Enquanto articulam a aprovação rápida na Câmara dos Deputados daquilo que deve ser o maior perdão da história a partidos por irregularidades em suas prestações de contas, incluindo o desrespeito ao repasse mínimo de verbas públicas de campanha a mulheres e negros, 21 legendas deixaram de destinar ao menos R$ 487 milhões a essas candidaturas nas eleições de 2022.
O valor, que pode chegar a R$ 693 milhões no pior cenário, foi calculado pela DW com base em dados parciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e considera apenas os recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) declarados como recebidos pelas candidaturas. O destino da maior parte dessa verba (95%) consta do sistema do TSE.
Segundo especialistas em direito eleitoral consultados pela DW, sem a anistia planejada, o descumprimento das cotas de raça e gênero implicaria a devolução desses recursos aos cofres públicos por partidos e candidatos.
São valores expressivos considerando que as campanhas, hoje, são bancadas quase inteiramente com dinheiro público: de cada R$ 100 que pingaram nas contas de candidatos e partidos em 2022, R$ 81 foram pagos pelo contribuinte – e a maior parte desse dinheiro veio do FEFC: R$ 4,89 bilhões dos R$ 5,28 bilhões.
O cálculo da reportagem desconsidera o Fundo Partidário, que tem peso mais modesto no financiamento das campanhas (R$ 396 milhões) e cuja distribuição, mais complexa, está sujeita a critérios regionais de proporcionalidade. Caso as regras de repasses mínimos tenham sido infringidas também na destinação do Fundo Partidário às campanhas, esse passivo pode ser maior.
Chapas inteiras ameaçadas
Para o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados de São Paulo, Ricardo Vita Porto, o desrespeito às cotas para mulheres e negros poderia inclusive, no limite, levar à perda de mandato de toda uma chapa eleita por um partido.
“Já houve cassações por candidaturas laranjas, com declaração de nulidade dos votos da chapa inteira por descumprimento do número mínimo de candidaturas [de mulheres]”, afirma Porto.
Para ele, esse entendimento poderia ser estendido ao subfinanciamento de mulheres e negros, embora isso ainda não tenha acontecido.
“Se a cassação é uma consequência da fraude ao limite mínimo de vagas, deve também ser consequência da fraude ao limite de financiamento”, argumenta.
Situação mais grave da perspectiva racial
Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Minas Gerais, Isabela Damasceno concorda.
“Sem recurso não se faz campanha. Quando você inviabiliza financeiramente a campanha de uma mulher, uma pessoa negra, de certa forma é como se você tivesse uma candidatura fictícia”, afirma.
Em 2022, enquanto pelos dados parciais do TSE a maioria dos partidos manteve as campanhas femininas em situação de subfinanciamento, um olhar detalhado revela que a situação é bem mais grave da perspectiva racial.
Enquanto mulheres que não se autodeclararam pretas ou pardas respondem por um déficit de R$ 24 milhões em relação a outros grupos, esse número chega a R$ 238 milhões entre mulheres negras e bate os R$ 430 milhões entre homens negros.
Por Deutsche Welle