões sejam efetivadas e controladas por essa governança global, a gente tem pouca chance de ver as coisas acontecerem, pelo simples fato: você faz uma COP nos Emirados Árabes como vai ter agora, no final do ano. Aí você toma decisões importantes. Essas decisões importantes não têm, ela não é definitiva. Ela não é autoaplicável. Você precisa voltar para o seu país e decidir dentro do seu Congresso, nas instituições do seu país, a aprovação ou não. E muitas vezes as coisas que são aprovadas lá fora não são aprovadas dentro do país.

Eu poderia pegar um exemplo, o Protocolo de Quioto, que não passou na maioria dos Congressos. Eu poderia pegar Copenhague, onde foi sugerido 100 bilhões de dólares, que foi em 2009. Já faz 14 anos e até agora não saiu o dinheiro. Poderia pegar o Acordo de Paris, que talvez tenha sido uma das melhores coisas feitas na questão ambiental, mas que também não está sendo aplicado.

Porque não é impositivo. Há uma decisão e você não tem, sabe, quem exerça a cobrança. E é por isso que nós temos dito que é necessária uma governança global. E essa governança global, diga-se de passagem, chama-se ONU. E a ONU tem que estar fortalecida. A ONU de 1945 não representa mais a ONU de 2023. É outra geopolítica. São outros atores mais importantes.

Não tem explicação que a América Latina não esteja presente no Conselho de Segurança da ONU. Não tem explicação que a África não tenha dois ou três países no Conselho de Segurança. Não tem explicação que a Índia não esteja, que a Alemanha não esteja, que o Japão não esteja, que o Brasil não esteja.

Sabe, então é preciso a gente renovar a direção da ONU para que a gente possa ter um organismo multilateral com poder de decisão. Se você tomar uma decisão e não for cumprida, aí sim você pode estabelecer uma punição que todos os países que estão cumprindo têm que impor àquele que não está cumprindo. Se não for assim, não vai funcionar. Se não for assim, cada um se tranca dentro do seu próprio umbigo e as coisas não andam.

E a questão climática é uma coisa muito séria. Essas mudanças de intempéries que a gente está assistindo todo dia, chovendo demais aonde não chovia, fazendo seca demais aonde não tinha seca, tendo furacão aonde não existia. Ou seja, tudo isso significa mudança de comportamento do planeta contra a espécie humana, ou melhor, a espécie animal que mora aqui.

E é nesse aspecto que o Brasil aparece com muita força. Não só porque tem a maior reserva florestal, a maior reserva de floresta tropical do mundo, mas porque, se a gente juntar o Brasil e a América do Sul, a gente tem um montante muito especial. Por isso o encontro em agosto, de 10 a 12 de agosto, com todos os países da América do Sul, mais a Guiana, o Suriname e a Guiana Francesa, que nós convidamos o Macron, porque a maior fronteira, sabe, da França, é com o Brasil.

Não sei se ele já se apercebeu disso, mas é preciso notar que a maior fronteira é com o Brasil e eles fazem parte da Amazônia. E, portanto, ele tem de participar desse encontro, para fazer parte da política de preservação da nossa floresta. Não só a preservação, mas como explorar cientificamente a riqueza da biodiversidade da Amazônia. Como fazer da biodiversidade da Amazônia e da boa pesquisa, que na minha opinião tem que envolver o mundo inteiro, sabe, o sustento com qualidade de vida para 28 milhões de pessoas que moram só na Amazônia brasileira, e 50 milhões que moram em toda a Amazônia, envolvendo os outros países. Tudo isso está em jogo.

Ontem, quando eu coloquei a questão da luta contra a desigualdade junto com a luta do clima, é porque a desigualdade, hoje, é mais forte do que era há 30 anos. Hoje a desigualdade é múltipla. Você tem a desigualdade de renda, você tem a desigualdade social, você tem a desigualdade na saúde, você tem desigualdade de gênero, você tem desigualdade racial, você tem desigualdade na oportunidade. Ou seja, o mundo está mais cheio de desigualdade do que de igualdade.

E o que nós precisamos é indignar a sociedade contra a desigualdade. Tem coisas que acontecem no mundo que a gente não consegue se explicar. Ou seja, o ser humano é por si só uma espécie animal muito fraterna. Muito solidária. A gente nasceu para viver em comunidade. O ser humano vivia solidariamente, uns ajudando os outros. Hoje a individualidade tomou conta da espécie humana. Eu não sei onde que a gente vai parar. Sabe, estamos na verdade deixando de ser seres humanos com sentimentos para virarmos algoritmos. E eu acho que isso não é bom e as pessoas vão perdendo a sensibilidade.

Ontem, naquela reunião em que havia muitos países africanos e muitos outros países, a questão do Haiti não entrar é uma noção básica de que, sabe, o Haiti não é problema de ninguém. Quando na verdade o Haiti é problema de todos nós. E todos nós deveríamos ter uma postura de assumir um mínimo necessário para ajudar com que o Haiti saísse da situação em que ele se encontra, e aí outros países.

No Brasil, a nossa penalidade é que a gente vai ter que refazer o que a gente já tinha feito. Ou seja, vocês sabem que em 2012 a ONU anunciou o Brasil fora do Mapa da Fome e em 2023 a gente tem 33 milhões de brasileiros no Mapa do Fome outra vez. Nós vamos ter que fazer, 14 anos depois, aquilo que nós já tínhamos feito.

Então é por isso que eu fiz o discurso colocando a igualdade, sabe, que é uma postura muito forte do Papa Francisco, sabe, e que é minha também, porque eu acho que se a gente não tiver capacidade de mobilizar a humanidade contra a desigualdade, nós seremos todos derrotados.

Sônia Blota, TV Bandeirantes – Prazer estar aqui. Presidente, o senhor falou sobre o acordo entre Mercosul e União Europeia, que é uma vontade do senhor. Um acordo que há 24 anos não sai do papel. Eu queria saber: quando o senhor esteve frente a frente com o presidente francês Emmanuel Macron, quais foram os pontos que os senhores conversaram para que finalmente saia esse acordo?

Olha, o presidente Macron tem dificuldade no Congresso. Ele tem dificuldade no Congresso. E se a gente puder conversar com os nossos amigos mais à esquerda para poder ajudar a que seja aprovado o acordo do Mercosul, nós vamos fazer. Não tenha dúvidas de que nós vamos conversar com todos os amigos que a gente tiver aqui na França, para ver se a gente consegue convencer as pessoas da importância, porque não é o protecionismo que vai ajudar.

Ou seja, é muito engraçado esse mundo, porque dos anos 1980 para cá, tudo o que as pessoas falavam é de que quanto mais abertura, melhor, quanto mais livre comércio, melhor, mas quando chega as vezes de os países em desenvolvimento competir em igualdade de condições, os mais ricos viram protecionistas. Então não tem nenhum sentido. Quanto mais livre for o comércio entre nós, desde que cada um garanta aquilo que é considerado essencial…

Eu acho normal que a França tente defender a sua agricultura. Acho normal. Pode ser um ponto de mais dificuldade de inflexão, mas é normal que eles também compreendam que o Brasil não pode abrir mão das compras governamentais. Porque se eu destacar para eles as compras governamentais, a possibilidade de fortalecer a indústria nacional chega a zero. A possibilidade de você permitir que pequenos e médios empresários possam produzir para o Estado comprar chega a zero. Então não é possível, mas o fato de ter dois pontos que são dois pontos nervosos e dois pontos considerados essenciais para os dois lados, ora, a gente pode não fazer acordo com esses, mas vamos melhorar outras coisas.

Como eu sou um ser humano que acredita muito na capacidade de negociação, eu acredito que toda vez que dois seres humanos sentam em torno de uma mesa, por mais divergência que exista, é possível que a gente termine com um acordo. É assim que é a lei da natureza e é isso que nós vamos conseguir fazer.

Nós precisamos fazer o acordo com a União Europeia. E a União Europeia precisa fazer o acordo com o Mercosul, com a América do Sul e com a América Latina, porque a União Europeia não pode ficar, sabe, sendo a fatia de mortadela entre a nova Guerra Fria entre Estados Unidos e China.

Então é importante lembrar que nós precisamos da União Europeia e a União Europeia precisa muito de nós. Portanto, é importante, sabe, que a gente coloque um pouco da arrogância de lado e a gente tente colocar o bom senso para a gente negociar. E isso vale para nós e vale para eles.

(Pergunta em francês, da Rádio França). O senhor pode falar sobre o anúncio da rebelião armada na Rússia?

Não, eu não posso falar. Lamentavelmente eu não posso falar porque eu não tenho as informações necessárias para te falar. Eu, quando chegar ao Brasil, que eu me informar de tudo o que aconteceu ontem, que tiver várias informações, aí eu posso te falar, mas agora seria chutar, sabe, de forma precipitada uma informação que eu não tenho. Eu ouvi dizer, mas não tenho informação e eu pretendo não falar de uma coisa tão sensível sem ter as informações necessárias.

Priscila Yasbek, da CNN Brasil. Presidente, eu queria te fazer uma pergunta sobre a manchete do jornal Libération, que fez uma reportagem de capa, com o título “A decepção”. A principal crítica que eles fazem é sobre a sua postura em relação à guerra na Ucrânia. E aproveitando esse assunto, queria perguntar como o senhor vê os desdobramentos da guerra com o grupo Wagner se rebelando. Eles também criticaram o seu encontro com Maduro e também a sua defesa do livre comércio. E um outro ponto também que repercutiu bastante aqui foi o encontro com o príncipe saudita que foi cancelado. O senhor alegou cansaço, a sua equipe alegou cansaço, mas nos corredores do hotel também tinha uma impressão de que esse encontro poderia gerar uma manchete negativa no fim da viagem. Como o senhor vê essas duas questões?

Olha, veja, eu não pensei nisso. Sinceramente eu não pensei nisso. O que eu sabia é que havia uma proposta de ter uma reunião com o príncipe da Arábia Saudita que queria discutir investimentos no Brasil. E eu quero conversar com todas as pessoas que querem fazer investimento no Brasil, até porque eu quero saber qual é a qualidade do investimento que as pessoas querem fazer.

Eu simplesmente não tive condições de participar da reunião, ou seja, e vou pedir para que o Itamaraty o convoque para ir ao Brasil discutir negócios com os empresários brasileiros. Sabe, nós temos muito interesse em que a Arábia Saudita faça investimento no Brasil, sobretudo na questão da transição energética, porque nós vamos apresentar um grande projeto ainda neste mês de julho. Então, se a Arábia Saudita tiver interesse de investir no Brasil, pode ficar certa de que o Brasil terá interesse em conversar com a Arábia Saudita, com quem quer que seja que eles mandem conversar.

Fala fora do microfone – Independentemente das polêmicas, (inaudível) das jóias…

Eu não estou preocupado com as jóias, não estou preocupado porque isso não é comigo. Eu estou preocupado o seguinte: se tiver empresários da Arábia Saudita que queiram fazer investimento no Brasil, o Brasil terá interesse em receber esses empresários, seja através do Ministério da Indústria e Comércio, seja através dos nossos empresários, e conversar da forma mais civilizada possível, com interesse que é inerente ao povo brasileiro, porque nós precisamos fazer a economia brasileira crescer.

Com relação ao Libération. Olha, eu não fico chateado quando um europeu, no caso da guerra, pense diferente de mim. Eles estão no centro da guerra. Eu estou a 14 mil quilômetros de distância. Então é muito normal que eles estejam muito mais nervosos porque eles estão vivenciando a guerra e sofrendo as consequências da guerra mais imediata e com preocupação do que vai acontecer, porque vai chegar aqui o inverno e a energia certamente vai ficar um pouco mais cara. E eles vão comprar energia de quem? Então eles têm que estar mais nervosos, mais preocupados do que eu, tem que ter um pensamento diferente.

O meu pensamento é simples: eu sou contra a guerra. Eu quero paz. É isso. Nós condenamos a invasão da Rússia ao território da Ucrânia. Isso já está declarado e votado na ONU. Mas isso não implica que eu vou ficar fomentando a guerra. Eu quero criar condições para que os dois países se sentem. Por enquanto eles não querem se sentar porque cada um está achando que vai ganhar, mas em algum algum momento eles vão sentar. E vão precisar de interlocutores com muita responsabilidade para tentar negociar.

E o Brasil está participando. Agora mesmo, o ministro Celso Amorim está em Copenhague numa reunião de vários outros países para tentar estabelecer, sabe, discussões sobre a paz. Esse é o meu comportamento há mais de um ano, desde que começou essa guerra, e continua intacto. Eu sou pela paz. Não sou pela guerra.

Bianca Rothier, da Globo e Globo News. Bom dia, presidente. O senhor já respondeu às principais questões. Essa questão do grupo Wagner, a Priscila perguntou e a colega francesa já tinha tocado. Entendemos que o senhor não tenha ainda detalhes, mas é um assunto que está preocupando muito o mundo todo. O presidente Vladimir Putin deve fazer um pronunciamento agora em breve. Como é que o senhor se mobiliza nesse sentido? O que o senhor pode falar para a gente de preocupação, porque uma rebelião desse tamanho, naturalmente, assim, está todo mundo de olho. Qual é a sua preocupação?

Veja, eu não sei o tamanho da rebelião. Eu só estou te pedindo o seguinte: quem sabe quando eu voltar para o Brasil, no dia seguinte eu já tenha todas as informações possíveis porque eu vou conversar com muita gente a respeito “dessa chamada rebelião”. Aí você peça para alguém da Globo News lá no Brasil me telefonar que aí eu saberei responder com muita mais tranquilidade esse assunto. Eu só não posso comentar uma coisa que eu não li, que eu não conheço. Seria precipitado da minha parte fazer juízo de valor sobre qualquer assunto.

Fernando Eichenberg, O Globo – Nessa questão da guerra, ainda, como foi a conversa com o Macron, porque é muito evidente a diferença de visão, de postura de encarar a questão do conflito ucraniano, entre Brasil e França. Houve alguma convergência, alguma aproximação, cada um se manteve em sua posição? E só uma perguntinha: o senhor veio aqui nesse encontro e participou do encerramento somente, né, do encontro. O senhor acha que esse é o jeito certo de discutir essa questão do pacto global? O senhor acha que a posição dos países ricos está correta em propor esse tipo de discussão desta forma, neste modelo, como foi feito aqui?

Olha, eu acho que quando a gente começa a fazer uma discussão, se o modelo que foi estabelecido não foi correto, a gente vai corrigindo ele, e vai chegar o momento em que a gente vai chegar à perfeição do modelo de discussão que a gente tem que fazer. O dado concreto é que nós estamos tendo consciência de que as instituições que foram criadas logo depois da Segunda Guerra Mundial já não representam mais aquilo para a qual elas foram criadas.

O Banco Mundial não representa mais, o FMI não representa mais e a própria ONU já não representa mais. A ONU, quando ela foi criada, ela teve força de criar o Estado de Israel. Hoje ela não tem força para manter a demarcação de terra dos Palestinos. As guerras que estão acontecendo são guerras, sabe, determinadas e pensadas por membros do conselho permanente.

Quando os Estados Unidos invadiram o Iraque, os Estados Unidos eram membros permanentes da ONU e não consultaram ninguém. Quando o Sarkozy e a Inglaterra invadiram a Líbia, eles eram membros do conselho permanente e não consultaram ninguém. E quando o Putin invadiu a Ucrânia, ele era membro também efetivo e não consultou ninguém. Então significa que as instituições estão falidas. O mundo de 2023 precisa de outras instituições mais fortes, mais representativas, com maior participação. É isso.

Olha, a diferença entre o Macron e eu na questão da Ucrânia eu vou repetir. Há muito tempo eu sei o que o Macron pensa sobre a guerra da Ucrânia e há muito tempo o Macron sabe o que eu penso sobre a guerra da Ucrânia. Eu não levarei ele a pensar como eu porque ele está distante, ele está num outro mundo. Ele está próximo do campo de batalha. E eu tenho o Oceano Atlântico, sabe, de diferença. E eu acho que mesmo aqueles que estão defendendo a guerra, mesmo aqueles que estão ajudando a Ucrânia, querem a paz. Tenho certeza de que todo mundo quer a paz. Acontece que a paz só vai acontecer quando os dois combatentes chegarem à conclusão de que é preciso ter paz.

Então, eu vou esperar esse momento. Eu, no G7, conversei com a Indonésia, conversei com a China, conversei com a Índia, conversei com o Vietnã, nós temos conversado com vários outros países. O Celso Amorim já foi a Kiev, o Celso Amorim já foi a Moscou. Ele agora está em Copenhague. Ou seja, o presidente da África do Sul já foi à Rússia, já foi à Ucrânia. Ou seja, tem muita gente brigando pela paz. Tem muita gente tentando encontrar um caminho para que a gente chegue à paz. Eu espero que logo, logo, também os Estados Unidos estejam querendo encontrar a paz, aí vai ficar mais fácil a gente fazer a paz.

Pronto, gente?

Fernanda Otero, do site Holofote Notícias Brasil e da rádio Dublin South FM, na Irlanda – Na sua agenda foi divulgado que o senhor conversou sobre cultura e tem quatro milhões de brasileiros morando fora do Brasil e a cultura é uma coisa muito forte para a gente, quando a gente está fora do Brasil. E é a maneira como a gente é identificado. Queria que o senhor comentasse um pouco sobre esses acordos que foram feitos, a conversa que o senhor teve com o Macron relativa à cultura. Muito obrigada.

Olha, uma das coisas que eu disse ao presidente Macron era de que nós poderíamos recuperar as comemorações do Dia do Brasil na França e do Dia da França no Brasil. Isso existia, era um evento cultural muito forte. Eu participei, enquanto presidente, de um evento aqui com a participação de muitas, muitas atividades culturais brasileiras. Depois eu participei lá no Brasil quando o Sarkozy foi lá, de um outro evento com muitas atividades culturais da França no Brasil.

E isso é importante voltar porque o povo brasileiro tem muita afinidade com o povo francês e com a cultura francesa. Então eu acho que o companheiro Macron deve ter ficado sensibilizado com a importância disso.

Outra coisa que eu pedi foi para recuperar a Casa da América Latina, que tem aqui e que é uma coisa que funciona bem, que tinha uma atividade cultural muito intensa. Eu inclusive entreguei na mão dele uma proposta para ele levar em conta a necessidade da casa voltar a funcionar com a força que ela já teve alguns tempos atrás. Ela foi fundada pelo De Gaulle, depois ela foi bem administrada pelo Mitterrand, depois ela veio funcionando ao longo de outros governos, mas está num momento de baixa. E é preciso então recuperar porque Brasil e França têm muita afinidade cultural.

Gente, eu vou pedir desculpas porque tem uma coisa chamada slot. Quando tem muito Chefe de Estado, você tem horário para voar, e o nosso horário já está vencendo, Haddad. E temos que ir.

Gente, muito obrigado a vocês. Até o próximo encontro.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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