Segundo a Folha, a equipe econômica teve uma reação negativa à decisão do Copom (Comitê de Política Monetária) de manter a taxa de juros em 13,75% e interpretou o comunicado como um ato de “boicote” ao presidente Lula. O governo tem pedido o corte da taxa Selic como forma de estimular a atividade econômica.
Havia uma expectativa de que o Banco Central adotasse um tom mais favorável no comunicado, deixando a possibilidade em aberto para uma flexibilização da política monetária já no próximo mês de agosto. No entanto, a mensagem divulgada pela autoridade monetária frustrou essa expectativa ao não sinalizar uma flexibilização.
Conforme relatos obtidos pelo jornal, membros do governo intensificaram suas críticas ao Banco Central e ao seu presidente, Roberto Campos Neto, que tem sido o alvo principal das críticas por parte do governo petista. Agora, há rumores de uma possível “declaração de guerra” por parte da instituição financeira.
Uma outra ala do governo mantém esperanças de que a ata do Copom, que será divulgada na próxima terça-feira (27) e fornecerá mais detalhes sobre a decisão, possa apresentar um tom mais favorável, indicando a possibilidade de um corte na taxa Selic.
Os comentários em ambientes internos refletem o discurso adotado por Lula, que tem consistentemente critica Campos Neto devido ao nível das taxas de juros no país. O presidente já declarou que Campos Neto não está comprometido com o bem-estar do Brasil, mas sim com o governo de Jair Bolsonaro (PL), que o indicou como atual chefe da instituição financeira.
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Alexandre Neres
22/06/2023 - 15h28
Negacionismo no Banco Central – MÍRIAM LEITÃO – O Globo
O Banco Central decidiu continuar não vendo os fatos ao redor e ignorar as quedas da inflação, dos juros futuros e das projeções. Não quer ver também a melhora da conjuntura fiscal com o avanço do arcabouço.
Esse negacionismo pode acabar, num efeito bumerangue, afetando negativamente as expectativas do próprio mercado, que já previa queda de um ponto percentual e meio de juros até o final do ano.
Um erro grosseiro do Banco Central. No fim de semana, Roberto Campos Neto recebeu ligações até da bancada do agronegócio bolsonarista, avisando que ele estava ficando isolado.
O que a maioria absoluta do mercado considerava é que o BC iria abrandar o comunicado e indicaria queda na próxima reunião.
E ele decepcionou. Havia ontem até uma dificuldade de entender o tom do comunicado após a reunião. Nos últimos dias, o varejo, a indústria, os serviços e até ex-ministros do governo Bolsonaro demonstraram sua insatisfação diretamente ao Banco Central.
O BC evidentemente não tem que decidir por pressões políticas, governamentais, nem empresariais. Mas ele está se colocando em situação de “conflito e conflagração”, na expressão de uma autoridade, por não se render à realidade dos fatos econômicos.
Para se ter uma ideia da teimosia do Banco Central, recentemente, um interlocutor falou ao presidente Roberto Campos Neto que aprévia do IGP-M tinha dado o número negativo mais baixo da história. Foi 6,7% de deflação em 12 meses. E a resposta dele foi dizer “mas os juros subiram na Austrália e no Canadá”.
Ora, o mesmo Roberto Campos que repete não haver relação mecânica entre taxa de juros e aprovação do arcabouço fiscal no Brasil, acha que há uma relação entre juros no Canadá e Austrália com os do Brasil? E isso pelo visto foi levado ao comunicado no trecho em que pontua “a retomada de ciclos de elevação de juros em algumas economias”.
O Banco Central entra em contradição com sua própria cartilha. Ele repete no comunicado que trabalha com o que ele chama de “horizonte relevante”, o que significa 2024. E em qualquer cenário apontado pelo próprio BC, o número de 2024 está no intervalo de flutuação da meta. No texto de ontem, ele avisa que o “Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação, como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas”. As expectativas já estão ancoradas, aliás, graças em grande parte ao seu próprio esforço feito tempestivamente.
Só que agora, quando o cenário alterou completamente, o BC prefere adotar uma postura negacionista.
Enquanto isso, o governo enfrenta um aperto ainda maior no arcabouço, aprovado ontem no Senado. A decisão do senador Omar Aziz de manter o indexador das despesas com a inflação de julho a junho, reduz em R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões a possibilidade orçamentária do ano que vem. O Ministério do Planejamento tem tido dificuldade de elaborar o orçamento, cumprindo todos os mínimos constitucionais. A inflação em 12 meses terminada em junho será tão baixa que isso reduzirá as despesas previstas.
A Câmara tem dito que se a inflação fechar o ano com um número maior, pode-se fazer um ajuste com a votação de um crédito suplementar.
Mas o governo não quer isso, porque teme ficar mais uma vez na mão da Câmara dos Deputados. O governo prefere formular o orçamento projetando a inflação até o fim do ano e, depois, se o índice ficar menor, fazer o cancelamento das despesas.
O que essa briga em torno do arcabouço mostra é que, sim, a inflação tende a subir no segundo semestre. E é isso que está no comunicado do Banco Central. Mas então em que o BC errou? Errou porque essa elevação está prevista, é efeito estatístico da retirada da conta das deflações fabricadas pelo governo Bolsonaro e, em nenhum momento, a alta representa o retorno do surto inflacionário que levou o Banco Central a agir, corretamente, em 2021.
O BC costuma dizer que não é ele que faz os juros, mas o mercado. Parece não entender a relação circular na formação das expectativas.
Antes da reunião, o mercado projetava queda dos juros em agosto. Hoje as projeções devem ser alteradas. O mercado ficará mais pessimista por indução do BC. Ao errar, a autoridade monetária está prejudicando o próprio instituto do Banco Central independente.
O negacionismo é ruim em qualquer área, inclusive na política monetária.
Antes da reunião, o mercado projetava queda de juros para agosto, mas agora tende a ficar mais pessimista por indução do BC