Agência Senado – A efetivação do acordo do Mercosul com a União Europeia (UE) e a entrada do Brasil como membro pleno na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) envolvem negociações complexas, que levarão anos para serem concluídas. Esse foi o alerta dado pelo chanceler Mauro Vieira em audiência na Comissão de Relações Exteriores (CRE) nesta quinta-feira (11). Vieira lembra que as negociações do acordo Mercosul-UE precisam ser referendadas por 31 países, enquanto as negociações quanto à entrada do Brasil na OCDE também são difíceis.
Sobre o acordo Mercosul-UE, a senadora Tereza Cristina (PP-MS), por exemplo, reclamou que a UE apresentou recentemente novas exigências para que o acordo seja fechado, relacionadas a temas ambientais. Tereza Cristina lembrou que especialmente a França lidera um grupo de países que, no seu entender, se vale de cláusulas ambientais como uma forma disfarçada de protecionismo de seus próprios produtores. O ministro concordou com a senadora, dizendo que as exigências apresentadas agora pela UE são “leoninas” e podem afetar as exportações brasileiras.
— É impressionante, porque há cláusulas muito complexas. A questão da lei de desflorestamento na Europa é muito complexa, pode afetar as exportações com possibilidade, inclusive, de retaliações, sem uma entidade que julgue e determine. Quer dizer, quem é que vai determinar, a União Europeia? Não tem mais floresta para desmatar lá (deveriam ter preservado), mas as nossas estão, e nosso compromisso é preservá-las — explicitou Vieira.
O chanceler acrescentou que as novas exigências da UE também passam de “voluntários” para “mandatórios” alguns compromissos assumidos no Acordo de Paris, também ameaçando retaliações. Vieira lembra que o presidente Lula, quando participou da COP-27, deixou claro o compromisso brasileiro com o “desmatamento ilegal zero” e a recuperação de milhões de hectares de áreas degradadas. Mas o chanceler também reforça que o Brasil não vai abrir mão do interesse nacional nas negociações com a UE e assumirá uma posição conjunta com Argentina, Uruguai e Paraguai em relação às novas condições do bloco europeu.
Outros senadores, como Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Nelsinho Trad (PSD-MS) e Fernando Dueire (MDB-PE), também indagaram sobre a atual situação das negociações do acordo Mercosul-UE. Vieira disse que o governo apoia o acordo, entende que tem potencial de incrementar nossas exportações e ajudar na reindustrialização. Avisou, porém, que o país não pode se iludir, pois ainda vai demorar para que o acordo saia do papel.
— O acordo foi negociado, mas ainda não foi sequer assinado. Quando for assinado, será submetido ao Parlamento Europeu e ao Parlamento de cada um dos 27 países da UE, e o mesmo ocorrerá nos 4 países do Mercosul. O que quer dizer que também há perspectiva, e isso não é um segredo, de um período longo para a entrada em vigor. Isso é um fato concreto e inevitável — alertou.
Entrada na OCDE
Os senadores Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB) e Tereza Cristina também indagaram mais especificamente sobre as negociações quanto à entrada do Brasil na OCDE. Neste ponto, Vieira também deixou claro que o Brasil tem interesse em integrar o chamado “clube dos ricos”, pois avalia que o bloco tem um foco de aprimoramento de políticas públicas “que nos interessa”. Mas o ministro acrescentou que o Brasil já dialoga com a OCDE desde a década de 1970 e disse que a participação como membro pleno é mais complexa.
— Há uma série de reformas legislativas importantes a serem feitas, de natureza fiscal, de investimentos, normas trabalhistas, é um processo longo. Eu estive com o nº 2 da OCDE em julho de 2022, numa conferência, e perguntei: “Quanto tempo leva isso?”. E ele falou: “No mínimo, de 4 a 6 anos”. É um período muito longo, um período de negociações, de adaptação aos padrões da OCDE. Que pode incluir modificações em legislações tributárias e outras, que justamente estão sendo examinadas e votadas nesta Casa — adiantou.
Relações com a China
Em resposta a Esperidião Amin (PP-SC), Vieira também falou sobre a enorme importância das relações econômicas e da parceria estratégica entre Brasil e China. Fez questão de destacar, por exemplo, que hoje o Brasil exporta mais para a China do que para EUA e União Europeia somados.
— A China é o principal parceiro comercial do Brasil e uma das principais fontes de investimentos externos diretos em nosso país, com estoque estimado em mais de U$ 70 bilhões. Já o Brasil é o principal parceiro comercial chinês na América Latina e, desde 2017, o maior fornecedor de produtos agrícolas àquele país. Na recente viagem do presidente Lula à China, fechamos 15 acordos em áreas como infraestrutura, facilitação de comércio, espaço exterior e economia digital, com projeções de investimentos no Brasil de cerca de R$ 50 bilhões. E hoje as exportações brasileiras para a China são superiores a nossas exportações para EUA e UE somados.
Relações com a Venezuela
O senador Chico Rodrigues (PSB-RR) pediu mais esforços do governo visando à retomada de relações normais com a Venezuela. O senador lembrou que a Venezuela chegou a sugerir pagar suas dívidas com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o fornecimento de energia — o que interessa Roraima, que tem décadas de parceria com a Venezuela por meio do fornecimento de energia da usina de Guri, que fica naquele país.
Na resposta a Rodrigues, Vieira lembrou que a embaixada brasileira em Caracas está sendo reaberta, após o corte nas relações efetuado em 2019 durante o governo Bolsonaro. Lembrou que não só ele, como outros membros da cúpula do Itamaraty e do governo, têm mantido negociações com o governo venezuelano, levando em conta o fato de que cerca de 25 mil brasileiros moram hoje na Venezuela. Vieira disse esperar que o presidente Nicolás Maduro venha à cúpula de chefes de Estado sul-americanos que será realizada no Brasil no final deste mês.
Já o senador Sérgio Moro (União-PR) viu uma contradição na crítica que o presidente Lula fez, na Inglaterra, à prisão do jornalista Julian Assange. Assange está preso desde 2019 por divulgar documentos diplomáticos pelo site WikiLeaks. Moro disse que a crítica que faz a Lula, nesse ponto, “não trata do mérito do caso Assange”, mas entende que o presidente é contraditório, pois critica uma prisão efetuada num processo conduzido por Inglaterra e Suécia, “países democráticos”, enquanto “se cala quanto a prisões políticas na China, Rússia, Venezuela e Nicarágua”.
Em resposta, Vieira pontuou que na retomada das negociações com a Venezuela, o Brasil tem reiterado sua posição de respeito aos direitos humanos. Lembrou inclusive que, tanto por parte do Itamaraty quanto nas negociações no âmbito da Unasul, tem havido encontros que envolvem também membros da oposição venezuelana a Maduro. Por fim, garantiu que o governo venezuelano tem demonstrado abertura ao diálogo nessas negociações. Já sobre a Nicarágua, Vieira reitera que o governo brasileiro condenou a prisão do padre Júlio Alvarez pelo governo de Daniel Ortega.
Rota bioceânica
Nelsinho Trad pediu esforços mais efetivos do governo na consolidação da rota bioceânica, o traçado rodoviário que passa por Brasil, Paraguai, Argentina e Chile, até os portos de Antofagasta e Iquique. Trad lembrou a importância crucial da rota bioceânica no incremento das exportações brasileiras à Ásia.
— A rota bioceânica cruza o Mato Grosso do Sul até chegar aos portos no Chile, onde dali, para se chegar à Ásia, diminui em 14 dias a viagem, com 8 mil quilômetros marítimos a menos, reduzindo o frete em 40%. Dizemos no Mato Grosso do Sul que futuramente a rota será conhecida como o Canal do Panamá do Pantanal. E isso é de uma importância para nós que não tem tamanho. Recentemente, o presidente eleito do Paraguai reforçou a importância desse projeto para seu país — disse.
Na resposta, Vieira garantiu que a rota bioceânica é uma prioridade.
— O governo pretende concluir essa obra o mais rápido possível, e no dia 3 de julho o presidente Lula já aceitou inaugurar a Ponte da Integração em Foz do Iguaçu [PR]. Estamos trabalhando, do nosso lado, para os acessos da outra ponte. E quem sabe no futuro até uma duplicação da via com uma via ferroviária, que seria realmente o ideal, sem dúvida nenhuma.
Mais mulheres na diplomacia
As senadoras Margareth Buzetti (PSD-MT), Mara Gabrilli (PSD-SP) e Leila Barros (PDT-DF) lamentaram o fato de o Itamaraty ainda indicar poucas mulheres para a chefia de embaixadas e representações brasileiras no exterior. Também questionaram a presença pequena de mulheres em postos de comando na estrutura ministerial.
— Dos 34 nomes apresentados pela atual gestão, temos apenas 4 mulheres indicadas para postos no exterior. Isso representa 11% de indicações femininas — reclamou Mara.
Vieira pontuou que o problema é de base, já que as mulheres têm correspondido a apenas cerca de 20% das aprovadas ao quadro do Itamaraty. Por isso, defendeu, o governo e o Parlamento devem trabalhar em políticas públicas de incentivo à participação de mais mulheres na carreira diplomática.
O presidente da CRE, Renan Calheiros (MDB-AL), que conduziu a reunião, afirmou que a gestão de Vieira marca o retorno do Itamaraty à tradição diplomática brasileira consolidada historicamente desde os tempos do Barão do Rio Branco. Para o senador, o Itamaraty deve ter um compromisso com o multilateralismo, respeito à democracia e aos direitos humanos, como prevê a Constituição.