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Resistência e solidariedade: o legado de Deolinda Prado, ‘guardiã das mulheres indígenas’

Uma das fundadoras da Associação Mulheres Indígenas do Rio Negro (AMARN), que atua na luta contra a violência, faleceu em junho Publicado em 19/06/2023 – 11h10 Por Ana Amélia Hamdan – Jornalista do Instituto Socioambiental ISA — É longo o caminho da comunidade de Santa Cruz do Turi, no distrito de Iauaretê (AM), na fronteira […]

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AMARN/Divulgação

Uma das fundadoras da Associação Mulheres Indígenas do Rio Negro (AMARN), que atua na luta contra a violência, faleceu em junho

Publicado em 19/06/2023 – 11h10

Por Ana Amélia Hamdan – Jornalista do Instituto Socioambiental

ISA — É longo o caminho da comunidade de Santa Cruz do Turi, no distrito de Iauaretê (AM), na fronteira com a Colômbia, até Manaus. Mais distante ainda para uma jovem indígena que, na esperança de uma vida melhor, saiu de seu lugar de origem pela primeira vez para trabalhar na capital amazonense como empregada doméstica e encontrou uma série de violências.

Parte da história de vida da liderança Deolinda Freitas Prado, do povo Desana, coincide com a de muitas mulheres indígenas do Alto Rio Negro.

Deolinda, nome indígena Diakarapo (“mãe de patinhos da água”), uma das fundadoras da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro (AMARN), faleceu em 1º de junho, aos 70 anos, em Manaus, deixando um legado de resistência e solidariedade.

“Deolinda era uma guardiã da nossa associação, uma guardiã das mulheres indígenas. Foi a primeira coordenadora da AMARN em 1987, passando por vários cargos. Em 2022 foi eleita com anciã da associação, cargo que ocupava quando faleceu”, contou Clarice Gama da Silva, do povo Tukano, da AMARN.

“Ela era muito respeitada. Nessa caminhada, ela nos deixou um legado muito importante. Foi nossa coordenadora, assessora, guardiã, exemplo de muita coisa, de ternura. Nunca brigava com as mulheres e ajudava a entender a dinâmica de luta”, disse.

Além disso, ela participou ativamente das discussões da Constituinte de 1988 ao lado do cacique Raoni Kayapó, entre outras lideranças.

A AMARN nasceu em 1987 com o propósito de acolher as mulheres indígenas do Alto Rio Negro que, como Deolinda, acabaram expostas a uma série de violências na capital.

Deolinda foi retirada de sua comunidade indígena, quando tinha cerca de 10 anos, para estudar em um colégio salesiano em Iauaretê. Aos 16 anos, foi encaminhada para trabalhar como empregada doméstica em Manaus. Outras mulheres indígenas seguiram esse mesmo caminho, sendo levadas principalmente para casas de militares ou de familiares de religiosos. Muitas não recebiam devidamente os salários e ainda sofriam abusos.

“Ela foi levada para Manaus, mas não tinha dimensão do que aconteceria. Ela tinha expectativa de que era algo melhor. Mas ela relatava uma outra dimensão dos acontecimentos, com uma série de violência doméstica, sexual e psicológica, além do racismo, discriminação e preconceito”, lamentou Clarice Gama.

Nesse contexto, muitas jovens indígenas não dominavam os afazeres domésticos e eram expulsas pelos patrões. Abandonadas, não tinham como voltar para casa.

Deolinda é considerada ‘guardiã das mulheres indígenas’ – Foto: AMARN/Divulgação

“Não tínhamos parentes, ninguém. A AMARN foi pensada para nós, para termos uma referência das mulheres para quando está desempregada ou quando está doente”, relatou a própria Deolinda em vídeo disponível na internet.

A AMARN, uma das primeiras associações de mulheres indígenas do Amazonas e do Brasil, tornou-se uma referência de luta e resistência às diversas formas de violência.

Também chamada de Numiã Kurá – na língua Tukano “grupo de mulheres” –, a associação foi criada com o incentivo da antropóloga Janete Chernella. À época, ela fazia pesquisas da região do Alto Rio Negro e conheceu as famílias dessas mulheres e começou a apoiar a mobilização.

O grupo foi organizado com o intuito de promover oportunidades de geração de renda, qualidade de vida e formação sociopolítica.

Atualmente, a associação reúne mulheres indígenas que produzem artesanato a partir de matéria-prima vinda da floresta, como as sementes e fibras. Além disso, elas oferecem aulas de Tukano. São cerca de 80 associadas e 30 artesãs de diversas etnias da região do Alto Rio Negro, como Tukano, Desano, Tariano, Tuyuka, Baré, Baniwa, Wanano.

“A nossa principal atividade é o artesanato. Essa é nossa forma de luta, de resistência. Por meio da bioeconomia geramos sustentabilidade e renda”, pontuou Clarice Gama.

Deolinda Freitas Prado foi velada na sede da associação (rua 6, nº 156, do Conjunto Vila Câmara, Zona Leste de Manaus). O sepultamento foi no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, no bairro Tarumã.

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