Embaixo de forte chuva, multidão pede que Cristina seja candidata a presidenta. Plaza de Mayo, Avenida 9 de Julio e Avenida de Mayo, no centro da capital argentina, são tomadas pelo povo
Bruno Falci, de Buenos Aires, especial para O Cafezinho
No feriado nacional argentino, aniversário da Revolução de Maio, a vice-presidenta Cristina Kirchner liderou e foi a única oradora de um ato na Plaza de Mayo, pelos 20 anos da posse presidencial de Néstor Kirchner, ontem (25/05). Com duras críticas à Corte Suprema e à oposição, Cristina falou por uma hora e evitou dar definições sobre as candidaturas dentro da coalizão peronista, Frente de Todos, enquanto ouvia os manifestantes entoarem cânticos de apoio ao seu nome. “Cristina Presidenta” era o que mais se escutava, pedindo para que ela seja candidata presidencial nas eleições do final deste ano na Argentina.
A última vez que Cristina Kirchner participou de um ato na Plaza de Mayo foi em 10 de dezembro de 2021, durante as comemorações do Dia da Democracia. Nessa ocasião, ela estava acompanhada por Alberto Fernández; o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e o ex-presidente uruguaio, José ‘Pepe’ Mujica.
No dia 25 de maio de 1810 se celebra a formação do primeiro governo pátrio que derrubou o vice-rei designado pelo rei da Espanha, Fernando VII, para administrar sua colônia. A Revolução de Maio é considerada pela historiografia argentina o processo revolucionário que culminaria com a declaração de independência do dia 9 de julho de 1816.
Sob forte chuva e frio, a Plaza de Mayo e a Avenida 9 de Julio, incluindo ruas adjacentes, foram totalmente tomadas por 500 mil manifestantes, que ouviram o pronunciamento da vice-presidenta em telões, instalados em diversos espaços. Cristina Kirchner estava em um palco de 20 metros por 46 metros, montado em frente à Casa Rosada, sede do governo presidencial, com 300 convidados, entre eles os atores Pablo Echarri, Alejandra Darín e Dady Brieva, o filho do sindicalista assassinado José Ignacio Rucci e três representantes da Associação Mães da Praça de Maio.
No palco estavam na primeira fila, ladeando a vice-presidenta, o deputado e fundador da organização política juvenil peronista La Cámpora, Máximo Kirchner, o governador da província de Buenos Aires, Axel Kicillof, o ministro do Interior, Wado de Pedro, o ministro da Economia, Sergio Massa, e o enviado do Papa que visitou Lula na Policia Federal, Juan Grabois. Os manifestantes não perderam o ânimo na chuva e no frio. Cantavam e carregavam bandeiras, faixas e cartazes com lemas e imagens de Juan Perón, Evita Perón, Néstor e Cristina Kirchner, ocupando um espaço no centro de Buenos Aires, ao mesmo tempo histórico e lendário para as atividades da esquerda peronista.
Cristina Kirchner chamou os ministros da Corte Suprema de grotescos, acusando seus crimes de “artimanhas de uma camarilha indigna”. Ela propôs um “redesenho institucional” para que o Judiciário tenha cargos eleitos pelo voto popular, quando houver um processo de impeachment aberto contra a Corte Suprema e que ainda tramita na Câmara dos Deputados, sendo a gestão do trabalho social do Judiciário como um dos mais evidentes: “É preciso renovar esse pacto democrático, devolver ao país um Poder Judiciário que se evaporou entre as artimanhas de uma camarilha indigna da história da Argentina. (…) Não importa se ele é um jurista de uma orientação ou de outra, mas por favor, os argentinos merecem ter uma Corte Suprema que possa ser chamada como tal sem ficar ruborizado”
Cristina sofre lawfare jurídico por governar duas vezes o país, enfrentando os interesses das classes dominantes e dos EUA, promovendo políticas de distribuição de renda com programas e investimentos na educação, saúde e moradia, criação de empregos e políticas sociais como a construção de moradias populares. O salário mínimo foi fortalecido e muitas outras políticas públicas foram criadas em beneficio da grande maioria da população pobre do país. Essas razões a levaram a ser a liderança popular que é hoje, tendo que ser perseguida juridicamente para que não seja eleita Presidenta da Argentina. Essa perseguição já ocorre faz anos. Na última eleição presidencial, Cristina concorreu a vice-presidência do pais e a influência central dessa decisão foi devido a perseguição jurídica que sofria na época.
A vice-presidenta insistiu em uma ideia que promoveu durante seu último governo: a eleição pelo voto popular dos membros do Judiciário. “Com todos os defeitos, erros e equívocos que possam ter aqueles que fazem parte do Poder Executivo ou Legislativo, a sociedade tem uma garantia irremovível contra esses dois poderes: o voto. a cada dois ou quatro anos”.
Cristina disse que é preciso “repensar o desenho institucional” da Argentina e qualificou o Judiciário como um “estorvo monárquico”. “Eles são nomeados para toda a vida, não prestam contas a ninguém, não se conhece suas declarações juramentadas, não se sabe onde moram. Isso não é uma república, isso não é uma democracia.” E acrescentou: “É hora das instituições da República Argentina pararem de cuidar dos interesses das corporações e dos poderosos, mas sim de todos os argentinos.” Neste sentido, enfatizou que o país não pode continuar atrelado a uma economia primária, para continuar subjugado aos preços internacionais. “Nós, argentinos, precisamos dar um salto qualitativo, articular o público e o privado, uma aliança para agregar valor, para incorporar tecnologia”
Houve alternâncias de tons incisivos e emocionais em sua fala:
“Por que vocês acham que eles me odeiam, me perseguem e me proíbem? Porque eu nunca fui um deles e nunca serei, façam o que quiserem, me queiram matar ou me prender, nunca serei um deles. Eu sou do povo e de lá não me movo.”
Cristina destacou a necessidade de construir “organização, profundidade territorial da organização, profundidade setorial nos sindicatos, nas fábricas. Uma só pessoa não pode. Tem que haver uma organização, tem que haver quadros que assumam e executem o programa de governo que a Argentina precisa”.
A vice-presidenta lembrou que o país precisa urgentemente de três ou quatro eixos para desenvolver este programa. E descreveu “O primeiro, e nisto quero me dirigir não só aos que pensam como eu: se nós, argentinos, não conseguirmos que este programa que o FMI impõe a todos os seus devedores seja posto de lado e nos seja permitido desenvolver um programa de crescimento, da industrialização, da inovação tecnológica, será impossível pagar por isso, digam o que disserem.”
A Argentina vive uma crise de hiperinflação principalmente devido ao governo passado, do direitista Mauricio Macri, que pediu um empréstimo ao FMI, de 50 bilhões de dólares, para tentar se reeleger presidente do país. Ele acabou criando, na verdade, um aprofundamento do problema social e econômico, iniciado em seu governo e levando ao final o efeito contrário que ele não esperava, sendo derrotado nas eleições presidenciais de 2019 pela chapa Alberto Fernandes/Cristina Kirchner.
Por fim, uma grave advertência:
“Vamos começar a cumprir a Constituição, vamos investigar a dívida, vamos investigar os responsáveis. É hora das instituições da República Argentina não estarem aí somente para cuidar dos interesses das empresas e dos poderosos, mas sim de todos os argentinos.
Confira abaixo os vídeos feitos em exclusivo para o Cafezinho no histórico dia de ontem em Buenos Aires
E por final a fala completa da Cristina Kirchner de seu perfil oficial no youtube.