Na manhã desta terça-feira (30), mesmo dia que a Câmara dos Deputados deve votar o projeto de lei de demarcação de terras indígenas, a Rodovia dos Bandeirantes, em São Paulo, amanheceu bloqueada pelos indígenas guarani, que vivem no Pico do Jaraguá, como forma de protesto contra a medida.
O projeto do marco temporal (PL 490/2007) tem o objetivo de demarcar as terras indígenas que já eram ocupadas na época da promulgação da Constituição vigente. Ou seja, se aprovado, os povos originários só terão direito às terras tradicionalmente habitadas em caráter permanente até outubro de 1988, 35 anos atrás. No dia 7 de junho, o Supremo Tribunal Federal irá decidir se a tese é válida ou não.
Em entrevista à Agência Brasil, Thiago Karai Djekupe, líder indígena de Jaraguá, em São Paulo, afirmou que o PL 490 é para “fragilizar nossas vidas, tomar nossos territórios, para fazer reintegração de posse e para cometer violência.”
“Se isso acontecer [se o projeto do marco temporal for aprovado], significa que várias terras e povos indígenas, que não têm como comprovar o processo de demarcação conforme esse marco exige, vão sofrer a expulsão e a violência de seus territórios – e essa violência estará legitimada por uma ação de reintegração de posse baseada na tese do marco temporal”, disse.
Diante disso, indígenas de norte a sul do Brasil se organizaram em atos de resistência contra o projeto. Para eles, isso representa grande ameaça à vida do povo e estão dispostos a lutar pelos seus direitos.
“Não sei dizer se vamos conseguir impedir essa votação. Mas o que posso afirmar é que nós estamos cansados de sofrer essa violência. Estamos cansados de ser ameaçados e de ter nossa vida sob todo esse impacto que o não indígena nos traz”, aponta Thiago Karai Djekupe.
Números indígenas como ele, figuras políticas como a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e instituições ligadas à defesa dos direitos humanos se mobilizaram para acompanhar a votação no Congresso. Os guaranis de São Paulo, por exemplo, fizeram atos no Largo São Francisco e uma vigília na terra indígena Jaraguá.
A ministra dos Povos Indígenas publicou em suas redes sociais um apelo para que os cidadãos e deputados não aprovem as mudanças conferidas pelo marco temporal. “O PL 490 será votado e precisamos nos mobilizar como nunca”, diz.
O escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou nesta segunda-feira (29) um alerta para que as autoridades brasileiras criem medidas urgentes em prol dos povos originários, “conforme as normas internacionais de direitos humanos”. Segundo o órgão, iniciativas como essa “arriscam a proteção dos indígenas no país” e são um retrocesso para os direitos deles.
“A posse das terras existentes em 1988, após o expansionismo da ditadura militar, não representa a relação tradicional forjada durante séculos pelos povos com o seu entorno, ignorando arbitrariamente os direitos territoriais e o valor ancestral das terras para o seu modo de viver”, disse, em nota, chefe da ONU Direitos Humanos na América do Sul, Jan Jarab.
A Human Rights Watch, organização internacional, também se posicionou com grande preocupação com a votação do marco temporal. Em comunicado, o órgão disse que “o Congresso brasileiro deveria rejeitar um projeto de lei que adota marco temporal arbitrário para o reconhecimento de terras indígenas”
“O direito dos povos indígenas a seus territórios não começa e nem termina em uma data arbitrária”, disse a diretora da Human Rights Watch no Brasil, Maria Laura Canineu. “Aprovar esse projeto de lei seria um retrocesso inconcebível, violaria os direitos humanos e sinalizaria que o Brasil não está honrando seu compromisso de defender aqueles que comprovadamente melhor protegem nossas florestas”, concluiu.
Os povos indígenas afirmam que haverá resistência da parte deles. “Recuar, para nós, não é uma opção. Vamos resistir, vamos nos posicionar e, se tentarem fazer reintegração de posse a qualquer terra indígena, é necessário entender que vão precisar tirar nossa vida”, disse Thiago Karai Djekupe. “O território é o que nós somos. Se tiver que resistir, se tiver que lutar, se tiver que tombar para que outros continuem erguidos na luta, vamos fazê-lo. Recuar, para nós, não é opção. Independentemente de qualquer ameaça que se coloque à nossa vida, são mais de 500 anos sob essa violência, são mais de 500 anos dessa ignorância e não vai ser nessa geração, na minha geração, que vamos nos curvar”, acrescentou.