Abri o site da Folha nesta manhã e logo me deparei com um título que, à primeira vista, pensei ter um tom irônico: Intervenção do Tio Sam para proteger eleição brasileira soa como ‘imperialismo do bem’. Imaginei que a colunista Lúcia Guimarães, que “vive em Nova York desde 1985” (é o que consta na primeira frase da sua bio), fosse criticar tal conceito estapafúrdio de “imperialismo do bem”.
Para minha surpresa, contudo, não há ironia alguma no artigo, que trata da matéria que saiu ontem (21) no jornal britânico Financial Times sobre as movimentações do governo Biden para que sua posição contrária a um eventual golpe de Estado no Brasil ficassem bem evidentes para integrantes do governo Bolsonaro e militares brasileiros.
A colunista candidamente se pergunta:
Existe imperialismo do bem? Se o seu filho torturado apodrecia numa cela brasileira, cortesia de generais, a resposta poderia ser: “Presidente Jimmy Carter, dá uma prensa no Ernesto Geisel!”
Se o seu filho foi preso por um general guatemalteco protegido por Ronald Reagan, a resposta seria: “Abaixo o imperialismo ianque!”
A postura da colunista não é, infelizmente, isolada. No próprio artigo que ela linka, sobre Jimmy Carter e a relação dos EUA com a ditadura brasileira, Elio Gaspari escreve no subtítulo que “A democracia brasileira lhe deve muito”. Sim, querido Gaspari, os militantes mortos, torturados e desaparecidos e a sociedade civil brasileira que lutou arduamente para restaurar a democracia deveria agradecer ao sr. Jimmy Carter, que tomou a muy corajosa atitude de estabelecer uma cordial antipatia com o regime de Geisel.
Parece piada, mas o nosso viralatismo é um problema crônico e sério.
Continuando com a tese da colunista, ela atribui a movimentação do governo Biden para desencorajar o golpe de Bolsonaro a mais um acesso de bondade dos americanos, um “imperialismo do bem” versão século XXI.
Eu, que enxerguei um cálculo político do governo Biden, já que Bolsonaro é um aliado muito próximo de Donald Trump, devo estar errado. Talvez minha mente não seja pura o suficiente para enxergar toda a bondade que os americanos reservam a nós, os cucarachos. (Quem sabe se eu me mudar pra Nova York…)
No final do artigo da colunista, a cereja do bolo: uma crítica à “hostilidade” do governo Lula em relação aos EUA. Decerto Lula deveria abandonar a altivez nas relações internacionais e, em sinal de profundo agradecimento, seguir todo e qualquer comando dos americanos, esses heróis altruístas que certamente só pensam no melhor para a democracia brasileira.
Alguém avisa o Lula que os EUA são imperialistas sim, mas é um “imperialismo do bem”…