Por Jeferson Miola
O Procurador-geral de justiça militar Antônio Pereira Duarte determinou o arquivamento da representação protocolada no Ministério Público Militar em 24/3/2023 para apurar eventual crime de condescendência criminosa do então comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, na impunidade ilegalmente concedida ao general Eduardo Pazuello.
Além da apuração da conduta do comandante do Exército, a representação também requereu a revisão do ato administrativo que não puniu o general Pazuello pela transgressão cometida ao participar de comício político-partidário de Bolsonaro com sua horda de apoiadores e correligionários no Rio de Janeiro, em 23 de maio de 2021.
O procurador Pereira Duarte fundamenta sua decisão centralmente na manifestação do atual Comandante do Exército no processo. Nela, o general Tomás Paiva sustenta “que o Oficial-General somente subiu ao palanque, durante a manifestação popular, em atendimento à solicitação do Presidente da República”.
Na visão do general Tomás Paiva, “nesse caso, a conduta foi considerada justificada, uma vez que o ato não foi realizado por iniciativa própria do militar, não sendo cabível, portanto, a aplicação de qualquer sanção disciplinar”.
Com base nesta abordagem do atual comandante do Exército que inocenta o “obediente” Pazuello, o procurador-geral concluiu que a conduta do general Paulo Sérgio “não configura ilícito penal militar de condescendência criminosa” devido “ao fato de o General-de-Divisão EDUARDO PAZUELLO ter atendido a uma solicitação do Presidente da República, cenário que não sugere ter havido indulgência ou desídia”.
Ao mesmo tempo em que não acolheu a notícia-crime contra o então comandante do Exército, o procurador Pereira Duarte sugeriu responsabilidade de Bolsonaro pela transgressão do general Pazuello.
Pereira Duarte entende que a “participação daquele oficial-general no evento do dia 23 de maio de 2021 ocorreu, se não por convite, ao menos com a anuência do Presidente da República, que exerce “o comando supremo das Forças Armadas” (art. 84, XIII, da CRFB) e recebeu o Gen PAZUELLO apoiando a mão direita no ombro do militar” [grifo no original da decisão – aqui].
Na decisão, o procurador reconhece que Pazuello participou de “evento político”, o que é vedado pela legislação brasileira. Apesar disso, entretanto, ele argumenta que “não há possibilidade de configuração de condescendência criminosa pelo ex-Comandante do Exército […] porque, prevalecendo a tese de configuração de transgressão disciplinar, o chefe supremo das Forças Armadas [Bolsonaro], no mínimo, consentiu com a prática do ato infracional, sendo descabido que a primeira autoridade, que figura em patamar inferior na hierarquia militar, censure ato do Presidente da República” [grifo no original].
Por essa alegação, o convite presidencial praticamente “obrigou” o general Paulo Sérgio a anuir com a conduta transgressora do general Pazuello, “de sorte que a punição disciplinar eventualmente aplicada pelo então Comandante do Exército ao Gen PAZUELLO seria, à evidência, incongruente, para dizer o mínimo”.
Como que naturalizando a participação ilegal e inconstitucional de militares na política, o procurador-geral concluiu que “Entendimento diverso seria apenas ilusório, mormente no contexto político que experimentava o País naquela quadra temporal” – ou seja, no marco do governo fascista-militar nominalmente presidido por Bolsonaro e inteiramente colonizado por militares da ativa e da reserva.
O não reconhecimento do ilícito de condescendência criminosa do general Paulo Sérgio pelas razões alegadas pode ser confrontado, no entanto, com outro entendimento sobre o dever funcional do comandante do Exército.
Isso porque o exercício do comando supremo das Forças Armadas pelo presidente da República não significa o exercício de autoridade administrativa ordinária e corriqueira, sustentada nos princípios da hierarquia e disciplina, e que é exercida diretamente pelos comandantes das três Forças, não pelo presidente da República.
Como o próprio Pazuello alegou no processo cujo sigilo de 100 anos foi levantado, ele relembrou o general Paulo Sérgio que “o informei por telefone no sábado, que iria ao passeio de moto para demonstrar apoio ao Presidente […] no domingo, a convite do Presidente”.
Ora, o comandante do Exército teria sido leal à lei e à atribuição do cargo se tivesse proibido seu subordinado de participar de ato coletivo de motociclistas “para demonstrar apoio ao Presidente” e que, como o próprio procurador-geral de justiça militar reconheceu na sua decisão, foi um “evento político”.
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