Por Victor Lins
Com a declaração de Arthur Lira (PP-AL) sobre a PEC 32/2020 estar pronta para ser votada, retomando o assunto de Reforma Administrativa, mais do que nunca o ativismo pela prestação do Serviço Público de qualidade no Brasil deve ser intensificado. Por isso, faço esse texto com o intuito de fazer uma contextualização desse ativismo, o encorajando. Serviço Público está umbilicalmente ligado à redução das desigualdades, tema sensível em nosso país.
A alegação principal de que parto é: o grau de desigualdade econômica em uma nação se dá amplamente em função de três fatores: distribuição e redistribuição de renda, dado um contexto de estabilidade institucional. Assim podemos ilustrar:
Desigualdade = Estabilidade Institucional ÷ (Distribuição de renda . Redistribuição de renda) . k
Em primeiro lugar, a Estabilidade Institucional do modelo produtivo é meio que permite a acumulação patrimonial acontecer, incluindo desde o fator Tempo, para os efeitos dos juros compostos tornarem-se relevantes, até a mera segurança jurídica que garante a propriedade privada e sua transferência entre gerações, bem como investimentos privados de longo prazo.
Indo ao encontro, os momentos de maior redução de desigualdade, conforme narra Walter Scheidel, foram justamente aqueles de grave ruptura institucional, como pestes, guerras e revoluções, em que, nessas últimas, há desapropriações e outras interrupções do regramento social que permite acumulações de riqueza ao longo do tempo.
Dito isso, funcionando de modo estável o modelo produtivo vigente, em segundo lugar, Distribuição e Redistribuição de Renda são os mecanismos de desconcentração de riqueza. O primeiro se refere à forma com que os ganhos do processo produtivo são repartidos sem intervenção governamental direta. Assim, temos, por exemplo, a diferença de salários entre diferentes profissões e cargos, e de margens de lucro entre diferentes setores econômicos.
Em terceiro lugar, Redistribuição de Renda se refere à intervenção do governo que resulta em uma nova repartição de recursos. Nesse sentido, apenas as informações de renda bruta não são suficientes para se compreender a situação final dos indivíduos, pois é preciso compreender qual é o tamanho dos impostos que cada um paga, os auxílios que cada um recebe e os serviços que cada um deixa de pagar na medida em que utiliza aqueles prestados gratuitamente pelo Estado. Portanto, considerando que a Redistribuição de Renda não é nada mais do que um processo que inclui um fluxo financeiro indireto, que chamaremos de Serviço Público, e um fluxo financeiro direto, que chamaremos de Tributação (seja via “tributo positivo”, por meio de cobrança de impostos, ou seja via “tributo negativo”, por meio de transferência direta) que precisa ser progressiva (prestigiar, inclusive proporcionalmente, quem tem menos), temos que:
Redistribuição de renda = Tributação Progressiva . Serviço Público
Para chegarmos ao objetivo desse texto, unindo as duas expressões, temos que:
Desigualdade = Estabilidade Institucional ÷ (Distribuição de renda . Tributação progressiva . Serviço Público) . k
Por isso, entendendo os mecanismos de produção de desigualdades, não deveria haver surpresa quando o Brasil aparece com destaque nos rankings mundiais de desigualdades econômicas. A publicação do “World Inequality Report 2022”, relatório feito por observatório coordenado, dentro outros, por Thomas Piketty, aponta que em nosso país o nível de desigualdade interna é maior que o global. Dito de outra forma, o abismo que entre os mais ricos de São Paulo e os mais pobres do sertão, por exemplo, é maior que o entre os ricos em Nova York e os pobres da África.
Em se tratando de Distribuição de Renda, a estrutura produtiva brasileira passa por forte desindustrialização, e a literatura relacionando a modernização produtiva à formação de uma robusta classe média é vasta. Em resumo, o produtor agrícola divide menos os recursos gerados com os funcionários, porque um grande fator de relevância é a terra; ao passo que a qualificação da mão de obra tem maior peso na produção industrial, de modo com que a repartição dos recursos gerados acaba sendo maior com os colaboradores, que possuem maiores salários.
Em se tratando de Tributação, aquela sobre o consumo suporta a arrecadação nacional, ao passo que aquela sobre o patrimônio é residual, e aquela sobre a renda é pouco progressiva. Isso faz com que os mais pobres, que não tem margem para poupar, paguem proporcionalmente mais tributos do que os ricos.
Em se tratando de Serviço Público, o desmonte é a tônica: o sistema da Dívida Pública Federal pressiona o orçamento público, resultando em medidas como Reformas Previdenciárias, Privatizações e Tetos de Gastos. No fim das contas, quem ganha muito paga pouco imposto e pelas suas poupanças é novamente remunerado, agora por meio do orçamento público, do qual o grande colaborador é quem ganha pouco.
Thomas Piketty aponta que, caso mantenha-se o mecanismo de produção de desigualdades vigentes, as projeções são de que as condições econômicas das pessoas tenderão a se dar quase que exclusivamente pela família em que nascem. Trazendo para a realidade brasileira, é por isso que o ativismo pelo Serviço Público de qualidade se faz um imperativo: simplesmente, é um dos fatores de redução das desigualdades. A quem importa menos orçamento para Saúde e Educação públicas? Só a quem pode obtê-las de modo privado!
Victor Lins é Auditor Fiscal e Cientista Político
Paulo
22/05/2023 - 22h31
O serviço público é meio, não é fim. Mas sem dúvida é um meio que vem sendo negligenciado – e até boicotado – progressivamente, em nosso país, e isso após um resgate alvissareiro na Constituição Federal de 1988, que hoje contudo se acha em franco questionamento…