Partido de peso após a redemocratização tem hoje a sua menor representação no Congresso. Para o cientista político Sergio Fausto, alinhamento à direita e figuras como Doria e Aécio contribuíram para derrocada.
Publicado em 24/06/2023
Por Guilherme Henrique
DW — “Fiquei surpreso quando você disse que o assunto era o PSDB”, brincou Sergio Fausto ao atender a ligação da DW. “O partido não existe mais. Hoje é só mais uma sigla do cenário político nacional, sem a importância que já teve”, complementou o cientista político e diretor-executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso.
A avaliação de Sergio Fausto, que foi assessor dos Ministérios do Planejamento e Orçamento, Desenvolvimento e Comércio Exterior e Fazenda nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), foi feita no contexto do aniversário de 35 anos da sigla, fundada em 25 de junho de 1988.
O PSDB ocupou a Presidência da República entre 1995 e 2002 (com FHC), esteve no poder em estados como São Paulo e Minas Gerais, além de ter sido uma importante força atuante no Congresso, ao lado de PMDB e PT. Mas tudo isso ficou no passado.
Os tucanos têm, hoje, a menor representação no Congresso de sua história, com 14 deputados federais e dois senadores. Além disso, perdeu espaço em São Paulo e Minas. “O PSDB senta à mesa, mas não tem cacife para dar as cartas”, comenta Fausto.
Para o cientista político, o alinhamento à direita do PSDB após as eleições de 2014 foi fundamental para a derrocada do partido, com destaque para atuação de Aécio Neves e João Doria.
“Essas figuras menores, tipo Doria e Aécio, jogam o jogo miúdo da política, de quem olha a política no curto prazo. Isso também faz parte do jogo. Mas os valores servem de filtro e freio. A velha geração não teria se lançado tão sofregamente à direita. Não teria existido o ‘Bolsodoria’. Porque, quando acontece o ‘Bolsodoria’, há uma tentativa de surfar a onda da direita, mas você acaba engolido por ela”, afirma.
O futuro do partido, segundo Fausto, não é promissor. “O PSDB vai tentar compor uma federação para ter mais peso no Congresso, há essa possibilidade de aliança com o Cidadania… Mas, veja, é a aliança do ‘super baixinho’ com o ‘baixinho’. Não tem expressão nenhuma”, pontua.
DW: O PSDB não teve candidato à Presidência em 2022 e viu sua participação legislativa minguar. Após 35 anos, qual a situação do partido? Ele está em crise?
Sergio Fausto: Acredito que o PSDB tal como existiu em algum momento, como uma alternativa política de longo prazo no cenário nacional, acabou. Ele esteve em crise, mas hoje é só mais uma legenda existente no sistema partidário brasileiro. O partido tem uma história interessante, um presente complicado, e não vejo um futuro promissor. Ele vai sobreviver, mas não acredito que possa voltar a representar uma alternativa programática para a política brasileira. Há figuras políticas interessantes, como Eduardo Leite [governador do Rio Grande do Sul], Raquel Lyra [governadora de Pernambuco] e o Eduardo Riedel [governador do Mato Grosso do Sul]. Mas, hoje, o PSDB não é nem sombra do que já foi.
Como o senhor enquadra o PSDB na correlação de forças da política atual?
Digamos que o partido precisa se adaptar à conjuntura sem perder sua identidade. O que aconteceu com o PSDB? Ele perdeu sua identidade e tampouco se adaptou à conjuntura das preferências do eleitorado brasileiro. É por isso que ele tem pouca importância. O partido deixou de ter uma marca e se tornou uma sigla como outra qualquer. E para entender isso é preciso voltar um pouco no tempo.
O PSDB surge de uma costela do PMDB, mas com uma marca própria: a confluência de políticos de expressão nacional, de um lado filiados à social-democracia, como José Serra e Fernando Henrique Cardoso, e, de outro, filiados à democracia cristã, como Franco Montoro. Eram duas famílias políticas que tinham como referência a política europeia da segunda metade do século 20, baseada no bem estar-social europeu e no ideal de democracia. Havia uma referência programática de quadros de muita densidade política.
Convenção do PSDB em 2017. Da esq. para a dir.: Marconi Pirillo, João Doria, Geraldo Alckmin, Alberto Goldman e Fernando Henrique Cardoso – Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Esse recado foi dado já nas eleições de 1989. O programa do partido combinava a social-democracia de políticas públicas universais com a ideia de que a economia precisava se modernizar, com componentes liberais. O PSDB perde a eleição, mas há uma marca programática clara e diferente do que havia no Brasil. Em 1994, o PSDB vence a eleição presidencial, ganha disputas estaduais e se torna um dos três maiores partidos no Congresso. O problema é que o crescimento quantitativo não tem tradução no crescimento qualitativo de suas lideranças. O PSDB nunca conseguiu internalizar e defender os governos do Fernando Henrique. Ali, havia uma ideia de governo, com erros e acertos.
A partir do momento em que o partido não soube defender essa agenda e viu o PT crescer, chegar ao poder, assimilar várias dessas bandeiras e estigmatizar o partido, a mensagem básica do PSDB passou a ser “nós somos contra o PT”. O PSDB foi se movendo para a direita e, num determinado momento, se descaracterizou.
Com a Lava Jato, que atingiu todos os partidos tradicionais, a sigla implodiu. Ela perdeu a característica programática dos governos FHC e, mesmo com poder estadual, já não tinha poder federal. Aos olhos da população, a retórica do “PT ladrão” se desmoralizou, porque o PSDB também foi apanhado em esquemas de corrupção. O partido foi sendo comido pelas bordas pela direita, o que explica esse movimento recente de prefeitos do interior de São Paulo migrando para o PL de Jair Bolsonaro e do governo Tarcísio [de Freitas].
Em 2019, o senhor escreveu um texto para a revista Piauí dizendo que “para se constituir um campo político com identidade própria, a direita liberal terá de se distinguir com clareza da direita antiliberal”…
E isso não aconteceu. Na verdade, o governo Bolsonaro se constituiu a partir de uma junção da direita democrática com um bando de desclassificados. Agora, a meu ver, existe espaço para uma direita se firmar no Brasil.
Não sei se o PSDB pode fazer parte desse processo, porque o partido não tem mais nenhuma capacidade de liderança política. Os destinos da política nacional não passam mais pelo PSDB. O partido é um coadjuvante, um personagem menor. E ainda não está claro quão distante as forças da direita ficarão do bolsonarismo, mesmo com a provável inelegibilidade do ex-presidente.
O dilema é: que concessões a direita está disposta a fazer para ter o voto do bolsonarismo? Ou essa direita vai se comportar melhor do que tem feito nos últimos anos? Particularmente, acredito que o PSDB vai ficar tensionado entre uma coisa e outra: hora mais próximo, hora mais distante, também porque é um partido dividido.
O governador do Mato Grosso do Sul [Eduardo Riedel] é claramente um homem do campo da direita. Já a Raquel Lyra, governadora de Pernambuco, não. O que isso me lembra? O que sempre foi o PMDB. Só que o PMDB era grande, né? No fim, o PSDB virou um “PMDBzinho”: pequeno, sem unidade, característica e, por consequência, poder. Ele senta à mesa, mas não tem cacife para dar as cartas.
Qual a participação de João Doria nesse processo histórico?
Ele tem uma parcela de responsabilidade, mas há outros personagens. O que aconteceu em Minas Gerais, por exemplo, é uma hecatombe. Quais eram os dois bastiões do PSDB? Minas e São Paulo. Em Minas, o Aécio Neves no pós-eleição de 2014 destruiu o partido completamente. Ele “perdeu ganhando” aquela disputa com a Dilma [Rousseff], resgatando a herança do presidente Fernando Henrique. Depois, ele se conduziu muito mal. E não estou nem falando dos problemas que teve com a JBS, que acabaram por desmoralizá-lo completamente. Mas, politicamente, ele foi mal, agiu de maneira oportunista, apoiando pautas no Congresso contrárias ao que o governo FHC havia introduzido de reforma, como os retrocessos na Previdência, apenas para complicar a vida da ex-presidente Dilma, em uma aliança com Eduardo Cunha. Nenhuma liderança do velho PSDB agia de maneira oportunista como ele fez naquela ocasião.
Sergio Fausto é diretor-executivo da Fundação Fernando Henrique Cardoso – Foto: Renato Baumman
Em São Paulo, o João Doria, com seu estilo personalista, de passar por cima dos outros como um trator e com um histórico de traições a velhos aliados, também destruiu o partido no estado. O problema é o seguinte: é claro que a política é feita de interesses pessoais, e o principal deles é vencer eleição. Mas, alguns políticos estão na política com uma certa ideia do que acreditam que seja bom para o país. As lideranças tradicionais do PSDB tinham isso e também um certo compromisso com como se jogava a política, com alguma lealdade entre si e com outras forças democráticas, um resquício da luta contra a ditadura militar.
Essas figuras menores, tipo Doria e Aécio, jogam o jogo miúdo da política, de quem olha a política no curto prazo. Isso também faz parte do jogo. Mas, em alguns momentos, os valores servem de filtro e freio. Por exemplo: a velha geração não teria se lançado tão sofregamente à direita. Não teria existido o “Bolsodoria”. Porque, quando acontece o “Bolsodoria”, há uma tentativa de surfar a onda da direita, mas você acaba engolido por ela. O Doria se elegeu, até fez um bom governo, mas o que sobrou depois? Nada. A velha geração sabia que às vezes é preciso perder para cultivar certa identidade. Porque se a identidade vai para a vala comum, já era. O candidato pode vencer individualmente, mas o partido será destruído.
O senhor já disse que um dos problemas do PSDB foi a clivagem entre a velha e a nova geração. Essa é uma questão superada internamente?
Ela está sendo superada porque os mais velhos estão falecendo ou saindo da política e não deixaram sucessores. É um problema que pode ser debitado na conta da antiga geração, porque não soube criar uma linha sucessora. Houve uma geração intermediária? Só o Geraldo Alckmin, que já não está mais no partido. E tem figuras novíssimas, como o Eduardo Leite e a Raquel Lyra. Eles são bons. Mas duas andorinhas não fazem verão. E, com todo respeito ao Rio Grande do Sul e a Pernambuco, que são estados maravilhosos, mas se você não tem força em São Paulo, Rio de Janeiro ou Minas, não se vai a lugar nenhum.
Qual deve ser o futuro do partido?
Vai continuar, porque há uma certa estrutura e está no comando de três estados. O PSDB vai tentar compor uma federação para ter mais peso no Congresso, há essa possibilidade de aliança com o Cidadania…. Mas, veja, é a aliança do “super baixinho” com o “baixinho”. Não tem expressão nenhuma. Seria importante, se houver chance, fazer uma federação com o MDB e adensar as forças de centro. Mas há uma coisa que não se resolve: o PSDB, hoje, é um partido comum, e ele não nasceu para ser mais um. Olhando para o passado, ele foi uma aposta importante, que gerou frutos para a democracia brasileira e que, ao lado do PT, formou a melhor dupla do sistema partidário brasileiro desde a redemocratização. Mas isso acabou.
carlos
24/06/2023 - 12h35
Só restou 2 canalhas um é o famoso Aécio do pó e das pedras preciosas,e outro é o canalha de cajamar/capinas que é o do dinheiro na mala, canalha aos extremos.