Planta de produção de combustíveis foi vendida pela Petrobras à 3R Petroleum, que contratou ex-presidente da estatal
Publicado em 14/06/2023 – 18h58
Por Vinicius Konchinski – Brasil de Fato – Curitiba (PR)
Brasil de Fato — A Refinaria Clara Camarão, em Guamaré (RN), deixou de ser a fornecedora de combustíveis mais baratos do país e passou a ser a com preços mais altos horas depois de ter seu controle transferido à iniciativa privada, no último dia 7. A constatação foi feita em estudo elaborado pelo Observatório Social do Petróleo (OSP), divulgado na terça-feira (14).
A refinaria foi vendida para a empresa 3R Petroleum em janeiro de 2022, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O negócio foi fechado por 1,1 bilhão de dólares, cerca de R$ 5,5 bilhões. Envolveu não só a refinaria, mas também um conjunto de 20 concessões de campos de petróleo que compõem o chamado Polo Potiguar.
Boa parte da negociação entre a Petrobras e a 3R sobre o Polo Potiguar aconteceu enquanto a estatal era presidida pelo economista Roberto Castello Branco, entre janeiro de 2019 e abril de 2021. Em abril de 2022, Castello Branco foi contratado pela 3R Petroleum para presidir o conselho de administração da empresa, instância que toma as decisões mais importantes sobre os negócios da fornecedora, incluindo sua política de preços.
Baseada nessa política, a 3R aumentou o preço da gasolina vendida pela antiga refinaria estatal em 8,7%; o botijão de gás teve um reajuste de 5,1%; o diesel tipo S-500 subiu 18%. Os aumentos ocorreram 24 horas após a privatização. Ao todo, os preços de 24 produtos produzidos no local foram reajustados.
Até eles serem aplicados, de acordo com a OSP, a Refinaria Clara Camarão praticava preços menores do que o preço médio praticado pelas refinarias da Petrobras. Hoje, ela vende combustíveis acima dos valores cobrados pelas refinarias da estatal e o diesel mais caro do país, com uma diferença de preço que chega a 12%.
No caso da gasolina, a diferença é de 4% em relação ao preço médio das refinarias estatais. O gás de cozinha está 1% mais caro. Já o diesel tipo S-500, 5% mais alto.
“A refinaria começou a ser operada de forma privada na semana passada e, no primeiro dia, houve esses reajustes”, descreveu Eric Gil Dantas, economista do OSP. “O que aconteceu ali é a mesma coisa que aconteceu na Bahia e no Amazonas: aumento de preços logo após a privatização, fazendo a população local pagar preços mais elevados.”
Roteiro conhecido
Dantas citou Bahia e Amazonas porque lá, também durante o governo de Jair Bolsonaro, foram vendidas refinarias locais da Petrobras. A privatização da Refinaria Landulpho Alves (Rlam), na Bahia, foi concluída no final de 2021. A Refinaria Isaac Sabbá (Reman), de Manaus (AM), foi oficialmente transferida à iniciativa privada em dezembro de 2022.
Meses após a privatização, a Bahia passou a ter um dos combustíveis mais caros do país por conta de aumentos implementados pela nova gestão.
Um mês após a venda, a Reman passou a vender o gás mais caro do Brasil.
Refinarias da Petrobras vendem um botijão de gás a distribuidoras por R$ 33,02, na média. A Refinaria Clara Camarão vende o gás a R$ 34,41. A Refinaria de Mataripe, antiga Rlam, cobra R$ 37,44 por botijão. A Ream, R$ 47 – 42% mais que a Petrobras.
Em relação à gasolina, a Refinaria de Mataripe vende o litro a R$ 2,76 – o preço é R$ 0,02 mais barato do que o da Petrobras. Na Clara Camarão, a gasolina custa R$ 2,91 e na Ream, R$ 2,95 – ou seja, acima do preço estatal.
O diesel tipo S-500 custa em Mataripe R$ 3 por litro, mesmo valor da Petrobras. A Ream vende a R$ 3,15; a Clara Camarão, a R$ 3,36.
“A estrutura de custos da Petrobras é muito mais eficiente porque é uma é uma empresa do poço ao posto. Da extração do petróleo até o refino tem uma margem muito grande. Com essa margem, há a possibilidade de cobrar preços menores”, acrescentou Dantas. “Além disso, é uma empresa estatal, que tem outras pressões que não a da maximização do seu lucro. Pressão da população, dos seus objetivos sociais.”
A 3R Petroleum informou em nota que “os preços dos produtos derivados produzidos pela companhia seguem parâmetros de mercado – tais como o dólar, o valor de referência internacional do petróleo, custos logísticos para recebimento de derivados na região Nordeste, entre outros”.
Nesta quarta-feira, a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra (PT), esteve na 3R. Lá, pediu que a empresa mantenha preços justos em seus combustíveis. “Em que pese o respeito à autonomia da empresa e às suas decisões, eu não posso deixar de ressaltar a importância de se manter um preço justo dos combustíveis vendidos na refinaria Clara Camarão. Isso tem impacto direto na economia e na vida das pessoas”, disse.
Privatização criticada
Rosangela Buzanelli, funcionária e integrante do conselho de administração da Petrobras, criticou a privatização da Refinaria Clara Camarão e de todo Polo Potiguar em artigo publicado em seu site pessoal.
Para ela, a privatização é lamentável pelo aumento dos preços e também por demissões relacionadas ao processo. Já houve 300 dispensas e mais 950 empregados receberam aviso prévio, escreveu ela, citando o Sindicato dos Petroleiros e Petroleiras do Rio Grande do Norte (Sindipetro-RN).
Buzanelli também disse que a nova gestão da Petrobras prometeu manter suas atividades no estado e buscar alternativas de realocação de petroleiros. “Mas, dependendo da realidade de cada trabalhador, as opções oferecidas poderão não atender às necessidades. A verdade é que com a privatização sempre haverá muita gente prejudicada”, afirmou.
Por fim, ela lembrou que há um processo na Justiça sobre a privatização do Polo Potiguar justamente questionando eventual conflito de interesses nas decisões de Castello Branco sobre a venda. Ela ainda pediu que “os processos de privatização de ativos da estatal ocorridos entre 2016 e 2022 sejam analisados e avaliados pelo novo governo e seus agentes, evitando-se o risco de serem acusados de omissos pela história”.
“O desmonte e a desverticalização da Petrobras promovidos nesses últimos sete anos são inquestionáveis, assim como as consequências lesivas para a empresa e o país”, escreveu.
Edição: Nicolau Soares