Bioma teve mais de 20 mil hectares desflorestados, mostra pesquisa da Fundação SOS Mata Atlântica e do Inpe. Entre os principais motivos estão a abertura de pastagens e culturas agrícolas e a especulação imobiliária.
Publicado em 24/05/2023
DW — A Mata Atlântica teve 20.075 hectares destruídos de outubro de 2021 a outubro de 2022 – o equivalente a cerca de 28 mil campos de futebol. Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (24/05) pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e estão no Atlas da Mata Atlântica, estudo realizado desde 1989. Como resultado do desflorestamento do bioma foram lançados 9,6 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera.
Outro estudo divulgado nesta quarta-feira mostra que a Mata Atlântica é o bioma brasileiro com maior número de espécies de plantas e animais ameaçados de extinção no país. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e constam na pesquisa Contas de Ecossistemas – Espécies Ameaçadas de Extinção no Brasil 2022.
Embora a área desflorestada na Mata Atlântica represente uma redução de 7% em relação ao detectado no mesmo período do ano anterior (21.642 hectares), é a segunda maior dos últimos seis anos e está 76% acima do valor mais baixo já registrado na série histórica (11.399 hectares, entre 2017 e 2018).
“Temos um quadro de desmatamento estável e inaceitável para um bioma fortemente ameaçado e fundamental para garantir serviços ecossistêmicos, entre eles a conservação da água, e evitar grandes tragédias, como a que tivemos recentemente no litoral norte de São Paulo”, destaca Luís Fernando Guedes Pinto, diretor-executivo da SOS Mata Atlântica e coordenador do Atlas, referindo-se aos temporais com deslizamentos de terra, inundações e queda de árvores que deixaram ao menos 65 mortos em fevereiro.
Principais causas
Embora o bioma seja considerado patrimônio nacional pela Constituição e protegido por uma lei especial, segue sendo amplamente desflorestado. No entanto, apenas 0,9% das perdas se deram em áreas protegidas, enquanto 73% ocorreram em terras privadas.
De acordo com o estudo, entre os principais motivos para o desflorestamento está, sobretudo, a destruição para abertura de pastagens e culturas agrícolas. A especulação imobiliária, acima de tudo nas proximidades das grandes cidades e no litoral, também é apontada como outra das causas principais.
Segundo a SOS Mata Atlântica, o bioma é lar de quase 70% da população e responde por cerca de 80% da economia do Brasil, além de produzir 50% dos alimentos consumidos no país.
Cinco estados acumulam 91% do desflorestamento: Minas Gerais (7.456 ha), Bahia (5.719 ha), Paraná (2.883 ha), Mato Grosso do Sul (1.115 ha) e Santa Catarina (1.041 ha).
Oito estados registraram aumento da área desflorestada (Alagoas, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Sergipe), e nove mostraram redução (Ceará, Goiás, Mato Grosso, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e São Paulo).
No que se refere aos municípios, dez concentram 30% do desmatamento total no período. Desses, cinco estão situados em Minas Gerais, um no Mato Grosso do Sul e quatro na Bahia.
Área desflorestada ainda maior
O Atlas da Mata Atlântica possibilita, em toda sua série histórica, a identificação e comparação de desmatamentos a partir de três hectares, avaliando, dessa forma, a conservação dos maiores remanescentes de matas maduras e sem sinais de degradação no bioma, o que corresponde a 12,4% da área original.
Um outro sistema de monitoramento, o MapBiomas, no entanto, mapeia áreas de vegetação remanescentes acima de 0,5 hectare e em diferentes estados de conservação, incluindo florestas maduras e matas jovens em regeneração, em um total de 24% da área original.
O MapBiomas é a referência usada pelo Sistema de Alertas de Desmatamento (SAD) Mata Atlântica, iniciativa lançada em 2022 em uma parceria entre a Fundação SOS Mata Atlântica, a empresa privada Arcplan e o MapBiomas, com o objetivo de intensificar o monitoramento e combater o desmatamento.
De acordo com o SAD, entre janeiro e dezembro de 2022 foram registrados 9.982 alertas, somando 75.163 hectares perdidos entre florestas maduras e jovens. Segundo essa análise, a área total perdida é quase quatro vezes maior do que a contabilizada pelo Atlas, ameaçando tanto as matas jovens quanto as maduras do bioma.
No período de janeiro e fevereiro de 2023, o SAD detectou 853 alertas num total de 6.139 hectares desmatados, o que corresponde a uma taxa de 104 hectares perdidos por dia.
Mata Atlântica é o bioma brasileiro com o maior número de espécies de plantas e animais ameaçados – Foto: Ralf Hirschberger/picture alliance/ZB/dpa
Estratégia para desmatamento passar despercebido
Além do mapeamento, a SOS Mata Atlântica realizou um sobrevoo em áreas de mata no Paraná, estado que, com importantes florestas de araucárias, ano a ano aparece entre os que mais devastam o bioma. O sobrevoo confirmou as informações do SAD Mata Atlântica que mostram um padrão de desmatamentos menores, porém persistentes, na região – além de “estratégias” para que os desmatamentos tentem passar despercebidos.
“São derrubadas em faixas laterais, que devoram a mata pelas beiradas, e em pequenas áreas interiores, como furos em um queijo suíço, feitas assim justamente para não serem detectadas pela maior parte das tecnologias, mas que agora o SAD é capaz de capturar”, explica Luis Fernando Guedes Pinto.
Enquanto o Atlas oferece um panorama anual do estado de conservação dos grandes fragmentos florestais, que são de maior importância para a biodiversidade, os dados do SAD são divulgados semanalmente na plataforma MapBiomas Alerta de forma a ajudar, com maior rapidez, nas ações dos diversos órgãos responsáveis por combater e fiscalizar o desmatamento.
Bioma tem o maior número de espécies ameaçadas
De acordo com dados divulgados pelo IBGE, a Mata Atlântica também é o bioma brasileiro com maior número de espécies de plantas e animais ameaçados. O levantamento tem como base as listas de fauna – elaboradas pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) – e da flora, produzida pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), ambas divulgadas no ano passado.
Segundo o estudo, as duas instituições avaliaram 21.456 espécies de animais e plantas em todos os biomas do país, o que representa cerca de 12% de toda a biodiversidade brasileira. A partir daí, técnicos classificaram as espécies em situação de ameaça: vulnerável (VU), em perigo (EM) e criticamente em perigo (CR).
A Mata Atlântica foi o bioma com maior número de espécies avaliadas: 11.811. E também é a área com maior total de espécies ameaçadas: 2.845, ou seja, quase um quarto (24,1%). Segundo o IBGE, 43% das espécies ameaçadas vivem na Mata Atlântica. É também o bioma com mais espécies declaradas extintas: oito, segundo o IBGE, sendo a mais recente a perereca-gladiadora-de-sino (Boana cymbalum).
De acordo com Leonardo Bergamini, pesquisador do IBGE, isso se deve, em parte, a características intrínsecas ao próprio bioma. No entanto, também influencia o fato de a Mata Atlântica ser o bioma brasileiro com maior histórico de ocupação.
“E há um terceiro fator: a maioria das instituições e centros de pesquisa está localizada nesse bioma, então existe uma maior disponibilidade de informações sobre sua biodiversidade, o que permite avaliar melhor o risco de extinção das espécies”, ressalta.
Em seguida, aparece o cerrado que, com 7.385 espécies avaliadas, teve 1.199 espécies consideradas em risco (16,2% do total). Outros biomas com mais de 10% da vida selvagem ameaçada entre aquelas espécies avaliadas são a caatinga (3.220 ou 14,9%) e os pampas (229 ou 13,7%).
Os biomas com menor número de espécies ameaçadas entre as avaliadas são a Amazônia (503 ou 6%) e o Pantanal (1.825 ou 4,1%).
O IBGE também informou que o total de espécies avaliadas em 2022 aumentou em relação à lista elaborada em 2014. As plantas passaram de 9% do total (4.304) para 15% (7.517), enquanto os animais subiram de 10% (12.009) para 11% (13.939).
As espécies ameaçadas recuaram tanto na flora quanto na fauna. As espécies de planta com risco de extinção passaram de 47,4% em 2014 para 42,7% em 2022. Já os animais ameaçados caíram de 9,8% para 9% no período.
A queda, segundo o IBGE, pode ser explicada pelo aumento do número de espécies avaliadas.
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