Menu

O preconceito contra estudantes brasileiros em Portugal

Universidade de Lisboa foi palco de protesto após aluno português defender “apedrejamento” de brasileiros. À DW Brasil, alunos relatam enfrentar cotidiano de discriminação nas instituições de ensino do país europeu. Por Elisa de Oliveira Brinkhoff Deutsche Welle – Inconformados com o mais recente episódio que os transformou em alvo de discriminação na Faculdade de Direito […]

1 comentário
Apoie o Cafezinho
Siga-nos no Siga-nos no Google News
Imagem: Reprodução/Maria Elena Leal

Universidade de Lisboa foi palco de protesto após aluno português defender “apedrejamento” de brasileiros. À DW Brasil, alunos relatam enfrentar cotidiano de discriminação nas instituições de ensino do país europeu.

Por Elisa de Oliveira Brinkhoff

Deutsche Welle – Inconformados com o mais recente episódio que os transformou em alvo de discriminação na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, estudantes brasileiros organizaram um protesto na instituição na última semana (16/05). 

Eles se posicionaram contra um aluno português da universidade que, no final de abril, criticou um grupo de brasileiros durante uma reunião geral de estudantes. O grupo de brasileiros tinha entregue uma carta à comitiva do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a visita deste a Portugal, na qual relataram dificuldades que têm no país e citaram casos de discriminação no ensino  superior.

Pedras “para atirar a um ‘zuca'”

Durante fala na reunião de estudantes, o aluno disse ter interpretado a intenção dos autores da carta da seguinte forma: “Lula, é só para dizer que Portugal é um país péssimo, que somos super maltratados e mesmo assim somos tão burros que continuamos a ir para lá”. O aluno foi suspenso das reuniões. 

O estudante também disse que os autores da carta “de fato mereciam levar com uma pedra”, o que remeteu a um episódio similar ocorrido em 2019 – e mencionado no texto –, quando um grupo de sátira da universidade colocou uma caixa de madeira com pedras na entrada da faculdade, com uma placa dizendo “Grátis se for para atirar a um ‘zuca’ (‘brazuca’) que passou à frente no mestrado”. Segundo o grupo responsável, se tratava de uma brincadeira que constatava que havia muitos alunos brasileiros na instituição.

A Universidade de Lisboa não respondeu às perguntas da DW. Mas, segundo o jornal Folhade S. Paulo, a Faculdade de Direito já comentou em nota o acontecimento, dizendo que “repudia e não tolera qualquer situação de discriminação”. O acusado estudante português afirmou por e-mail à DW que “darei conhecimento dos fatos em sede própria” (no âmbito do processo). 

No dia da manifestação, a Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa publicou uma nota, dizendo que o aluno português demonstrou “total desconsideração pelos valores de inclusão e não-discriminação que pautam a atuação e o funcionamento” da Associação. Por isso, deverá haver um voto sobre a expulsão do estudante da agremiação no final de maio. 

Discriminação, uma realidade do cotidiano

Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial em Portugal recebeu 109 denúncias de xenofobia contra brasileiros no ano de 2021. Desses casos, 8% ocorreram na área da Educação. Em 2017, ano em que foi lançado o primeiro relatório do órgão contra a discriminação racial e étnica devido a mudanças na legislação do país, foram registradas apenas 18 queixas. Mas o número de casos não comunicados pode ser maior. 

Procurados pela DW, vários estudantes brasileiros e portugueses concordaram em falar sobre discriminação nas faculdades, mas pediram para permanecer anônimos, por receio de represálias.

Um deles é estudante da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Para ele, sofrer discriminação pelo fato de ser brasileiro é uma realidade. O aluno paulista mora na capital portuguesa há três anos, mas, além de ter vivido “momentos incríveis”, ele relata vários episódios nos quais sentiu discriminado. 

Por exemplo, ele diz que um professor já pediu que ele reformulasse uma frase dizendo que “pois lhe soou muito brasileiro”. Além disso, o estudante conta que, quando recebeu uma prova corrigida de volta, observou que palavras como “ato” e “fato” estavam circuladas em vermelho – mesmo sendo ortograficamente corretas. Os episódios chegaram a fazer com que o aluno questionasse a decisão de estudar em Portugal.

Ele não é o único estudante brasileiro que relata experiências do tipo. Outro aluno brasileiro procurado pela DW disse à reportagem avaliar que a xenofobia faz parte do cotidiano das universidades. Ele tem a impressão de que “se cobra mais de nós”, e sente que alguns estudantes portugueses pensam que são mais inteligentes. Outro problema, segundo o estudante, é que há preconceitos particularmente contra brasileiros do Nordeste e contra mulheres brasileiras, que supostamente vieram para “arrumar maridos” – algo que ele diz ouvir com frequência. 

Cada vez mais brasileiros em universidades portuguesas

O número de estudantes brasileiros em Portugal vem aumentando há anos. No ano letivo atual, são quase 19 mil de um total de 432 mil alunos, quase três vezes mais do que no ano letivo 2011/2012. Desde 2008, o grupo de brasileiros é o maior grupo de estudantes estrangeiros em Portugal. Vários fatores contribuem para esse desenvolvimento.

Segundo Juliana Iorio, pesquisadora colaboradora da Universidade de Lisboa, a escolha pelo país “se dá, sobretudo, devido à partilha do mesmo idioma, e porque os estudantes considerarem que, culturalmente, Portugal e Brasil são países semelhantes”. A pesquisadora realizou um estudo em 2016. Naquela época, o Brasil ainda estava se beneficiando de condições econômicas favoráveis, o que também considera um fator importante, porque “a classe média [brasileira] passou a ter mais condições financeiras de custear os seus estudos em outro país, e as classes mais carenciadas passaram a poder contar com mais financiamentos (bolsas de estudo) por parte do governo brasileiro”. 

O que facilitou bastante a entrada as universidades portuguesas desde 2014 também foi a decisão de várias faculdades de aceitar a nota do Enem, o que fez com que estudantes brasileiros tivessem mais possibilidades de estudar fora do país. 

Mas não há uma reserva formal para alunos estrangeiros nas vagas para cursos de graduação ou pós-graduação, diz Beatriz Alvarenga, da iniciativa Estudar Fora, da Fundação Estudar no Brasil. Isso significa que todos os estudantes disputam as mesmas vagas, “a menos que haja alguma política específica de uma instituição”. A Universidade do Porto, por exemplo, tem quase 800 vagas reservadas para estudantes sem nacionalidade portuguesa no ano letivo de 2023/2024 (segundo o calendário europeu). 

Juliana Iorio acredita que o número de estudantes brasileiros nas universidades portuguesas vai continuar crescendo, considerando “o aumento que houve nos últimos anos, sobretudo a partir de 2008, durante os governos do PT, e devido aos incentivos financeiros que houve na educação superior no Brasil durante esses governos”. 

Ela não tem observado uma tensão ou concorrência entre os diferentes grupos, mas conta que, em entrevistas à imprensa, alunos do Brasil disseram que, às vezes, alunos portugueses não queriam fazer trabalhos em grupo com eles e “que existe uma discriminação linguística, onde muitos professores não aceitam o português brasileiro.”

Alunas portuguesas condenam discriminação 

Mas o que pensam os portugueses? Duas estudantes da Universidade de Lisboa que desejam permanecer anônimas condenam o ato ocorrido na reunião. Uma delas o chama de “chocante e até mesmo vergonhoso”, a outra de um “episódio triste e com o qual se deve ter tolerância zero”. 

As duas nunca observaram atos de xenofobia pessoalmente, mas já ouviram vários relatórios de estudantes brasileiras sobre discriminação. “O elevado número de estudantes brasileiros na nossa faculdade é percebido de maneira completamente errada – em vez de ser visto como algo enriquecedor, é visto como um simples ‘passar à frente na fila do mestrado'”, explica uma estudante, e adiciona que o preconceito está enraizado por ser tão frequente. 

Os relatos sobre episódios na Universidade de Lisboa, porém, não refletem necessariamente um comportamento de discriminação contra todos os estudantes brasileiros. Guilherme Machado, que está fazendo o seu doutorado na Universidade do Porto, nunca foi discriminado por ser brasileiro. Ele se sentiu bem recebido e não ouviu ninguém falar de xenofobia – mesmo com a maioria dos estudantes do doutorado sendo estrangeiros. Segundo ele, uma razão pode ser o status de ser aluno de doutorado, porque a percepção social é “muito boa” e a posição traz uma determinada autoridade. 

Mudança de mentalidade

Para Guilherme, é importante conscientizar a sociedade em geral para evitar conflitos e discriminação, algo que, segundo ele, já deve começar nas escolas. As duas estudantes portuguesas concordam, dizendo que é preciso entender “que somos todos seres humanos, independentemente do lugar onde nascemos, e isso em nada nos distingue”. 

No contexto acadêmico, segundo Alessandro Ayes, que organizou a manifestação na última semana, deve haver uma política institucional de prevenção de xenofobia nas universidades, para que as vítimas de discriminação possam denunciar os casos de uma maneira justa. Outro estudante brasileiro também deseja uma postura de combate a atos de todas as formas de discriminação de uma forma “ativa, séria, clara, célere e contínua”. 

Além disso, o estudante gostaria que a universidade assumisse um compromisso em orientar os professores sobre “os impactos que uma simples frase, opinião ou entendimento pode causar num aluno que já está convivendo num ambiente de muitas mudanças e desafio”. A pesquisadora Juliana Iorio também acha que é importante trabalhar com os professores, que “precisam conhecer as realidades das diferentes culturas dos seus alunos”.

Apoie o Cafezinho
Siga-nos no Siga-nos no Google News

Comentários

Os comentários aqui postados são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam a opinião do site O CAFEZINHO. Todos as mensagens são moderadas. Não serão aceitos comentários com ofensas, com links externos ao site, e em letras maiúsculas. Em casos de ofensas pessoais, preconceituosas, ou que incitem o ódio e a violência, denuncie.

Escrever comentário

Escreva seu comentário

Paulo

27/05/2023 - 22h18

Preconceito nunca vai deixar de existir em lugar nenhum do mundo, mesmo entre nacionais (de uma região para outra, por exemplo). Lembro-me de que, há cerca de 20 anos ou até mais, havia preconceito em Portugal contra os dentistas brasileiros, pois os dentistas portugueses só sabiam arrancar dentes e os nossos eram muito melhores, “salvavam” os dentes e os portugueses os preferiam, naturalmente, o que gerou uma reação de prevenção, dos profissionais portugueses, que se sentiram ameaçados em sua área de atuação. Na São Paulo de minha infância, por exemplo, imigrantes portugueses eram discriminados, praticamente condenados ao comércio – especialmente padarias – e estigmatizados por serem considerados “estranhos”. Hoje já se incorporaram ao protótipo do “paulistano típico”: de descendência estrangeira – europeia, do Oriente Médio ou do extremo Oriente, especialmente Japão – ou de quatrocentoes, basicamente de fenótipo branco e/ou de classe média. Alguns acreditam que pior que o racismo é a manifestação expressa de racismo, como ocorreu no caso Vinicius Jr, na Espanha – alguns creem no contrário, e dizem até preferirem a manifestação ostensiva. Eu tenho dúvidas. O que, pra mim, vai além de um “espírito normal de corpo e de classe”, de “sentimento de pertencimento ou de origem comum”, e se volta manifestamente contra uma pessoa por sua condição racial, religiosa, preterindo-a em chances e oportunidades, por conta dessa condição, é o que realmente se deve condenar com veemência…


Leia mais

Recentes

Recentes