Módulo sobre economia debateu relações históricas entre a formação da identidade beiradeira e as cadeias de valor a partir da reflexão sobre o futuro da juventude nos territórios
Publicado em 23/06/2023 – 10h03
Por Silia Moan – Jornalista do Instituto Socioambiental
ISA — Jovens beiradeiros das Reservas Extrativistas Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri e Rio Xingu, e também da Estação Ecológica Terra do Meio, outra Unidade de Conservação da região do Pará, refletiram no curso de gestão territorial do Beiradão sobre a história e a cultura associadas à identidade beiradeira e ao território do “beiradão”.
Das conversas, feitas em Altamira, às margens do rio Xingu, nasceram desejos de se criar caminhos para promover o diálogo com a sociedade envolvente, representantes do governo e parceiros, na busca pela proteção das suas vidas e de seus territórios.
O primeiro Curso de Gestão Territorial aconteceu entre 2011 e 2016, e foi realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e Fundação Viver Produzir e Preservar (FVPP), com apoio da Universidade Federal do Pará (UFPA) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).
Naquela época, o ciclo formativo tinha como objetivo fortalecer as lideranças das Reservas Extrativistas da Terra do Meio. O resultado foi a formação de assessores e lideranças das organizações comunitárias.
Em janeiro de 2023, foi realizado mais um módulo do curso de gestão territorial, dessa vez com o tema “economia”. Durante um mês, o coordenador do curso e antropólogo no ISA, Augusto Postigo, ao lado de Nurit Bensusan, especialista em biodiversidade do ISA e Raquel dos Santos, ecóloga, educadora e consultora do ISA, estiveram nas comunidades Gabiroto, São Francisco e Morro do Anfrísio, com cerca de 90 jovens beiradeiros.
Para compreender como o conceito está relacionado à prática, Nurit Bensusan dividiu a palavra Sociobiodiversidade em três: sócio, bio e diversidade. Com os beiradeiros da Resex Rio Xingu, a bióloga refletiu e interpretou sobre os sentidos de cada um dos termos para, ao fim, discutir com os estudantes a força da união do socio+bio+diversidade, que para os estudantes pode ser resumido como “o meio pelo qual o conhecimento tradicional do beiradão gera vida, protege e faz floresta”.
Ela conta que é sempre um desafio falar sobre o jargão que nós, que vivemos fora das comunidades, usamos para nos referir às práticas, muitas vezes usuais e consagradas, dos povos e comunidades tradicionais, como economia da sociobiodiversidade.
“É o que essas pessoas fazem todos os dias: tirar castanha, pescar, tirar borracha, botar roça, fazer farinha. E, dessa forma, garantir sua soberania alimentar e a floresta íntegra”, afirma Bensusan. Entretanto, afirma a especialista em biodiversidade do ISA, “os termos que a gente usa são, muitas vezes, enigmáticos para beiradeiros e outros povos e comunidades que constituem a rica sociobodiversidade desse país”.
Ainda assim, ela acredita que o esforço é válido, pois é conhecendo esses termos, esse jargão, que as comunidades da Terra do Meio podem se organizar para garantir seus direitos.
Em resposta à provocação de Bensusan sobre a relação entre economia e sociobiodiversidade, a estudante Thamires Silva sintetizou que, para ela, “economia é como a gente se organiza para ter um futuro melhor”.
Num momento em que a bioeconomia é a palavra da “moda”, é fundamental entender o que está em jogo no futuro próximo do país – que está associado ao beiradão, ou seja, a vida dessas pessoas – e assegurar que as economias da sociobiodiversidade tenham seu lugar, com políticas, instrumentos e inovação. Afinal, bioeconomia se escreve com S de sociobiosiversidade, afirma a professora do Curso de Gestão Territorial no Beiradão.
A sociobiodiversidade faz parte do modo de vida beiradeiro, desde as relações entre diversidade biológica, sistemas agrícolas tradicionais e a cultura beiradeira. E para que o beiradão continue sendo diverso, é preciso que os direitos territoriais dos beiradeiros sejam garantidos, com o reconhecimento, acesso pleno, posse e segurança dos territórios beiradeiros.
Lembrando do passado para compreender o presente e sonhar com o futuro!
Foi ativando a memória dos estudantes que o grupo refez os caminhos percorridos pelos produtos do extrativismo, desde o aviamento à organização para a produção, coleta, comercialização e beneficiamento.
Assim, foi possível compreender como esses caminhos e personagens envolvidos mudaram ao longo dos últimos 150 anos, desde a época dos barracões até os seringais da Terra do Meio, como conta o livro “Xingu: histórias dos produtos da floresta” organizado por André Vilas-bôas, Natalia Ribas Guerreiro, Rodrigo Gravina Prates Junqueira e Augusto Postigo.
Nesse módulo, foram os alunos que contaram essa história a partir da análise de como o conhecimento sobre os valores e economia foram atualizados com a implementação da Rede de Cantinas e do protagonismo dos beiradeiros na produção extrativista.
A partir do aprofundamento sobre como as Redes de Cantinas são estruturadas, com base nas cadeias de valor, os jovens fizeram leituras e cálculos para fortalecer os conhecimentos nas línguas portuguesa e matemática, ao mesmo tempo em que compreendiam mais sobre a história de formação do mosaico da Terra do Meio.
Além da relação profunda com o mundo das águas, os beiradeiros da Terra do Meio nomeiam de beiradão o território como um todo, afirma Augusto Postigo.
“Beiradão significa o território como um todo, composto de florestas, rios, igarapés, numa diversidade de paisagens reconhecidas pelos beiradeiros.”
É por meio da identificação “beiradeiro” que essas comunidades tradicionais se colocam no mundo, relacionando sua cultura e seus saberes locais ao modo harmonioso de se relacionar com a floresta.
A forte conexão com as águas, animais e plantas, influencia seus hábitos e costumes. Há ainda a teia de relações de parentesco que se espalha pelo território, conectando do Alto Iriri e Xingu até Altamira.
Ao longo dos dias do curso de gestão, a troca de conhecimento entre os participantes do módulo de Economia e os técnicos do ISA possibilitou que as relações estruturadas no beiradão fossem reconhecidas e valorizadas.
Confira as paisagens descritas pelos beiradeiros da Terra do Meio no livro “Terra do Meio/Xingu: os saberes e as práticas dos beiradeiros do Rio Iriri e Riozinho do Anfrísio no Pará”.
Essa edição do curso de gestão é parte de um projeto financiado pela Iniciativa Darwin contou ainda com o apoio do Instituto Darwin.
O que muda com esse governo?
Foi com essa pergunta que os beiradeiros refletiram sobre a mudança nas políticas públicas, principalmente sobre a criação da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais, liderada por Edel Nazaré, uma mulher da águas, nascida no município de Curralinhos, localizado no arquipélago do Marajó – (PA).
Patricia Lima, estudante e comunicadora da Rede Xingu+, falou que “Edel tem a realidade do modo de vida beiradeiro”.
Edel Moraes sempre lutou pela proteção das Reservas Extrativistas e dos povos da floresta por acreditar que “A floresta não é uma causa, ela é a nossa vida. Nós somos parte dela. Defender a floresta em pé é defender os povos que ali existem”.
Como é o futuro que queremos? O curso de gestão territorial pelos olhos das comunicadoras beiradeiras!
Protagonistas das articulações entre os diferentes territórios e povos da Bacia do Xingu, os Comunicadores da Rede Xingu+ constituem um grupo de 26 jovens indígenas e beiradeiros que têm se aperfeiçoado, durante as formações, no uso de ferramentas de comunicação para o fortalecimento das estratégias de proteção do corredor de Áreas Protegidas do Xingu.
Durante o módulo sobre economia, realizado na Resex Rio Xingu, a comunicadora beiradeira Patricia Lima utilizou diferentes linguagens abordadas durante o curso para roteirizar, filmar, dirigir e entrevistar os participantes do curso, resultando no vídeo “Curso de Gestão Territorial: Beiradeiros na luta pelos seus direitos!”, onde os jovens contam qual é o futuro que querem para suas vidas no Beiradão.